sexta-feira, 12 de janeiro de 2018
O que significa a ausência de dogmas no Espiritismo?
"O Espiritismo, pois, estabelece como princípio absoluto somente o que se acha evidentemente demonstrado, ou o que ressalta logicamente da observação. Entendendo-se com todos os ramos da economia social, aos quais dá o apoio das suas próprias descobertas, assimilará sempre todas as doutrinas progressivas, de qualquer ordem que sejam, desde que hajam assumido o estado de verdades práticas e abandonado o domínio da utopia, sem o que o Espiritismo se suicidaria. Deixando de ser o que é mentiria à sua origem e ao seu fim providencial. Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará." (A Gênese, cap. 1, item 55, parágrafo 2)
Considero esse excerto o mais intrigante, angustiante, assombroso de todas as obras básicas escritas por Allan Kardec.
Quem me fez enxergá-lo assim foi minha esposa. Vinda de uma cultura católica que tinha a missa dominical como a única forma de se entrar no reino dos Céus, quando ela se encantou com o Espiritismo, achou estranho uma religião ser tão flexível a este ponto.
Esse excerto deixa claro nosso desapego a dogmas, ritos, símbolos. O Espiritismo é o que for certo ser, o que se verificar certo. Pelo menos é o que Kardec sugere.
Para uma religião isso é deveras problemático. Nunca uma religião se comportou assim. Não é culpa delas. Toda religião flerta com a eternidade. Seus fundadores sempre foram considerados emissários de Deus ou de algum grande deus, quando não o próprio Deus ou deus encarnado. Como sua fala poderia estar errada? A tradição primordial do Hindu, Krishna, Buda, Lao-Tsé, Moisés, Cristo, Maomé, todos tiveram suas palavras e gestos sacralizados.
Por que a missa dominical (ou a de qualquer outro dia da semana) do catolicismo é o caminho da salvação? Porque nela o adepto atualiza sua comunhão com Cristo através da eucaristia. Qualquer coisa pode mudar no mundo, mas enquanto a eucaristia estiver sendo realizada, ainda há a ligação com a eternidade, isto é, salvação.
Nesse excerto Kardec diz que a eternidade do Espiritismo está na sua capacidade de mudar. Devemos entender que não é uma questão de tudo ser impermanência e, portanto, quem se adaptar melhor à passagem de tudo sobreviverá. Mas sim, que a verdade é revelada progressivamente.
Kardec acreditava e defendia uma verdade última em vários outros momentos. Contudo, esclarece que ela nunca foi revelada em todo seu esplendor sob pena de cegar os homens. O que ele quer dizer, dessa forma, é que o Espiritismo deve estar disposto a caminhar com a progressão da revelação da verdade.
O espírita assim carrega essa angústia no peito: não se apegar muito a qualquer certeza, porque ela pode passar. Todavia, ter como pano de fundo que a realidade é boa, justa, bela, que há uma Inteligência Suprema a nos governar, e que as mudanças rumam para Ela. Seria esta tríade a nossa pedra angular.
Não é mais um dogma ou um gesto primordial que sustenta nossa fé, mas uma busca dialética.
Importa enfatizar, todavia, que Kardec nunca deixou de acreditar que Jesus era um norte seguro, cujo discurso real não deveria apresentar contradições, sendo o mestre perfeito da humanidade. A revelação progressiva da verdade, então, seria a compreensão perfeita do verbo de Jesus. Falo melhor sobre isso na próxima postagem.
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