sexta-feira, 12 de janeiro de 2018
As razões da fala "Ele deve pagar pelo que fez"
Estamos sempre sujeitos à traição do que esperávamos acontecer. Porque a vida não segue nossa cartilha. Mas, como o nosso eu sangra, vem a revolta. Daí podem partir dois caminhos: o perdão ou a vingança. É a esse último campo que pertence a fala “ele deve pagar pelo que fez”.
Esse pagamento que desejamos de quem acreditamos estar em dívida conosco pode seguir basicamente dois caminhos: um ativo, em que sujamos nossas próprias mãos; um passivo, em que almejamos que os outros sujem as mãos por nós. A essa última ordem pertence nossa satisfação com o castigo que cai, a distância, sobre o nosso, assim considerado, agressor.
Se elevarmos esse desejo passivo até as últimas consequências metafísicas, é o nosso mais íntimo – e vil – consolo que Deus desça Sua pesada mão esmagando nossos inimigos. No cristianismo, é esse o mesmo Deus que acreditamos ser todo bom. Então, nossa literatura religiosa se esmera em criar cenas dantescas e imaginar (revelar?) os sofrimentos mais atrozes para os que foram contrários a nossa forma de pensar a moral sã.
Não é preciso que alguém faça algo diretamente contra nós. Basta que a pessoa tome a liberdade de se desviar do caminho que consideramos justo. Como esse caminho, seguido religiosamente, é a nossa mais nobre verdade, o sustentáculo de nossa identidade, o nosso caráter, que almejamos ser rocha, também os desviados devem ser punidos pela sua má escolha. É o que nos mantém caminhando na trilha certa.
Esse comportamento que descrevi em poucas linhas é um dos mais primitivos da consciência religiosa. Tão primitivo quanto, mas menos abstrato, é o da vingança pelas próprias mãos. Alguns dizem, com razão, que é covardia o desejo de um deus exercer a vingança por nós. Projetamos a ideia de um deus que encarna a força que gostaríamos de ter para colocar em prática nosso ódio.
Existe, contudo, outro tipo de consciência religiosa infinitamente superior a essa: não se importar com o que vai acontecer com quem nos fez mal ou praticou o mal. Acreditar mesmo que eles possam se dar bem ao final. E que outro tipo de felicidade os espera. Ou, de forma ativa, desejar-lhes o bem. Como, então, sustentar nossa vontade de virtude se os que consideramos maus, devemos vê-los com olhos felizes?
Eis a virtude inquebrantável: a que não precisa se erguer sobre o sofrimento dos maus. Ela é independente. Basta por si mesma. Não precisa do contraste para existir. Repousa em olhos de criança. É a serenidade por excelência. Um universo construído sobre esse olhar não tem inferno. Nem céu. Essa é a imagem do eu em paz consigo.
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