Uma amiga psiquiatra, que anda rondando o Espiritismo, me disse assim: "o Evangelho segundo o Espiritismo é lindo. Gostei mais dele do que do Livro dos Espíritos. Ele traz mais esperança".
Desde a primeira vez que ela me abordou, não imaginava que ela iria mergulhar tanto. As pessoas vêm a mim, pedem dicas, passam de raspão e seguem. Mas, algumas param, leem, se encantam. O conhecimento passa por três grandes vias: o estranhamento, o encantamento e o encontro. Por elas, entendo ter passado essa moça.
Venho construindo um ambulatório de saúde mental na atenção primária, e já havia me esquecido o quanto os pacientes de lá são intrigantes. Abstração feita da ansiedade e depressão – mal do século, que nos conduzem à busca de uma escola de pensamento que dê mais alento do que apenas medicalização – as ditas alucinações de alguns pacientes nos intrigam sobremaneira, tamanha a “elaboração” e, em certos casos, a inocência. Por que medicalizar essas visões de convivência pacífica? Muito pano para manga para estranhar. Foi o que disse a ela:
“Por mais escolas de pensamento que a psiquiatria tenha engolido, sentimos que ainda falta explicação para a estranheza dos fenômenos mergulhados nas profundezas das pessoas.” A amiga aquiesceu.
Admirei, então, que ela, tão mergulhada em ciência, tenha se encantado mais com o Evangelho Segundo Espiritismo do que com o Livro dos Espíritos. Não que o Livro dos Espíritos seja científico, mas é mais a fim da produção de saber da ciência, pois são diálogos, argumentos, contra-argumentos e comentários, do que mensagens de consolo e direcionamentos morais, como o é aquele primeiro livro.
Quando entramos no universo da psiquiatria, um véu de explicações é posto sobre nossos olhos a fim de apaziguar a angústia de ver todas aquelas personalidades desestruturadas vagando nos corredores dos ainda manicômios. Algumas pessoas se apegam ao discurso estritamente racional para elevar a visão aos píncaros cerebrais, e afastar-se do coração. Todavia, o que vejo se espalhar por aí, como dizia Chico Xavier, é uma “saudade de Jesus”. Nesta personalidade, era menos ciência e mais acolhida, mais amparo, mais nortes, mais amor.
Como que uma projeção laica do que foi aquele encontro histórico da humanidade com o que demos de denominar salvador, parece ser isso que procuramos hoje em dia: menos ciência, mais acolhida, mais amparo, mais nortes, mais amor. Não que a ciência deva inexistir. Isso nos devolveria à selvageria. Por isso o Livro dos Espíritos, o Livro dos Médiuns e, de certa forma, a Gênese. Todavia, quando Kardec ousou atrelar, indelevelmente, o Espiritismo ao Cristianismo com a sua “Imitação do Evangelho”, acrescentou entre nós o (re)encontro com o Cristo, buscando tocar o sentimento que é grande parte de nós, sem prescindir da razão, essa ponta de iceberg. A isso ele chamou de “fé raciocinada”, o que, para os detratores da religião, parece um absurdo, mas que para mim, criado nesses moldes, é uma doce razão – aquilo que adoça a razão.
Sinto que, feito meu amigo ateu, terei muito o que falar sobre essa visita mansa de minha amiga.
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