quarta-feira, 4 de março de 2015

Saber orar



Papai não sabia. Pelo menos estas orações que os espíritas estimulam ser de improviso. Não sei se, na verdade, ele não sabia ou não queria fazer por outro motivo. O velho nunca me revelava o que o Espírito dizia para ele no escuro do coração. 

Quando fazíamos a leitura e a interpretação do Evangelho em nosso lar, e, no rodízio, caía nele para conduzir a oração, simplesmente baixava a cabeça, fechava os olhos e dizia:

- Prece de Cáritas...

Começava a recitá-la com uma voz grossa, introspectiva, baixinho, mas que soava forte no corpo da gente. 

- Deus nosso Pai, que Sois todo poder e bondade, dai força àqueles que passam pela provação, dai luz àqueles que procuram a verdade, e ponde no coração do homem a compaixão e a caridade.

Certa feita, esqueceu a prece no meio. Achou graça de si. Havia recitado aquela prece tantas e tantas vezes. Era, talvez, o poema mais curto que já havia decorado. Quando jovem, recitava "Navio Negreiro" de cor. Então, pele manchada pelo tempo, ressequida pela vida, deu para esquecer aquela pouca coisa. 

- Vou recomeçar. 

E ainda que falasse um balbucio quase inaudível, por causa do amor ficávamos em paz. 

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