Papai não sabia. Pelo menos estas orações que os espíritas estimulam ser de improviso. Não sei se, na verdade, ele não sabia ou não queria fazer por outro motivo. O velho nunca me revelava o que o Espírito dizia para ele no escuro do coração.
Quando fazíamos a leitura e a interpretação do Evangelho em nosso lar, e, no rodízio, caía nele para conduzir a oração, simplesmente baixava a cabeça, fechava os olhos e dizia:
- Prece de Cáritas...
Começava a recitá-la com uma voz grossa, introspectiva, baixinho, mas que soava forte no corpo da gente.
- Deus nosso Pai, que Sois todo poder e bondade, dai força àqueles que passam pela provação, dai luz àqueles que procuram a verdade, e ponde no coração do homem a compaixão e a caridade.
Certa feita, esqueceu a prece no meio. Achou graça de si. Havia recitado aquela prece tantas e tantas vezes. Era, talvez, o poema mais curto que já havia decorado. Quando jovem, recitava "Navio Negreiro" de cor. Então, pele manchada pelo tempo, ressequida pela vida, deu para esquecer aquela pouca coisa.
- Vou recomeçar.
E ainda que falasse um balbucio quase inaudível, por causa do amor ficávamos em paz.
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