Vou fazer um comparativo das três formas de pensar o demônio: a mitologia grega, a teologia cristã e o ensino espírita. Essa abordagem é a mesma de Kardec. Quem quiser ter mais propriedade sobre o assunto é só consultar o livro O Céu e O Inferno.
Na mitologia grega, os demônios que conhecemos hoje, via mentalidade cristã, faziam parte dos descendentes do Caos, de Urano e de Gaia, que são os deuses originais. Desproporcionais, disformes, destruidores. Detalhe importante é que o amor Eros e a sensual Afrodite participam desse início. Bem se vê que os gregos tinham lá a perspicácia de ver o amor desejante como um promotor da desordem. As erínias eram filhas do sangue do Urano, jorrado a partir de seu sexo cortado pelo próprio filho, Cronos, sequioso de vida ao ar livre. Elas nasceram da traição e se tornaram perpétuas vigilantes contra esse tipo de pecado no seio das famílias. Criaturas terríveis, horrendas, com poderes dilacerantes.
Houve uma guerra entre os descendentes mais próximos do Caos e os filhos de Cronos, um pouco mais civilizados. Dessa guerra originou-se o Cosmos como o conhecemos hoje: hierarquizado, matematicamente organizado. A ordem era mantida pelos deuses vencedores, habitantes do Olimpo.
Havia um deus que mais se parecia com o diabo que nós conhecemos. Não era Hades, ao contrário do que muitos pensam, que cumpria bem a sua missão de reger o mundo dos mortos, independente se estes eram justos ou injustos. Mas era Dioniso, que vagava pelas cidades da Grécia com um conjunto de sedutoras mulheres, promovendo festas carnais, com tudo o que você poderia imaginar (talvez mesmo desejar!) para o corpo se excitar ao máximo, as dionisíacas. Chegava ao clímax de haver canibalismo entre os festejantes, tamanha a embriaguez que Dioniso provocava sobre as pessoas. Não é à toa. Dioniso nascera de um conflito enorme. Foi uma traição de Zeus, que engravidara uma humana. Para salvar o filho da morte de sua mãe, provocada por umas astúcia de sua esposa, arranca-o do ventre primitivo e o enterra na face interna da coxa. Dioniso é gestado muito próximo do sexo de seu Pai. E este realmente abusava do sexo, de vez em quando pulando a cerca do Olimpo para fecundar lindas mulheres mortais. O escudeiro fiel de Dioniso, o feio Pã, dará o molde para a pintura do futuro satanás.
O mais interessante é que os gregos não reservavam a Dioniso um lugar junto a Hades, embaixo da Terra, no Tártaro, onde se localizaria futuramente o Inferno cristão. Ele figurava como um dos deuses do Olimpo! Os mesmos deuses da ordem, da disciplina, da concórdia entre os mais diversos poderes. Eis a grande chave para a compreensão do pensamento grego: o equilíbrio entre os poderes. Era isso que permitia a vida. Não sacrificar o que é caótico completamente, pois isto também faz parte do universo. Ora fazemos sacrifícios a Apolo pela sua sabedoria e beleza, ora a Dioniso pela sua liberdade (libertinagem) e presteza (ainda que tenha de se valer de meios escusos para chegar ao intento, o que lhe confere a velocidade das resoluções). Dois poderes do Universo: o brilho do Sol que tudo deixa claro, a noite da Lua que esconde os atos mais sórdidos. Somos filhos do Cosmos, mas netos do Caos.
Na próxima postagem, falarei um pouco sobre as revoluções que a mentalidade judaico-cristã promoveu sobre esse pensar. Antecipo que os mesmos dois polos de que lhe falei por último se perpetuarão. Claro! É sobre o que há em nós que estamos falando. A mudança de perspectiva é que um deles já não poderá merecer adoração, pelo contrário. E o Outro se elevará a mais alta potência, a princípio sendo a Ele dirigido o medo, isto é, o respeito temerário, o sacrifício e o sangue, e depois, o amor ágape (e não mais eros), quer dizer, a graça e o sorriso, o carinho e a boa vontade.
Peço que não se percam. A extensão desta análise é de extrema importância para a melhor compreensão do nosso posicionamento.
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