sábado, 23 de novembro de 2013

As utopias na criação de nossos filhos



Nesse 1 mês de pai, tive, pelo menos dez crescimentos, vou compartilhando alguns. 

O primeiro foi quando meu filho deixou de mamar. Aqui não cabe, definitivamente, esmiuçar as causas. A todo instante há especialistas que se aproximam e sugerem uma explicação, lançam sua hipótese como a última brilhante. E mesmo no banco de leite em que fomos atrás de receber ajuda ao vigésimo dia de insistência, quando não só desciam gotas de leite, mas de lágrimas da minha amada esposa, somos recepcionados com um:

- Está dando suplemento?
- Tive que começar algum.
- Está explicado!



Simples como mágica. Vinte dias de esforço ininterrupto da mulher mais querida e guerreira que tenho hoje em minha vida destroçados por um saber vultoso de uma pergunta qualquer. Sem contar da ditadura da mama que faz com que todas as pessoas olhem torto para aquela-que-não-conseguiu-amamentar-o-filho

O fato é que não conseguimos. E fiquei preocupado se esta já não seria nossa primeira falha de pais, o primeiro trauma, o primeiro nó e, portanto, a já derrocada de nosso projeto de fazer desenvolver um ser humano perfeito. 

Dei-me conta da eugenia dessa decepção quando percebi este último ponto. Se nós morrermos aos setenta anos, na pior das hipóteses, serão mais quarenta anos de uma vida que estamos tentando fazer vingar. Ainda não temos nem tudo isso de vida e já me preocupo com o que não consegui fazer neste dia, como se fosse irremediável para sempre. 

Relembrei meu pai, que santifiquei após a morte, mas que voltei a enxergar suas falhas e os ruídos do nosso relacionamento em me vendo, agora, pai. O quanto nós aprendemos nos dias em que fomos cometendo erros juntos durante sua permanência no corpo! E minha mãe que, viva e doente, me lança desafios semanais para ajudar o crescimento do espírito.

Que perfeição esperar de nós? Ainda temos menos compaixão do que o mundo precisa. Ainda mais egoísmo. Ainda a raiva, o menosprezo e a indisciplina. Ali, não aqui, o amor sem medidas. 

O pequeno veio com desafios. Eis o que é verdade. Não preciso entrar nos exemplos dos dons inatos daquela garota bailarina, deste menino pianista, daquele outro matemático. Já começam as diferenças no peito da mãe. Uns aceitam tranquilos o que a natureza lhes preparou como alimento durante nove meses. Outros, nem tanto. E outros ainda, de forma alguma. Vidas escondidas em um corpo perfeito que deixa aflorar os incômodos da volta a carne. 

Estamos tentando um equilíbrio sobre o fio da vida, bêbados de amor. Desatar os nós em pleno espaço, enquanto esse grande cometa Terra segue seu curso errático pelo universo das explosões, no escuro de tudo. 


Por que seu choro é tão sofrido no momento das cólicas, meu filho, enquanto o filho do vizinho só geme um pouquinho? Quem saberá por onde sangrou os teus pés até chegar aqui? Deixemos o passado de lado, pois o amor há de cobrir todos os nossos pecados. 

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Ao principiante espírita e afins - Parte I



Acho que carece nestas postagens de uma que tente falar o que é o Espiritismo. Alguns conhecidos, vendo minha filiação explícita (e biológica - meus pais eram espíritas) a essa doutrina, me abordam no sentido de que eu lhes indique livros, por assim dizer, iniciáticos. É uma árdua missão essa. Estamos na era do Facebook quando raras são as pessoas que ousam procurar ler a fonte das citações que aparecem rápidas na esteira dos status do dia. Nova lei da selva: seja objetivo ou não seja lido. 
O meu fim aqui é tentar deixar claro os contornos da Doutrina Espírita. Como tento fazer isso em uma página, vejam lá o que vocês vão concluir do resto de tudo - é perigoso! Estou sinalizando zonas de estudo.

O Espiritismo nasce na França, não as comunicações mediúnicas. Estas nasceram quando o primeiro homem morreu, deixando o segundo vivo. Quando Adão desencarnou (é como chamamos o fato de a alma se separar do corpo definitivamente), Eva o deve ter visto feito vulto pela Terra e matado a saudade de falar com ele. Mediunidade é um fenômeno humano, diria mesmo (estou pensando muito nisso nos últimos tempos) condição de como conhecemos todas as coisas que nos circundam. Todos os objetos e homens são mediatizados pela nossa consciência. O que eu narro para você é a minha perspectiva da realidade, isto é, é a realidade que se manifesta por mim. Os mortos, portanto, que preferimos chamar de Espíritos (com E maiúsculo), sendo realidade, se manifestam sempre pelos seus intermediários, a que denominamos médiuns. Se eles se manifestam de forma mais ou menos explícita, intensa, contundente, é só uma questão de meio. 

E há Espíritos mesmo? Responder sim a esta pergunta dá margens em crer na imortalidade perpétua da alma, o que, a rigor, não podemos constatar, já que o infinito não nos pertence. Esse Espírito, sim, sobrevive ao corpo. É isso que as experiências espíritas demonstram. Tem um filósofo contemporâneo de que gosto muito, André Comte-Sponville, que fala ser pura superstição a tal das mesas que giram movimentadas por Espíritos. É uma pena ele falar isso só por ouvir falar, é o que dá a entender. Portanto, se as mesas girantes só passaram por seus ouvidos, fica difícil delas ele ter uma opinião mais clara. Ele fecha o raciocínio com uma placa: superstição. Pobre! Não só Kardec, mas vários outros cientistas de escol da época estudaram as tais mesas girantes, concluindo que não eram fraude e que, hipótese mais provável, uma inteligência extra-corpórea animava aqueles corpos inanimados. Acredito que a coisa seja tão espetacular que fere o sentido da maior parte das gentes, cegando-as. Então, vem Sponville em novo contra-argumento infantil, "por que Victor Hugo não volta com todo seu esplendor, ou Beethoven, pelas mãos dos médiuns"? Para o Espírito de Victor Hugo ou Beethoven manifestarem seus dons em seus corpos foi necessário todo um amadurecimento - afinação - de décadas até o auge de suas obras. O corpo é dominado pelo Espírito em múltiplos desafios de crescimento. Muito embora o médium ofereça seu corpo para deixar vir um romance ou uma sinfonia, não podemos nunca esquecer que aquele corpo se adequou a deixar passar todo o gênio (ou a estultice) do Espírito que nele encarnou. Caso 1: Dostoiévski perde as mãos e tenta ditar uma obra para um analfabeto. Caso 2: Tenta ditar uma obra para um engenheiro que só sabe de engenharia. Caso 3: Para um chefe de cozinha que se dedicou toda uma vida para agradar paladares. Milagre sair algo agradável daí, como muitas vezes sai. 

Reencarnamos? À época de Kardec, isso havia ficado como “dogma”, isto é, princípio de dedução. Os Espíritos diziam que sim. Davam argumentos lógicos. Insistiam nessa posição. Kardec acedeu, não sem diálogo, não sem confronto. Aí está uma mudança fundamental do posicionamento espírita para com os Espíritos. O que vem desse canal não é verdade absoluta, mas matéria para análise. É o homem iluminado que não mais aceita verdades sem críticas. O problema é que o Iluminismo levou isso tão a sério que culminou na rejeição dos próprios autores: “As verdades que vêm dos Espíritos não são verdades pelos simples fato de não haver Espíritos”. Enterraram, sem conseguir matar, toda e qualquer doutrina que dissesse o contrário. Nos dias de hoje, um ramo crescente da psicologia, cujo trabalho clássico é o do Dr. Ian Stevenson, estuda casos de crianças que possuem lembranças de pretensas vidas passadas, sinalizando fortemente a possibilidade de verdade dessa tese. Como, no ocidente, fomos terrivelmente dominados pelo silenciamento dessa cultura das múltiplas vidas, o máximo que a nossa ciência aceita é “construções do imaginário de vivências profundas”. O limiar entre a cautela e a covardia, entre a sensatez e o preconceito é tênue. 

Há vidas em outros planetas? A natureza é animada? Falarei sobre isso, que são outros dois princípios que considero fundamentais, depois. Queria finalizar com a crença em Deus. 

Deus existe para quem acredita em Deus. A verdadeira crença em Deus é de tal envergadura que impõe sua existência em nossa vida. Eu seria mais fiel ao Espiritismo se dissesse aqui os argumentos que os Espíritos deram a Kardec para afirmar a existência do criador. Mas, é que aqueles argumentos (universalizantes) me convencem menos do que este (pessoal): 

  • Minha forma de ver o mundo não comporta a não-existência de um Criador. Ele se bole no escuro da minha inteligência, fala claramente ao coração. Sou herdeiro de uma cultura, a cristã, que sempre viu nEle o amparo e a solução para as dores, a esperança imortal. Não espero que o homem vá conseguir provar Sua existência, nem tão pouco concluí-la de forma cabal. Duvido de qualquer prova que se atreva a entrar nesse campo. Indícios? Quando muito... Como um ser inconcluso pode chegar à conclusão que finda todas as buscas? Não anatematizo quem não consegue acreditar no que acredito. A verdade sobre Ele chegará - isso é  da ordem da fé - quando a desconfiança não fizer mais sentido entre nós. Quando cada ser humano não tiver mais motivo para não chamar o outro de irmão. Chegaremos a certeza do Pai, então, pela instauração da universal, e verdadeira, irmandade. A busca, portanto, não é para provar a existência de Deus, mas para saborear o amor entre os homens. E é quando menos nos interessamos em chegar a Deus por essa via que nos enchemos de uma graça divina ao conseguir. 

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Pés de barro

Tome cuidado, meu Espírito. Tu fostes elevado pelos humanos sonhos a um altar que não te pertence. É dos sonhos humanos este altar. Teus pés de barro, não deves esquecer. Mais dia, menos dia alguém os quebrará. Menos sofrimento será se o já tiveres feito antes. Mantém esta alma na tua lama. Não porque sejas verme, mas porque aí o barro é maleável para a vontade das mãos do Grande Oleiro. Se o contrário acontecer, e te deleitares com as honras que te ofertam, não surpreenda-se com as lágrimas de sangue que escorrerem pela tua face apedrejada pelos escombros de ti. É com esse sangue que serás renascido no humilde lugar de ser o que se é - tua manjedoura. 

domingo, 20 de outubro de 2013

O tempo da salvação




Há espíritas amigos meus que, apaixonados pela doutrina, alegam que uma vez espírita, sempre espírita. O espírita de verdade permanecerá assim. Problematizam socraticamente o conceito de verdade. Aquele que conhece o Bem não mais se deixa levar pelo Mal. É uma questão de ignorância e conhecimento, verdadeiro conhecimento. 

Muito embora eu me sinta “para sempre espírita”, tenho de admitir que está tatuado em mim ter nascido neste berço, ter mamado nestas palavras, ter dormido ao som de nosso evangelho, ter trabalhado intensamente na adolescência para as atividades algo recreativas - muito engrandecedoras - do meio espírita que frequentei, frequento, frequentarei. As mais caras amizades, as mais doces experiências, os consolos que mais lavaram a alma estão aqui, ali, acolá, e, por todos os lados, dentro de mim, Espiritismo. 

Não posso julgar quem veio até nós e partiu para outro lugar. Foi o que um dia ouvi de um senhor, à época espírita, que teve sua mulher às portas da morte e não se agradou em nada com a visita de seus correligionários que tentaram lhe consolar falando sobre as belezas do pós-morte. Todavia, ele a queria viva. 

- Mas, tudo é vida! - respondem os espíritas alegres e inscientes das dores que amarravam o peito daquele senhor.
- Viva aqui. Não dentro de mim. Fora, mesmo. Nem lembrança nem vulto. Mas, corpo e presença, para que a possa ter comigo!


Os evangélicos foram mais felizes na abordagem. Aproximaram-se em suas visitas usuais aos pacientes graves de hospital e retomaram o que acreditam ser o exemplo de Jesus que trazia sempre uma salvação para todas as horas. Ela se curou. O senhor se tornou evangélico. 

Como competir com a ressurreição? É simplesmente tudo o que queremos: o nosso ente amado para sempre aqui, não dentro de nós, mas, fora, para que possa ser conosco. Jesus não trazia promessas. Essa função menor era missão dos profetas. O Rabi trazia certezas, portava o “enfim”. 

Mas, poucos são os escolhidos de receber a graça súbita de milagres que restabelecem por completo as forças vitais. Raros os que a alcançam sem uma via crucis. Não conheço um. A grande maioria dos sofridos são seres cronicamente doentes, acorrentados a dores, desesperados não mais por cura, mas por um alívio qualquer. 

Acredito muito no “tempo que é chegado”. Cada coisa tem sua semeadura, ruptura, exposição solar, crescimento, seu desabrochar, frutificar, envelhecer, descascar, enrugar-se, curvar-se ao chão, semear-se para, no terceiro dia, ressurgir, pairar nos ares da vida, cair dos céus no útero da terra-moça, e renascer. Creio que as curas vem em seu tempo. E se um deus decide colocar a mão sobre um doente, o tempo que leva para sua sagrada pele roçar a do moribundo é o da preparação. Nesse intervalo acontece tanta coisa: negação, revolta, barganha, angústia, tristeza, repúdio, esperança, desespero, genuflexão, exaustão, entrega, aceitação. Não vejo porque a desejada cura deva ser a do corpo perecível que hoje é e amanhã (sempre há um amanhã) não será. 

Quando um deus nos toca é feito um raio. Há quem saia vivo, e manchas lindas sinalizam sua passagem pela pele. Há quem não suporta e morre. A essa morte chamo libertação. 

Talvez a lição que os espíritas deveriam ter praticado com aquele senhor é a de não ter uma resposta pronta, mas a de captar a resposta histórica contida em cada dor. Não para que pudéssemos continuar com um adepto, mas para que não tivéssemos perdido a consolação mais certa. Graças a Deus que os evangélicos chegaram a tempo!

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Angústia cristã: entre as obras e a fé




Estou iniciando a experiência de pai. Coisa louca, sorriso grudado na boca por uma coisa pouca que, agora, vale tudo, a quem dei pra chamar de filho. E o amor entre mim e sua mãe cresceu. Estamos juntos mais que nunca para dar suporte ao pequeno. 

Eis que na noite primeira, ainda no hospital, minha esposa, que sempre teve a pressão de baixa a muito baixa, deu para elevá-la associada a visão turva. Quem é médico entende que isso não é bom sinal.

- Meu Deus, pensei, que vida sofrida! Mal tenho uma pequena alegria nas mãos, me vem uma dessas. E agora? Que medicamentos usar para tratar uma crise hipertensiva no puerpério? 

Ligamos para a obstetra e ela me deu orientações. De novo me encontrava na situação de ser responsável - mesmo de forma indireta - pela condução de uma pessoa amada. Carreguei nos braços meu pai infartando; internei, no setor de neurologia em que estagiava, minha tia mais querida com derrame; venho lutando com minha mãe parkinsoniana que responde muito mal às medicações.

Desabafei com um amigo querido a angústia que me assolava, e ele respondeu com um sorriso tranqüilo:

- Tenha fé! A Espiritualidade não nos desampara. 

Isso o que ele me falou é da ordem da fé. É o que os cristãos mais ortodoxos entendem ser o caminho da salvação. 

- Mas a profissão médica é do tipo do ofício que Deus espera que façamos alguma coisa para resolver os problemas

Isso o que falei é da ordem das obras. É o que eu, no que entendo de Espiritismo, acho mais acertado pensar. Evidente que Espíritos bons nos amparam, mas mesmo sobre eles existe uma expectativa de agir salvadoramente sobre o problema dos outros. E assim segue a cadeia de responsabilidades, tanto maiores quanto mais poderes tiver o indivíduo, até o topo dos topos, em que reside Deus, que é a Inteligência e o Amor supremo que age constantemente em prol da nossa salvação, fim de nossas angústias. 

Embora eu tenha escolhido o caminho das obras, a fé não me desgruda. Qual das duas é a mais certa? Acredito que o equilíbrio instável que pende ora para uma, ora para outra no jogo das emoções da vida. 

Depois de dado o remédio que deveria devolver a pressão aos níveis normais, fui estudar as próximas drogas que poderiam ser usadas no puerpério para combater o mal que nos afligia. Não é que a nossa obstetra tenha jogado a batata quente em minhas mãos, sou eu que, desde que meu pai desencarnou, não paro de tentar resolver os meus próprios problemas de saúde e os dos meus. Fora o estudo, esperar. Esperança é o outro nome da fé.

Foi exatamente esperar, ter esperança, ter fé a que se entregou de corpo e alma um médico que conheci há não muito tempo quando sua esposa, acometida de doença grave, se encontrava em um leito de UTI. Ele era adepto de um cristianismo que pretendia ser o mais original possível, isto é, aquele que havia se manifestado nas origens. Um dia fui conhecer seus modos de vida. São humildes, patriarcais, portadores de um sentimento de família excepcional, sequiosos pela divulgação da Boa Nova, não com o intuito de formar uma nova igreja (nem nome se davam), mas de formar uma nova humanidade, enfim obediente a Deus, enfim livre da mácula da soberba de Adão e Eva. Amavam-se muito entre si. Muito embora eu não estivesse lá para ser convertido a nada, senti-me abraçado por um sentimento de bem-aventurança há muito não vivenciado. Para tornar-me adepto desse modo de vida, estritamente guardador das Escrituras no coração, me faltava apenas a convicção em seus dogmas, que, entre outras coisas, repudiavam a reencarnação e a comunicação com os mortos. No mais, que admiração! 

A esposa desse médico era como eu, algo cética, algo admiradora, mas não convicta, pelo menos não naquela “seita”. Tudo mudou com sua doença. Seu esposo ficou zeloso ao lado dela quase que ininterruptamente. Nada podia fazer a não ser esperar, rezar, ter esperança, ter fé. Era uma certeza absoluta que Jesus promoveria a salvação dela. Sua crença era tão inabalável que a sua presença constante ao lado dela era uma forma de testemunhar o milagre que iria acontecer. Ela se recuperou e algo dentro de si cicatrizou. Fechou a ferida que o mundo pós-moderno nos provoca quando nos arranca o espírito e nos joga na correria nula dos dias, na busca frenética de derrotar o adversário e crescer na rinha dos mercados. O amor dela se agigantou quando acordou da sedação e viu aquele que esteve velando a sua cura como ninguém. Aquele que só queria que os dois, juntos, amassem a Cristo - juntos! Ela se converteu. Hoje acredita, definitivamente, no poder deste Deus que tira as pessoas das catacumbas quando o terceiro dia quer descansar. 

A pressão de minha esposa baixou, retornou ao normal, permaneceu baixa o resto da noite e no dia seguinte. O medicamento que foi dado para ela era de uma família tão fraca de anti-hipertensivos que eu acredito ter sido mais uma questão de ela ter conseguido urinar, coisa que estava faltando, pois a anestesia que havia tomado para realizar a cesárea tinha imobilizado os sentidos do umbigo para baixo por um bom tempo. Eis minha explicação racional e materialista para a sua melhora. 

Ainda que exista uma explicação material para a melhora destas esposas de que lhes falei - explicação esta a que a ciência se aferra - não posso deixar de enxergar que a própria matéria e suas mudanças são manifestações divinas em nossas vidas. Quando não temos nada o que fazer a não ser esperar, Deus permanece agindo em sua dança invisível no palco de nossos interstícios. 

O que os cristãos que guardam as Escrituras no coração falam não é que nossas obras são nulas, mas que são incomparáveis às de Deus. Nisso eu sou obrigado a concordar. O que somos, os pequenos, em comparação ao Senhor de tudo? Todos nós nos movemos e nos agitamos em um jogo de ascensão infinita rumo ao Pai. Ele trabalha diuturnamente para nos chamar e nos acolher. Deus não tem fé, não precisa ter. Sua vida é presença. Resta-nos crer em Sua existência e em Sua providência, Sua benignidade e Seu amor. É a que rendo o espírito quando me são inúteis as mãos

Durmo ninando o pequeno que preenche o berço dia desses vazio, e contemplando a mãe dele bem ali, saudável. Amém!

sábado, 21 de setembro de 2013

A vida é a única coisa que vale




Recentemente, desencarnou um ente muito querido da família de minha esposa. O corpo ainda está quente de tanto que os que a amavam se debruçam sobre ele, de tanto que as lágrimas, quentes, molham seu rosto. Em um desespero, uma filha disse:

- Essa vida não vale nada! Pra que tanta luta? Essa vida não vale nada...

Fiquei calado. Não é momento para sermão. O padre se encarregou disso na missa de corpo presente. Mas, por aqui, solto o verbo.

A vida é a única coisa que vale. Não só a vida quando ela se manifesta como vida, particularmente a vida dos nossos mais amados, mas a Vida inteira, até mesmo daqueles que não tem vida, mas são alguma coisa no universo, nem que seja um chão para se desfilar. 

O corpo é muito valioso. Abriga o Espírito na sua jornada planetária e, ao ser desvencilhado, é recomposto ao resto da terra que borbulha de pequenas vidas subterrâneas, anônimas. 

O que seria de nós se não fosse o Sr. Sol, a Sra. Água? Deveríamos prestar reverência a estas duas entidades todos os dias. As Srtas. Estrelas e os vagabundos cometas. O Sr. Verde e o Sr. Azul. As multicores de tudo. O Sr. Negro Sideral que esconde outras galáxias. O Sr. Negro Abismal que encobre outras tantas, ignoradas todas, vidas. 

Eu sei que a dor é grande. Carreguei meu pai nos braços no momento em que seu coração anunciava o silêncio. Chorei o que pude chorar. O que os olhos haviam estocado por anos. Ainda choro alguns restos daquelas lágrimas que - penso - se renovarão quando voltar a vê-lo vivo. Algumas noites já o encontro. Então, me curvo aos Srs. Sonhos e a Sra. Lua que os trazem no colo. Não me canso de olhar as crianças que desabrocham na vizinhança e ouvir um sussurro me perguntando: será ele, de novo? 

A gente, que acredita na imortalidade da alma, chora porque até Jesus chorou na morte de Lázaro. Mas, o que não podemos deixar de fazer é esperar a vida que surge logo depois, ressurrecta, e um pouco mais a frente, recomposta, e mais lá adiante, reencarnante. 

Esses ciclos que nos circundam de vida e morte nos fazem querer dizer que tudo é morte e, portanto, que de nada vale a vida. Mas, se enxergarmos o ciclo na sua outra face:

- Tudo é vida e, portanto, de nada vale a morte!

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Todos somos filhos e filhas de Deus, entendeu?




Aqui finalizo a crítica sobre a teoria do demônio, mostrando o posicionamento espírita. De tão simples parece ser ridículo. Mas, as melhores respostas são as que precisam de menos artifícios para explicar um fenômeno. Aliás, a melhor das respostas é a que faz mais homens de bem. 

Deus é uno, criou o universo e tudo o que o move, todos que nele habitam. Da sua perfeição infinita, nada de imperfeito pode sair. Da sua bondade, nada de mau. Não existe um ente devotado a perverter os homens. A liberdade é a única que provoca desvios do caminho. Cada Espírito, atingido o grau de poder escolher, é responsável pelo seu próprio desvio. 

Somos influenciados por tudo na vida. Mínimas coisas, não necessariamente pessoas, nos estimulam aos mais diversos atos. Então, devemos parar de culpar A ou B pelo o que acontece conosco. Estamos com as rédeas nas mãos. Quanto mais senhores de nós mesmos, mais donos da nossa condução. Quando provamos o contrário, isto é, que a nossa direção é perigosa, ora Espíritos bons nos tomam as rédeas, ora nos deixam cair. 

Essa história de seres devotados ao mal é uma ilusão... deles! Um dia acordarão das trevas em que chafurdam e seguirão o caminho de todos os sábios: o do encontro com Deus. Mas, a vida cósmica é realmente um grande ecossistema. Uns sobre os outros agem e reagem. Pronto, é isso! Ação vai, ação vem. De tal forma que esse sistema vai entrando em equilíbrios múltiplos e progressivos rumo ao Pai. Quando isso vai se dar, Jesus o sabe! Os elementos que não acompanham a carruagem, são descalonados para outros sistemas em estágios inferiores de equilíbrio. A discrepância entre o que se estava acostumado de bom e a brutalidade, haja vista, rigidez e pouca criatividade da nova condição, é uma dura prova, dói, incomoda. Mas, passa. Tudo passa e prossegue rumo ao Autor de todas as coisas. 

Há quem diga que só podemos ser considerados filhos de Deus quando aceitarmos as Suas condições de existência, o que vale dizer, curvarmo-nos diante das Suas leis, melhor dizendo, dançarmos segundo a Sua condução. Até lá somos meras criaturas. Isso é uma visão mesquinha que só tem sentido olhando do lado de quem se humilha, de quem não entende o lado do Amor. A parábola do filho pródigo é pródiga na descrição do Amor do Pai. Desde quando ele considerou aquele que pediu a própria herança e a esbanjou como filho? Desde sempre! Desde o início! Desde mesmo ele nem ter nascido! Quem já teve um filho sabe o que digo. Eu ainda nem o tenho em meus braços e sinto essa verdade.

Pois bem, preenchendo as reticências que deixei na postagem anterior temos que para os filósofos gregos, particularmente os socráticos, vencer o mal é uma questão de superar uma ilusão através do conhecimento das coisas. Para a ortodoxia cristã, é um escolher a Cristo e rejeitar o resto - essa escolha é colocada a prova a cada segundo, pelo tal Demônio, Satanás, etc. Para o espírita, não deixa de ser a busca do conhecimento, mas sempre em meio ao trabalho, nem deixa de ser a busca do Cristo, mas sem esquecer que os maiores desafios que nos afastam do Mestre não estão fora. Definitivamente, não estão.