sábado, 21 de setembro de 2013

A vida é a única coisa que vale




Recentemente, desencarnou um ente muito querido da família de minha esposa. O corpo ainda está quente de tanto que os que a amavam se debruçam sobre ele, de tanto que as lágrimas, quentes, molham seu rosto. Em um desespero, uma filha disse:

- Essa vida não vale nada! Pra que tanta luta? Essa vida não vale nada...

Fiquei calado. Não é momento para sermão. O padre se encarregou disso na missa de corpo presente. Mas, por aqui, solto o verbo.

A vida é a única coisa que vale. Não só a vida quando ela se manifesta como vida, particularmente a vida dos nossos mais amados, mas a Vida inteira, até mesmo daqueles que não tem vida, mas são alguma coisa no universo, nem que seja um chão para se desfilar. 

O corpo é muito valioso. Abriga o Espírito na sua jornada planetária e, ao ser desvencilhado, é recomposto ao resto da terra que borbulha de pequenas vidas subterrâneas, anônimas. 

O que seria de nós se não fosse o Sr. Sol, a Sra. Água? Deveríamos prestar reverência a estas duas entidades todos os dias. As Srtas. Estrelas e os vagabundos cometas. O Sr. Verde e o Sr. Azul. As multicores de tudo. O Sr. Negro Sideral que esconde outras galáxias. O Sr. Negro Abismal que encobre outras tantas, ignoradas todas, vidas. 

Eu sei que a dor é grande. Carreguei meu pai nos braços no momento em que seu coração anunciava o silêncio. Chorei o que pude chorar. O que os olhos haviam estocado por anos. Ainda choro alguns restos daquelas lágrimas que - penso - se renovarão quando voltar a vê-lo vivo. Algumas noites já o encontro. Então, me curvo aos Srs. Sonhos e a Sra. Lua que os trazem no colo. Não me canso de olhar as crianças que desabrocham na vizinhança e ouvir um sussurro me perguntando: será ele, de novo? 

A gente, que acredita na imortalidade da alma, chora porque até Jesus chorou na morte de Lázaro. Mas, o que não podemos deixar de fazer é esperar a vida que surge logo depois, ressurrecta, e um pouco mais a frente, recomposta, e mais lá adiante, reencarnante. 

Esses ciclos que nos circundam de vida e morte nos fazem querer dizer que tudo é morte e, portanto, que de nada vale a vida. Mas, se enxergarmos o ciclo na sua outra face:

- Tudo é vida e, portanto, de nada vale a morte!

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Todos somos filhos e filhas de Deus, entendeu?




Aqui finalizo a crítica sobre a teoria do demônio, mostrando o posicionamento espírita. De tão simples parece ser ridículo. Mas, as melhores respostas são as que precisam de menos artifícios para explicar um fenômeno. Aliás, a melhor das respostas é a que faz mais homens de bem. 

Deus é uno, criou o universo e tudo o que o move, todos que nele habitam. Da sua perfeição infinita, nada de imperfeito pode sair. Da sua bondade, nada de mau. Não existe um ente devotado a perverter os homens. A liberdade é a única que provoca desvios do caminho. Cada Espírito, atingido o grau de poder escolher, é responsável pelo seu próprio desvio. 

Somos influenciados por tudo na vida. Mínimas coisas, não necessariamente pessoas, nos estimulam aos mais diversos atos. Então, devemos parar de culpar A ou B pelo o que acontece conosco. Estamos com as rédeas nas mãos. Quanto mais senhores de nós mesmos, mais donos da nossa condução. Quando provamos o contrário, isto é, que a nossa direção é perigosa, ora Espíritos bons nos tomam as rédeas, ora nos deixam cair. 

Essa história de seres devotados ao mal é uma ilusão... deles! Um dia acordarão das trevas em que chafurdam e seguirão o caminho de todos os sábios: o do encontro com Deus. Mas, a vida cósmica é realmente um grande ecossistema. Uns sobre os outros agem e reagem. Pronto, é isso! Ação vai, ação vem. De tal forma que esse sistema vai entrando em equilíbrios múltiplos e progressivos rumo ao Pai. Quando isso vai se dar, Jesus o sabe! Os elementos que não acompanham a carruagem, são descalonados para outros sistemas em estágios inferiores de equilíbrio. A discrepância entre o que se estava acostumado de bom e a brutalidade, haja vista, rigidez e pouca criatividade da nova condição, é uma dura prova, dói, incomoda. Mas, passa. Tudo passa e prossegue rumo ao Autor de todas as coisas. 

Há quem diga que só podemos ser considerados filhos de Deus quando aceitarmos as Suas condições de existência, o que vale dizer, curvarmo-nos diante das Suas leis, melhor dizendo, dançarmos segundo a Sua condução. Até lá somos meras criaturas. Isso é uma visão mesquinha que só tem sentido olhando do lado de quem se humilha, de quem não entende o lado do Amor. A parábola do filho pródigo é pródiga na descrição do Amor do Pai. Desde quando ele considerou aquele que pediu a própria herança e a esbanjou como filho? Desde sempre! Desde o início! Desde mesmo ele nem ter nascido! Quem já teve um filho sabe o que digo. Eu ainda nem o tenho em meus braços e sinto essa verdade.

Pois bem, preenchendo as reticências que deixei na postagem anterior temos que para os filósofos gregos, particularmente os socráticos, vencer o mal é uma questão de superar uma ilusão através do conhecimento das coisas. Para a ortodoxia cristã, é um escolher a Cristo e rejeitar o resto - essa escolha é colocada a prova a cada segundo, pelo tal Demônio, Satanás, etc. Para o espírita, não deixa de ser a busca do conhecimento, mas sempre em meio ao trabalho, nem deixa de ser a busca do Cristo, mas sem esquecer que os maiores desafios que nos afastam do Mestre não estão fora. Definitivamente, não estão. 

domingo, 15 de setembro de 2013

No início era Deus... e Ele só




Estive ausente da reflexão demonológica por uns tempos, porque outras questões me tomavam o espírito. Relembro que introduzi o assunto esclarecendo, em rápidas linhas, a concepção espírita de céu e inferno. Depois, desvendei de onde parece a teologia cristã herdar a figura de Satanás. Agora, localizo onde está o Condenado na concepção cristã oficial. 

Não está no início de tudo. Pois o início se deu com Deus. Daí, a concepção antropológica de Rousseau, no início de Emílio, ser de uma cristandade sem limites: “Tudo está bem quando sai das mãos do autor das coisas, tudo degenera entre as mãos do homem”. Se ele tivesse dito o motivo da degeneração, fecharia a visão cristã: a liberdade e a influência maligna de quem desafia a ordem de Deus. Lembrem que eu disse que diabolos era tudo aquilo que provocava o afastamento do que é divino. Mas, na teologia cristã, há uma personificação desta força centrífuga: o Satanás, o Demônio, o Sete Peles, o Anjo Decaído...

Ele era um anjo, portanto, como bem percebe Rousseau, um ser bom saído das mãos do Autor das coisas. A liberdade de sentir orgulho o fez despencar da sua altura, manchar a sua alvura. Essa metáfora, digo, este pecado da queda do que, puro, ainda assim quis subir até Deus é conhecida pelos hebreus:

“Como caíste desde o céu, ó estrela da manhã, filha da alva! Como foste cortado por terra, tu que debilitavas as nações! E tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono, e no monte da congregação me assentarei, aos lados do norte. Subirei sobre as alturas das nuvens, e serei semelhante ao Altíssimo. E contudo levado serás ao inferno, ao mais profundo do abismo.” (Isaías 14:12-15)

Dizem outras línguas que a criação de Jesus, também no início dos tempos, como mediador salvífico da humanidade, provocou a inveja neste ser de que vos falo. Como que em um movimento dialético, a criação do mediador da salvação gerou o mediador da perdição. No meio dessa mesa de ping-pong, o homem. O movimento de sua alma corre segundo o fluxo da própria vontade contra ou a favor dos ventos que sopram para os lugares antípodas da salvação. 

Perceba as semelhanças e diferenças com a mitologia grega. Dioniso era um deus lindo, mas devotado ao prazer, a concupsicência. Não foi sua culpa ser assim. Desde sua fecundação, ato de traição, até a sua gestação, perto do sexo plural de seu pai, tudo o impelia ao que ele era. Não houve queda de Dioniso e, mesmo os homens, não cometiam realmente pecado ao estar nas dionisíacas. Eram mais ou menos brinquedos desse deus. Aliás, Dioniso não era devotado a perverter o homem. Ele vivia sua vida libidinosa porque essa era a sua forma de viver. Quem o seguisse que agüentasse os gozos e os desmandos desse deus. Já Lúcifer não foi criado mau, mas caiu! Tudo por causa de uma vontade mau direcionada, uma liberdade pessimamente utilizada. Essa questão da salvação ligada à liberdade traz consigo a genealogia da culpa e do mérito. 

Na cosmologia judaica-cristã, parece haver um certo antropocentrismo. Deus cria o homem... o perde. Gera o meio da salvação... a perdição vem no encalço. Tudo ao redor do homem. Que o destino último seja a reconciliação com o Criador, portanto, um teocentrismo, não impede percebermos que essa história faz gravitar uma constelação de missões sobre-humanas (a de Jesus, a de Satanás) ao redor do mísero ser humano.  Seríamos mesmo tão mais importantes que o resto da criação para merecermos tanta atenção? Ou seríamos apenas mais uma vida de uma Grande Vida?

Algumas dúvidas preenchem o escuro deste espaço, entre as mais adoradas estrelas: (1) Se Deus é acima de todas as coisas e, no início, era apenas Ele, o mal deve ser algo extremamente relativo e, naturalmente, temporário, não? (2) Por que a necessidade de uma intermediação, pro bem ou pro mal? Rousseau, no mesmo Emílio, criticava: “Quantos intermediários entre mim e Deus?!” (3) Tudo partindo de Deus, o Bem supremo, como é possível o mal em qualquer escala na humanidade? Se o mal inexiste, tão pouco existe a missão satânica, e quem a pretende cumprir é um grande iludido. (4) Por que Deus permitiria essa ilusão?

Vencer a ilusão: tema grego. Vencer o arrastamento ao mal: tema cristão. Vencer...: tema espírita. Preencher estas últimas reticências é a que me dedicarei na próxima postagem sobre este assunto.  

domingo, 1 de setembro de 2013

Ressurreição e Reencarnação




Decidi me aproximar deste tema me valendo do significado significativo e significante que a palavra ressurreição tem para o catolicismo (e provavelmente para o movimento de igrejas reformadas, mas tenho mais propriedade naquele). E achei por bem localizá-la na história bíblica de Jesus, mostrando o quanto ela se reveste de um significado todo especial para a doutrina da salvação. 

De forma simplificada, assumindo o risco de ser superficial, mas se afastando da prolixidade, Jesus é, como por assim dizer, um broto de Deus-Pai. Se Este cria tudo no momento em que fala, Jesus é o Verbo e, como o Pai, estava desde o início da criação. Antes, portanto, de Adão. Mas, Adão deu início à raça humana, que se perverteu por desobediência às leis divinas e teceu um novelo de pecados que se acumulavam geração após geração sobre os ombros de seus filhos. Era uma linhagem de maculados essa de Adão e Eva, os expulsos do paraíso.

Jesus nasce espiritualmente fora dessa linhagem, com sua brancura original, mas conectado tradicionalmente (pelo menos segundo a genealogia de Mateus) à família de onde deveria provir o Messias prometido pelos profetas de Israel, que iria libertar o povo do jugo dos dominadores, enfim e para sempre. Espiritualmente continua um estranho, pois imaculada é a concepção de Maria, já que virginal, e fecundada diretamente pelo próprio Deus. Demonstra-se esse fato - o de Jesus ser o unigênito de Deus (só Adão o havia sido antes, mas depois todos os homens descendiam de homens) - os milagres que este moço empreendia, entendidos como quebras da realidade que apenas poderiam ser promovidas pelo Senhor dos senhores. Conclusão óbvia: Jesus era Deus ou partícipe de uma Trindade Unitária em que as diferentes faces de Deus se confundiam. Jesus era o Deus-Filho, com todos os poderes de Deus-Pai, inclusive o de resgatar a humanidade de seus pecados, no caso, com o Seu próprio sacrifício e, pelo Seu sangue derramado, redimir os culpados e gerar uma nova descendência que, por Ele, em Lhe aceitando, tudo estaria renovado. 

A renovação de tudo, isto é, a revivificação dos homens que morrem pela corrupção que lhes é herdada desde Adão pecador é provada pela ressurreição que apenas Jesus viveu. Há quem fale em pessoas importantes na bíblia que não morreram, mas subiram aos céus, ou mesmo Lázaro que foi ressuscitado, mas degringolou na morte normal de qualquer humano. Todavia, ninguém houve que morreu, ressurgiu da morte e se perpetuou vivo - na história hebraica.   

Bem, essa não é a visão espírita. É difícil de encaixar no Espiritismo um Jesus de concepção virginal. Muito embora, Kardec conceba a possibilidade de que Deus possa derrogar suas leis ao seu sabor, torna-se mais clara a ideia de um Deus de Leis perfeitas, portanto, imutáveis. Jesus, portanto, entra na carne pelas vias da encarnação biológica da união dos sexos como todo humano. É possível que ele esteja contido em uma cultura e na linhagem para onde apontavam as profecias, mas o verdadeiro messianato está nas atualizações que ele faz das tradições, possivelmente não para as quebrar de todo, mas para as fazer mais resplandecentes. Os milagres, nada de miraculosos, mas tudo ao seu tempo. Como uma flor que, no tempo certo, desabrocha, ou uma nuvem que, no momento necessário, deixa cair suas águas, as pessoas doentes são conduzidas por Cristo à cura em um caminho que já estava aberto, isto é, já era da Vontade do Pai que daquele jeito fosse, faltava só a sua sábia e amorosa condução. Ao final, nada de ressurreição em carne e Espírito, mas em Espírito e Verdade. E nada de extraordinário, as pessoas "ressurgem" todos os dias, o que é constatado pelas experiências espíritas. 

As rupturas que essas sinalizações espíritas têm com a história do Jesus dos Evangelhos é de uma profundeza abissal, na sua forma e nas suas consequências. Mostra-nos, basicamente, como o espírita deve seguir seu caminho:

  1. Não acreditar que sua história é uma de pecados inamovíveis que o antecede e que não lhes pertence. Jesus não se eximiu de encarnar na humana condição para mostrar como, mesmo sujeito às nossas injunções, poderíamos nos libertar de nossas dores. E, sim!, nossas dores nos pertencem porque fomos nós que as cultivamos em outras eras. Pertence-nos ainda mais sua solução;
  2. Não esperar milagres no sentido de um momento mágico que converta martírio em glória. Tudo se transforma pelo trabalho. E todo trabalho no bem traz boas obras. O momento do término do sofrimento é o momento certo, nem mais, nem menos. Trabalhar, orar e esperar. Bom é guiar-se por Jesus, seus exemplos, suas palavras e suas inspirações, ou as de seus mensageiros, porque, chegado o momento da libertação, frequentemente precisamos de condução no caminho para a luz, já que sua prolongada ausência nos desacostuma os olhos. 
  3. Não acreditar em salvação proveniente de uma pessoa outra que não nós mesmos. Ninguém nos salva de nada. Salvamo-nos a nós mesmos, instruídos e acolhidos aqui e acolá por mestres espirituais. Nem tão pouco acreditar que a tal salvação seja da noite para o dia. As múltiplas reencarnações estão aí para mostrar o quanto o caminho é longo, e necessário é nascermos de novo, e de novo, e de novo, e de novo... até a aquisição autêntica do último aprendizado.

Há quem se esmere em interpretar a bíblia de tal forma que o Jesus dos Evangelhos fique claramente espírita. Não tenho estudo para esse mergulho. Deixo aos hermeneutas espíritas de plantão o aprofundamento no tema. Fico, inicialmente, satisfeito em deformar a interpretação católica, reformando Jesus Cristo e devolvendo um Mestre que, para mim, é mais aceitável. Orgulho de alguém que não quer aceitar a verdade da Escritura? Não, isso é fisiológico. Todos nós mastigamos a realidade com os nossos próprios sucos digestivos e só assimilamos aquilo que podemos, segundo o organismo cognitivo que temos no momento. 

sábado, 10 de agosto de 2013

O Orgulho e a Humildade



Eixos centrais da palestra proferida ao dia 09 de agosto de 2013. 

Para abordar este tema poderia ter me atido à análise dos conceitos ou mesmo à elucubração sobre muitos exemplos que é mais ou menos o que o Espírito Lacordaire decide fazer em O Evangelho Segundo o Espiritismo.

Mas, há pouco tempo estive na casa de uma senhora fazendo o culto do Evangelho no Lar a fim de melhorar o ambiente espiritual que parecia piorar sua doença e me deparei com uma mensagem estranha, porque aparentemente sem conexão com o caso:  “É acertada a beneficência, quando praticada exclusivamente entre pessoas da mesma opinião, da mesma crença, ou do mesmo partido?”. No que o Espírito Lázaro responde: “Não, porquanto precisamente o espírito de seita e de partido é que precisa ser abolido, visto que são irmãos todos os homens.” (ESE 20:13)

Decidi, então, me aproximar deste tema por este litoral: como sair da seita (instaurada pelo orgulho da raça) para a humanidade (enxergada como família pela humildade de expandir minha pertença ou de aumentar meu coração)? Objetivo secundário era fazer entender por que os Espíritos que presidiam aquele Evangelho no Lar intuíram essa passagem no trato das dores daquela senhora.

Kardec analisa em A Gênese que o egoísmo faz parte de um momento evolutivo do ser espiritual. É o fundamento do instinto de sobrevivência. Quando nos domina os instintos, ele impera. Mas, a necessidade de se aglomerar, para otimizar a sobrevivência, provoca furos no egoísmo a fim de permitir a solidarização dos interesses do bando, da horda, do clã, do geno, da cidade, etc. E isso é um primeiro estágio de humildade e um primeiro amor. 

Há humildade sempre quando curvamo-nos diante do outro pelo reconhecimento de nossa necessidade dele. Há amor sempre quando envolvemos, nesse ato, o coração. Geralmente a humildade é uma das faces do amor. Nessa fase inicial, o amor predomina em sua feição erótica, aquela que necessita do outro, que quer o outro para si. São os meus familiares, a minha raça, a minha seita. Não raro é seguido de um amor mais depurado, a filia, a amizade. Que já não mais quer, porque já tem, e se enternece não com a posse, mas com a simples presença. É quando se encontra uma pessoa querida, fazendo um sorriso nascer de súbito. Todavia, ainda aí há seita. Como chegar a ser humanidade?

O orgulho deve ser diminuído ao mínimo ou deve se expandir ao máximo (ter orgulho de ser humano e não de ser judeu ou cristão). A humildade deve lhe reduzir ao mínimo ou lhe elevar ao máximo (se ver o menor dos seres ou ver igual dignidade em tudo o que existe, portanto se ver igual a todos os seres, filhos de Deus). Há dois caminhos para se chegar nesse ponto: o amor que nos arrebata do domínio do eu ou a dor que, humilhando-nos, destrói o eu. Não que temos de perder a identidade para chegar lá, é menos uma questão de anonimato do que de acolhimento. Quando o eu abraça tudo o que existe, vira Eu - sou eu integrado ao Todo, se pensado de forma laica, ou à Deus, que é como acredito. Esse amor que nos expande para além de qualquer limite que havíamos imaginado é o ágape

A forma mais clara de se praticar o ágape, já falamos por aqui, é amar ao inimigo. A forma mais fácil de entender esse amor é vê-lo na relação entre pais e filhos. Amar ao que não é amável ou ao que ainda não nos deu motivos suficientes para ser amado. Amar, inclusive, àquele que poderá dar motivos suficientemente para odiá-lo, mas amar! Em uma palavra, Amar sem motivos. 

Enfim, por que aquela mensagem caiu em nosso Evangelho no Lar? Os Espíritos que nos guiam nas sessões de desobsessão haviam dito que aquela senhora participava de uma obsessão grave. No processo terapêutico desobsessivo, quem deve ser ajudado? Devemos prestar beneficência exclusiva ao obsedado? Não! Setenta vezes sete vezes não! Todos devem partilhar do bem que se pretende espalhar nesse processo. A maioria reza, e não era diferente no caso dela, para que o obsessor seja afastado, desterrado, expulso, só não morto, porque já está. Poucos se entregam a uma prece que acolha o obsessor em seus pedidos de melhora, de libertação, de cura. 

O Espiritismo, levando o amor ao próximo de Cristo para além das fronteiras da carne, convida a enxergar a humanidade para além dos limites da matéria.  

terça-feira, 30 de julho de 2013

Influência dos bons Espíritos




O objetivo da palestra era ultrapassar um pouco a imagem que temos de que influência espiritual é só uma questão de anjinho versus diabinho no ouvido. Há vários caminhos para engrandecer essa reflexão, por exemplo, esclarecendo as influências que nós, Espíritos encarnados, exercemos uns sobre os outros. Todavia, focarei nesse post o caminho de retirar o pessimismo das influências satânicas, alargar o horizonte da vida espiritual com a população invisível que compartilha espaços semelhantes do cotidiano e, por fim, deixar uma mensagem de otimismo sobre a dedicada missão de nossos (de todos nós!) anjos guardiões.  

Comecei, então, tentando destruir a ideia de Satanás na cabeça do público. Como o Espiritismo faz isso? 

Não nos valemos de um arcanjo poderoso para, com uma espada incandescente, matar o anjo decaído. Simplesmente, submetemos o Diabo às leis da natureza e o fazemos reencarnar. Em condições tais que ele não poderá ter poder na vida, devendo elevar seu Espírito com as dores da humana condição terrena e cultivando as virtudes com o suor do rosto. Para conduzir essa educação é mister pai e mãe exemplares que aceitem essa missão com sincero amor ao próprio filho e à Deus. Pronto! Nenhuma violência foi necessária, a não ser a de submeter compulsoriamente um Espírito obstinado no mal ao manto de sangue, ao arcabouço de ossos, às vestes de carne e às lágrimas de um coração que já pode ter piedade. 

A segunda parte é a descrição de um mundo repleto de habitantes para além dos nossos olhos. Seriam eles mais neutros que bons ou maus. Perambulam pelas ruas, assistem aos cinemas e aos teatros, se valem de ônibus para se transportar, porque completamente ignorantes da própria condição de imortalidade e, ainda pior, do sentido de toda essa vida errante. Visitam parentes, amigos, pessoas caras. Dialogam com elas através do pensamento. Rejeitam a ajuda de pessoas estranhas, mas cândidas, que lhes querem resgatar dessa vida alienada. Quase conseguimos enxergar todos os habitantes da Terra nessa situação. De fato, é mais ou menos assim, a morte não nos muda, só nos atrapalha por um instante, depois retomamos uma forma de viver que nos era muito peculiar. A espiritualidade nos faz enxergar o sentido das coisas, o rumo dos passos. Todavia, sem ela, sem direção. Ficamos a mercê dos atos ordinários de cada dia. 

Na terceira, tentei evidenciar nossa condição de “interexistentes”, como frisava o prof. Herculano Pires. Somos como que navegantes em um barco a deriva, ora fixando no leme e na rota do barco, ora em todo o oceano e sua beleza, no horizonte e sua imensidão, nos pássaros e sua liberdade. O barco e o leme são o corpo, a rota, essa vida, as outras coisas são tudo o mais que transcende isso aqui. Por menos médiuns que sejamos, somo mais médiuns do que imaginamos. Os momentos de ausência e fuga são a percepção da presença de tudo o que escapa aos nossos costumeiros sentidos e o mergulho em todo esse universo que nos embala para além da matéria. Não podemos nos esquecer que a carne é porosa, e isso diz tudo sobre a mediunidade de todos nós.

Temos, até agora, um mundo sem anjos perpetuamente devotados ao mal, com milhares de Espíritos nem bons nem maus ao nosso redor e um corpo esponjoso que está receptível às mais variadas influências. É nesse cenário que introduzo a teoria dos Anjos Guardiões a que Kardec dedica trinta e três itens de O Livro dos Espíritos:

“É uma doutrina, esta, dos anjos guardiães, que, pelo seu encanto e doçura, deverá converter os mais incrédulos. Não vos parece grandemente consoladora a ideia de terdes sempre junto de vós seres que vos são superiores, prontos sempre a vos aconselhar e amparar, a vos ajudar na ascensão da abrupta montanha do bem; mais sinceros e dedicados amigos do que todos os que mais intimamente se vos liguem na Terra? Eles se acham ao vosso lado por ordem de Deus. Foi Deus quem aí os colocou e, aí permanecendo por amor de Deus, desempenham bela, porém penosa missão. Sim, onde quer que estejais, estarão convosco. Nem nos cárceres, nem nos hospitais, nem nos lugares de devassidão, nem na solidão, estais separados desses amigos a quem não podeis ver, mas cujo brando influxo vossa alma sente, ao mesmo tempo que lhes ouve os ponderados conselhos.” (L.E. 495)

Há, depois, uma pergunta intrigante sobre a necessidade de se ter sempre um protetor. O Espírito responde que, quando a pessoa atinge certo nível de maturidade espiritual, a tal ponto de poder “guiar-se a si mesmo”, o “momento chega em que não mais precisa de mestre”. Acrescenta, contudo, que isso não se dá na Terra. Mas, já presenciamos um Espírito nesse estágio...

Era Jesus. Diz-nos Emmanuel que os planetas por onde esse Espírito cresceu, seus sóis já se esfacelaram no espaço. Não mais sendo possível o seu tropeço, segue senhor de si, o que significa completamente em harmonia com a Vontade do Senhor das Estrelas. Veja, portanto, que não é possível deixar de receber influência de alguém. O almejado é que essa influência seja a todo tempo ainda mais nobre, a tal ponto de chegarmos a entender Deus. Poder-se-ia dizer que se a vontade do filho é igual a Vontade do Pai, não há mais influência, senão trabalho em conjunto. Que seja! Os jogos de palavras importam menos que a beleza desse fim. 

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Desigualdades e Conflitos sociais




Com este texto inauguro uma sessão que deixará arquivados os eixos condutores de minhas palestras que aqui e acolá ouso proferir em alguns centros espíritas desta cidade.

O desafio era atualizar o público quanto ao que estava acontecendo no Brasil, numa visão espírita, óbvio. Então, me sopraram aos ouvidos a metáfora da Torre de Babel. Veja bem que considero uma metáfora e não uma realidade tal qual “A Palavra” diz.  E ela diz assim: 

“E era toda a terra de uma mesma língua e de uma mesma fala. (...) Eia, façamos tijolos e queimemo-los bem. E foi-lhes o tijolo por pedra, e o betume por cal. E disseram: Eia, edifiquemos nós uma cidade e uma torre cujo cume toque nos céus, e façamo-nos um nome, para que não sejamos espalhados pela face de toda a terra. Então, desceu o SENHOR para ver a cidade e a torre que os filhos dos homens edificavam; e o SENHOR disse: Eis que o povo é um, e todos têm a mesma língua; e isto é o que começam a fazer; e agora, não haverá restrição para tudo o que eles intentarem fazer. Eia, desçamos e confundamos ali a sua língua, para que não entenda um a língua do outro. Assim, o SENHOR os espalhou dali sobre a face de toda a terra; e cessaram de edificar a cidade.” (Gênese 11: 1-8)

Um povo que fala uma só língua. Parece ser esse povo o que descende de uma linhagem específica dos homens, a adâmica. Essa história é uma sequência que se desenrola imediatamente após a descrição de uma árvore genealógica, cujo tronco é Noé, o que sobreviveu ao dilúvio. O Espiritismo defende que a “raça adâmica” é apenas mais uma das muitas culturas que havia na Terra. A Bíblia conta a história dela, de sua miscegenação, disseminação e busca pela salvação. 

Um nome para que não sejamos espalhados pela face de toda a terra.  É a língua uma das ferramentas que nos faz reconhecer os irmãos. Se identificados sob o mesmo nome, ainda melhor. Para os hebreus, a palavra tem ainda mais significado. E, verdadeiramente, parece que na história da humanidade houve uma melhor agregação dos indivíduos após o desenvolvimento da linguagem. 

Uma torre cujo cume toque nos céus. Todo um povo unido para construir uma torre que os eleve até o céu nos faz lembrar muito o projeto humano rumo à trascendência, seja sob que aspecto ela se apresentar, isto é, Deus, céus, Reino dos Céus, perfeição. Pensar uma história que cresça rumo ao melhor, lutar por uma história que parteje um mundo mais justo, menos desigual, é trabalhar em uma torre que finde no céu. 

Até aí, tudo bem. Não há nada de mau ser um povo unificado por uma língua que se dedique a alcançar o céu através da construção coletiva de uma torre. Por que o SENHOR decidiu acabar com essa festa? Porque não haveria restrição para tudo o que eles intentarem fazer. Aqui coincide com a mitologia grega dos homens de ferro que receberam do titã Prometeu o fogo olímpico para, por exemplo, "queimar os tijolos", mas que poderia incendiar toda a Terra. Os homens com todo o poder e sem normas que os limitassem (“não haverá restrição”) tinham nas mãos a possibilidade da desordem. Zeus, em sua mitologia, espalha males e a esperança, para que os homens fiquem insaciáveis em busca da reconciliação com o cosmos. Iavé, espalha os homens, pra quê?

Em analogia com a mitologia grega, o espalhar dos homens pode ter um significado salvífico ou de sabedoria, qual seja, retomar mais adiante a construção da torre, após ter se reconciliado com os homens de toda a Terra. Ou melhor, essa é a única torre que nos levará aos céus:  aquela construída sobre a reconciliação dos irmãos. Pelo menos no Espiritismo, a reconciliação com os homens - o amor ao próximo - nos faz assumir a identidade de filhos de Deus, voltando a falar a língua única que nos torna um com o Pai. O céu é uma aquisição consciencial, a torre é a nossa história. 


  • Esclarecimentos para além da Bíblia


A história acima nos serve para encontrar um sentido muito especial para os conflitos humanos, mas sua gênese fica a desejar, pelo menos para mim que não sou especialista em texto hebraico. Cabe deixar claro o que para o Espiritismo é válido.

Os conflitos, em certa medida, vêm das desigualdades, que, por sua vez, originam-se da liberdade dos homens em querer ser maior do que os outros. 

No início, pode parecer uma luta egoísta de dominação e competição, e de fato o é. Mas, o tempo mostra que a solidariedade é mais útil que a luta entre irmãos. E tanto mais útil quanto mais universal. 

Os conflitos sempre aparecem nas grandes transições de consciência. É como a ruptura de um corpo de ideias que já não servem mais ao crescimento do Espírito. 

Embora seja duvidoso que conseguiremos retomar alguma igualdade essencial, o prêmio ao final da jornada será o mesmo para todos os vitoriosos: a felicidade eterna ao lado do Pai. Com um detalhe, o Pai quer que todos sejam vitoriosos, e trabalha constantemente para que assim seja. E será!