terça-feira, 21 de julho de 2015

Astúcia cristã



Das contra-argumentações mais capciosas que os cristãos costumam dar ao serem questionados sobre os sinais da existência de Deus no cotidiano há esta: "seja o sinal de Deus que você quer no mundo." Fiz uma paródia da fala de Gandhi, mas é essa a essência que nós pregamos. 

Por que capciosa? Porque, se levarmos a lógica ao pé da letra, esse argumento fala mais contra do que a favor da existência de Deus. Se precisamos ser o sinal de Deus, é que Ele não existe, mas é gerado por nós. É como o argumento dos sofistas contra a ânsia do conhecimento da verdade pelos filósofos platônicos:

- É impossível chegar à verdade, pois para isso necessitaríamos de critérios para distinguir o certo do errado. Ora, esses critérios já fazem parte da verdade, portanto, se você os tem, não precisa buscar a verdade, se não os tem, nunca os terá.

De forma análoga:

- Se precisamos ser o sinal de Deus no mundo, é que ou Ele não existe, mas apenas nós, ou Ele existe em nós, isto é, somos nós. 

A resposta de Platão para os sofistas era que de fato nós possuíamos a verdade, mas é que ela estava adormecida na consciência. Um dia a contemplamos, antes de submergirmos no corpo de carne, mas a esquecemos. É a teoria da queda. 

No espiritismo, embora tenhamos vasta afinidade por Platão, não há uma teoria da queda em nossos princípios. Os Espíritos superiores nos revelam que o espírito nasce simples e ignorante e vai percorrendo o caminho de iluminação gradativamente pelas encarnações sucessivas, aprendendo lições a cada passo dessa peregrinação. Contudo, ao nos criar, Deus semeou Seu dom em nós, que nos permitiria reconhecê-Lo e seguir Sua vontade. Esse processo não é de uma rememoração de uma realidade dada, mas a de conscientização de lições que vão se desabrochando em nós na medida que vamos provocando seu/nosso amadurecimento. Vamos da semente ao fruto. 

A metáfora da árvore é muito elucidativa: não basta crescer e espalhar ramos, é necessário proteger os passarinhos, ser casa para os roedores, fazer sombra para os viajantes, alimentar os famintos com frutos bons e suculentos. É nisso que somos a imagem e semelhança de Deus, bem como vamos sendo um sinal Dele na vida. 

A astúcia desse argumento é que ele não pretende parar na constatação lógica de uma realidade, mas induzir a quem o ouve a construir uma realidade quem tem Deus como meta. É quase um paradoxo, que cheira a falácia: quer saber da existência de Deus, construa-a no mundo. Parece aqueles provérbios orientais, e de fato nosso cristianismo é de lá. Não se pretende um convencimento, com essa frase, mas uma conversão. Não tem um fim último no raciocínio, mas na prática. E, de outro modo, tentar encontrar essa resposta faz um bem danado para o mundo.  

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