quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Respondendo natalinas perguntas ou Sobre a árvore, os presentes e o materialismo



O jovem: 

"E o que vocês tem a dizer sobre árvore, presentes, materialismo... e sei lá.  Acho que tem tanto sobre natal que extrapola o nascimento de Jesus.  Mas, talvez ficasse extenso demais, mesmo. (...) E o pensamento racional ao qual tu se propõe também deveria considerar que provavelmente Jesus nem nasceu no dia 25 de dezembro. (...) O que me chamou atenção, no final, é que tu se refere a Jesus como Deus, no fim do texto. Pera, deixa eu ver aqui se acho o quote: "o parto dessa Divina Criatura que ESCOLHEU nascer em condições tão deprimentes entre nós para mostrar, a partir de baixo, como o humano pode se elevar às mais cristalinas alturas."

  •  Sobre árvore, presentes e materialismo: 
Depende do espírita. Tem deles que vai dizer: "Materialismo abominável! Nos faz esquecer que o que importa é o aniversário das lições de Jesus que nos libertava das ilusões deste mundo." Eu digo: "É lindo!"

A árvore nos devolve a um culto ao redor de seres vivos com potencial para viver bem mais que a gente e testemunhar gerações. Ainda me lembro* que papai costumava enfeitar de lâmpadas coloridas a laranjeira que nasceu em nossa casa do sertão, aguada pela sujeira que escorria de nossos corpos - meu, de minha irmã e do meu primo -  pelados ao pé do tanque. Então, a árvore, para mim, tem gosto de lembrança do papai e da mão da mamãe ensaboando meu corpo. 

Os presentes. Minha esposa sai em busca de gastar o décimo terceiro nosso com cada pessoa próxima a quem ela quer muito bem, e mesmo para os distantes a quem ela deve respeito. Às vezes a gente nem recebe de volta nada. Então, uma grande lição me proporciona: amar sem esperar de volta.

E o materialismo. O que seria de nós se não fosse a matéria? Penso em beijos, cheiros e abraços quando falo nisso. 

Da data de nascimento de Jesus. Sério?! Que me importa se algum imperador do passado baixou um decreto criando essa data? Que Jesus tenha nascido dois meses antes ou dois meses depois só vale para os astrólogos que ficam tentando saber de que signo seria o menino. De novo: me é querida a data em que, lembrando o "amai-vos uns aos outros como eu vos amei", tentamos, no maior consenso da civilização ocidental possível, nos aproximar do aniversariante por esses caminhos: árvore, presentes e matéria

Sobre o fato de Jesus ter escolhido o próprio nascimento. Só um deus escolhe nascer, não é? Humanos são nascidos, confere? É que acreditamos que Jesus, embora não sendo Deus, era deus suficiente para já não estar submetido a obrigações de ciclos de renascimento. Nascer entre nós, os necessitados disso, foi uma escolha de retorno para nos mostrar o caminho que conduz a libertação dessa necessidade, bastas vezes dolorosa. Ou talvez, ensinar que esses ciclos não precisam ser dolorosos. E o quanto de dor ele sofreu para nos ensinar isso, não é? Mas, isso, querido, é um artigo de fé espírita. Foge um pouco da filosofia. Sim, também temos artigos de fé. Podemos viver sem ter? 

Mas, tipo, lembrar que possuímos escolha de amar ou não as pessoas, aceitar que, semelhante ao Cristo, apesar das contingências, SOMOS ESCOLHA, me faz sentir livre para ser um pouco mais do que sou a favor daquele que não é como eu. Esse movimento, de sair da certeza de si para o mistério do outro, é uma das definições de caridade. 

* Não dá para responder sobre essas datas comemorativas sem ser algo completamente pintado com as próprias vivências.



sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

O Natal para o espírita



Em um ano desses, um grupo de estudante de medicina que empreendia uma atividade de promoção à saúde de idosos assistidos por um centro espírita decidiu realizar o natal deles. Um dos integrantes ponderou:

- Mas, tem que tomar cuidado sobre falar em Jesus, afinal, são espíritas, não é?

A ideia do garoto, imagino, é que somos completamente indiferentes à Jesus, até mesmo hostis. Dedução feita, talvez, do fato de o não considerarmos Deus encarnado. 

Passava ao largo do conhecimento do graduando o quanto Jesus era a base da moral espírita, que a prática de suas palavras nos são o maior caminho de salvação possível. Não que as utilizemos para rebaixar outras doutrinas, mas que - é nossa crença - servindo às suas máximas ao máximo, poderíamos entrar, com maior certeza, no reino interior de nossa serenidade de espírito. A forma mais sublime de amor, o conceito mais elevado de Deus, o futuro médico não pensava que os tínhamos tomado totalmente de Cristo. Ignorava completamente o que Kardec enfrentou ao ter filiado a doutrina espírita à cristã: o anátema da igreja, o escárnio dos cientistas. 

Não o considerar Deus, mas um modelo a seguir, o maior modelo, deve levar o espírita, neste dia, a agradecer ao Criador o parto dessa Divina Criatura que escolheu nascer em condições tão deprimentes entre nós para mostrar, a partir de baixo, como o humano pode se elevar às mais cristalinas alturas. 

P.S.: Um leitor desse blog me fez perguntas sobre o natal para o espírita. Confira as respostas aqui.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Orar sem culpa



Constantemente me pego falando com Deus reforçando minha pequenez. Antes fosse só pequenez. Falo dos meus crimes. E olhe que nem sou o fora da lei mais procurado que existe por aí. É porque os crentes tem essa tendência de se humilhar diante do Absoluto. É o que nos conduz a humildade e, de certa forma, nos permite enxergar um pouco fora de nós, já que a exaltação do ego nos coloca como ídolo. 

Poderíamos dizer que os espíritas tem uma maior tendência de enveredar por esse tipo de confissão dos pecados em oração, uma vez que não temos por ritual a confissão de nossas faltas para qualquer sacerdote e que estas se multiplicam sobre nossos ombros com a adoção da crença em vidas passadas. 

Em verdade, a vontade de confissão e de perdão pelo que fazemos é do estado de espírito daqueles que crêem em algo maior. Se tudo o que nos circunda é quase nada em relação ao infinito, a pequenez de nossa vida nos leva a pensar que equivale a mesquinharia e a vileza quase qualquer coisa que fazemos. 

Esse post é para convidar para um outro tipo de comunicação com Deus: o da comunhão. 

Não é de nossa pequenez que nasce a culpa, mas de nossa tristeza. O mesmo sentimento de humildade diante do mais-alto-que-nós pode nos conduzir a alegria. Eis uma outra conversa possível:

- Senhor, que sol maravilhoso esta manhã, espantou meu frio. E que brisa leve, afagou meus cabelos. Os alimentos que me sustentam, que gosto, que gozo poder comê-los! As águas desse rio, o corpo deslizando nessa fluidez. Serpenteia, ó corpo! As pessoas ao redor, há semelhantes por todo o lugar. E as árvores, e o ar, e a terra. Que cores, que sopro, que bom poder andar! O sorriso do menino, o samba da moça, o batuque das gentes. Ó planeta Terra, que a vida nos seja leve nesse teu infindo girar! 

Eu sei. Essa prece é demais minha para qualquer um poder recitar. Privilégios se somam em cada linha que não são compartilhados por muitas pessoas. O convite, contudo, não é para que eu seja invejado, mas para perceber que a alegria está na gratidão por cada coisa que positivamente se nos avizinha. 

Não é a posse da verdade que difere o pessimista do otimista, mas o viés de percepção. 

domingo, 7 de dezembro de 2014

Nossa homenagem ao Sr. Bolaños (Chaves, Chapolin, Dr. Chapatin, Soldado Chispirito, etc.)



Vejo mães dizendo que Chaves não era um desenho para crianças, pois as deseducavam. Mas, porque aquelas crianças se tornaram tão queridas para gente?

Elas brigavam umas contra as outras, os mais ricos esnobando os mais pobres, os donos dos meios de produção humilhando os inquilinos, os mais velhos sendo insultados pelos pequenos, a falta de polidez, a violência entre os vizinhos, a malandragem, a mentira, a sinceridade que agride. Todos estes recursos que reconhecemos tão nossos que rimos de nossa própria humanidade espelhada nos personagens de Bolaños.

Todavia, quando estávamos no ápice dessa identidade ao ponto de reforçá-la em nosso dia-a-dia, vinha aquela vila nos falar sobre a juventude do coração, a reconciliação dos díspares, o nivelamento das classes, a grandeza da amizade, a beleza do amor, a divindade de acolher um menino de rua como protagonista de nossas melhores lembranças, sem nem sabermos direito sua história ou a glória de seu sobrenome, mas pela ingenuidade e leveza com que vivia sua vida de barril.

E quem já não se sentiu tão herói quanto o anti-herói Chapolin? As pessoas em suas aventuras se salvam menos pelas habilidades deste do que pelo acaso delas. Ele é quase um fator confundidor que, por desnortear o mal, acaba o desmantelando.

Isso é uma lição para todos que quiserem "educar o ser humano". Não adianta tanto nos contar histórias de grandes heróis e deuses. Não o somos. Poderemos até nutrir admiração por eles, mas porque os imitar? Não são da nossa leva. Se quiserem fazer vibrar nosso íntimo ao ponto de nos guiar para transformações verdadeiras, tem que começar a partir do que verdadeiramente estamos, hoje. Para, então, mostrar como poderemos ser a partir dessa massa confusa de que somos feito.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Diálogo de crepúsculo

Os ateus andam se apossando de meu espírito. O desprezo pelos rituais, o incômodo com falas igrejeiras. Não quero ler o evangelho semanalmente, pensando receber bençãos. Me cheira a magia. Convidei minha esposa a falarmos do dia todos os dias, com respeito - a escuta. Por que esse diálogo amoroso de crepúsculo seria menos divino? Penso em ser mais amigo de meus amigos. Por que essa doação seria menos nobre que qualquer esmola? Os ateus, posseiros de meu espírito! E o coração sofre com essa invasão. Mas, a crença em Deus está a salvo!

sábado, 22 de novembro de 2014

Precisamos aprender a nos odiar melhor



Se alguém vem a mim, e não odeia o próprio pai, a mãe, a mulher, os filhos, os irmãos, as irmãs, e ainda a sua própria alma, não pode ser meu discípulo. (Lc 14:26)
Fala pesada. Talvez tenha servido para justificar a vida monástica e as práticas de auto-flagelação que pretendiam uma ascese espiritual com isso. Hoje, vejo que podemos encará-la de uma forma completamente diferente. Kardec já nos dizia que "odiar" para a língua hebraica era "amar menos". Então, seria "amar menos ao próprio pai & cia" do que a Jesus. 

Nestas sociedades pós-modernas em que vivemos, nos incitam todo instante a ser o que somos, nus e crus. Muitas vezes, os canalhas se valem disso para perpetuar sua desonestidade. Não podemos levar essa sinceridade até as últimas conseqüências, mas há um lado bom disso. Temos de convir que não dá para amar todas as pessoas da noite para o dia. Há quem nos pareça intragável. 

Ser discípulo de Jesus é aprender a amar. Mas, não podemos negar que somos seres sujeitos ao ódio, sob pena de sermos discípulos pela metade. Se negamos o que somos hoje, o que teremos para oferecer a fim de ser trabalhado? Então, se temos motivos para odiar alguém, o que proponho é que aprendamos a odiar. Primeiro, que se atirarmos na face dessa pessoa nosso ódio, será um inimigo a mais que teremos na vida e isso é contra-producente. Por outro lado, esconder é se envenenar. Temos que conviver, e ainda que haja choques, ultrapassar as barreiras. As brigas são salutares. Saneiam relações. Precisamos controlar os ventos para não termos temporadas longas de tempestades.

Com o tempo, quem sabe, poderemos ter mais um parceiro na vida ou uma batidinha nas costas dada pelo próprio Deus. "Muito bem, filho!". Para quem não gosta muito dessa visão de recompensa, como eu, deve se contentar em ter diminuído o rancor da própria alma e ter conseguido aumentar a quantidade de alegria no mundo.

Sobre odiar "a sua própria alma", proponho que façamos as mesmas coisas que sugeri para com os inimigos, mas com os inimigos dentro de nós. Sem guerra, mas tentando conviver. Se surgir aqueles pensamentos e impulsos que nos fazem perder amigos, respire, tenha calma, converse com essa sua selvageria e bola pra frente, juntos. Lembre-se que não se pode matá-la sem que saiamos extremamente feridos, também. Controle sua relação com esse lado negro. A reconciliação sem derrotados é a maior vitória que poderíamos oferecer para a glória de nosso espírito.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

As lições espirituais de MEN IN BLACK


Ao final de cada filme da trilogia Men in Black, o autor nos convida a uma reflexão sobre nossa pequenez. Mais precisamente, ele nos propõe uma conscientização. 

No primeiro filme, nos lembra que, em verdade, fomos as espécies que dominaram a Terra, e a Terra apenas, porque em outros planetas, portadores de outras condições históricas, quem se tornou a espécie hegemônica, por exemplo, foram as baratas. Sem contar da principal revelação do filme que é a existência de extra-terrestres camuflados entre nós, induzindo, portanto, uma extremamente sofisticada "exopolítica". 

O final: cada galáxia não passaria de bolas de gude nas mãos de um grande deus brincalhão. Nem mesmo temos a dádiva de termos as feições de deus gravitando ao redor da nossa própria semelhança. 



No segundo filme, nossa galáxia não apenas está em uma bola de gude nas mãos de um grande deus, como nós mesmos temos galáxias infinitamente pequenas entre nós. Mundos inteiros dentro de armários,  e o nosso mundo, ele mesmo apenas um dos muitos engavetados em um conjunto de armários vizinhos. 



No terceiro filme, nos deparamos com um ser que tem sua consciência acessando a quarta dimensão, podendo perceber dimensões do tempo que nos escapam, antevendo infinitas possibilidades de acontecimentos a um só tempo, cuja determinação variam conforme nossas atitudes.

Seu final, contudo, é de uma sensibilidade sem precedentes. Depois de os protagonistas terem revirado o mundo e até mesmo atravessado a linha do tempo para salvar o dia, o nosso habitante da quarta dimensão nos mostra que o ato ultra-heróico de salvar o dia, com todas as peripécias associadas, tem o mesmo peso de manter a paz que o hábito de deixar a gorjeta na pequena lanchonete da esquina. Esse simples ato pode provocar uma revolução sistêmica da mesma magnitude de qualquer malabarismo de super-homem. 




As lições que Men in Black nos deixa são simples e grandiosas:

1. Nada é tão grande que não caiba nas menores coisas;
2. A sua grandeza é um ponto de vista singular no universo - um ponto de vista;
3. Cada agente do universo, por mais mínimo que seja, agindo no universo conforme sua própria vida pede, é responsável por cada máxima felicidade que se instala ou se perpetua. 

São as mesmas dicas que o Espiritismo teria para dar à você, chegando até elas por caminhos diferentes, mas nem tanto!

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Memórias de Vidas Passadas: esquecimento?



Um JOVEM me interpela da seguinte forma sobre o ESQUECIMENTO DE VIDAS PASSADAS:


"Macho, o conhecimento dos espíritos é uma coisa muito bugada, pqp! Pq dá reset toda vez que nasce de novo e mesmo assim acumula."

No que respondo:

Você tem que abandonar essa concepção de aquisição de conhecimento que lhe inculcaram na primeira séria do fundamental. Só é válido o conhecimento para passar nas provas se for o decorado tal e qual o livro?

Conhecimento é muito mais amplo que isso. Quando renascemos, o que fica é o essencial. Não há um esquecimento total. Estamos imersos em uma rede de lembranças que muitas vezes nos impulsiona sem atentarmos exatamente o porquê. Ao sentir o carinho gratuito por uma pessoa, não é gratuito. A repulsa imotivada por outra que você mal conhece, não é sem motivos. Até mesmo a forma singular com que as crianças se portam desde o berço, não é idiossincrasia pura e simples. Já existe todo um caminho prévio percorrido que nos fez (leia-se: nos fazemos) como somos hoje. 

Agora, quer lembrar de data, hora e local? Pode até ser, a isso damos o nome de déjavu. Quer ter lembranças específicas de cenas? São os lapsos. Quer descortinar toda uma vivência anterior? Estes são os caminhos percorridos pelas Terapias de Vidas Passadas

A briga é grande. Cada ramo da ciência, hoje, toma para si a interpretação que lhe agrada dessas palavras que acabei de citar. Mas, a interpretação espírita, se quisermos ser honestos com essa cosmovisão, não prega que ficamos completamente zerados. Obnubilados seria uma melhor palavra. 

Por falar nisso, tenho quase certeza que não nos encontramos por acaso nesta encarnação, e o fato de eu estar conversando com você, fazendo questão de responder à essa pergunta em plena duas horas da madrugada, não tem nada a ver com caridade, mas com continuidade de um diálogo muito antigo. 

Vai dormir, agora! 

terça-feira, 11 de novembro de 2014

O que é Salvação?



Jesus está bem aqui ao meu lado. Está crucificado, tanto quanto eu. Meu Deus, eu roubei, mas esse justo, o que ele fez? Roubou coração de mulheres, homens e crianças, não foi? Foi. Ainda lembro quando ele passou pelo meu povoado e cochos andaram para o seguir, cegos viram como ele flutuava, surdos ouviram os seus passos. Me crucificaram, sou ladrão. Te crucificaram, mas és rei:

- Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu reino.
- Em verdade...


***

Não sei o que há comigo. Estas palavras me penetram feito encanto. A culpa se dissolve. O arrependimento de qualquer mal não mais pesa, liberta. O sangue que escorre dos buracos que pregaram em mim esfria. O corpo gela. Não o consigo mais sustentar. Não estou mais na cruz. Onde estou? Que lugar é esse? Uma longa estrada se delineia a frente. Meu Deus! Não estou morto, ando! Minhas feridas saram. Outra força move as entranhas. Nunca vi a Torá tão reluzente em meu peito. Os versos de amor me acolhem, me impulsionam. Enxergo irmãos em tudo quando antes era solidão. O que acontecerá comigo a partir de agora? Que sei eu? Me sinto bem...

A verdadeira fé é uma questão de desespero



Contra-censo total o que falei nesse título. Mas, espero que o leitor me entenda. 

Sempre nos falaram que a fé é um ato de espera, esperar, esperançar. O desespero é o oposto disso. É querer agora o que há para querer, imediatamente, pois não se aceita esperar. Porém, a bem da verdade, venho achando desde há muito este tipo de fé uma insolência para com Deus. 

O que podemos esperar de Deus? Muitos ostentam adesivos nos carros dizendo que aquela propriedade foi Ele (o Todo Poderoso) quem deu. E se o carro for roubado? Ora, foi Deus que permitiu, portanto, vale dizer: "Foi Deus que me tirou!". 

Isso vale para todo o resto. Se estamos doentes, não cansam os Espíritos de nos dizer que a doença chega como uma professora. Se vem a cura, é conquista e graça. Se morre uma pessoa amada, é porque estava na hora. Se sobrevive, é porque não era o tempo. Se nasce alguém, é uma concessão divina. Se, logo depois de nascer, ela morre, foi uma necessidade do Espírito e uma provação para os pais. 

Não podemos prever a vontade de Deus! Portanto, não deveríamos esperar nada. 

Viver desesperadamente seria aceitar a realidade como ela se nos apresenta: em sua radicalidade. 

Isso não deve nos impedir de tentar agir segundo a vontade de Deus - causaria menos sofrimento. Não é o que espero de Deus, mas o que Ele espera de mim. Por outro lado, dizem-nos os Espíritos que não devemos nos abster de pedir o que esperamos que aconteça. Pedir pela cura do filho doente, por exemplo. Mas, ainda assim, deve-se pedir, antes de tudo, que nossa vontade coincida com os desígnios superiores. 

Esta fala do Cristo ilustra bem esse conflito profundo:
"Meu Pai, se é possível, passe de mim este cálice; todavia, não seja como eu quero, mas como tu queres." (Mt 26:39)
Em pleno desespero, uma esperança e a fidelidade. 

E, nesse mundo em que estamos, eu diria que o que mais nos define é essa tensão entre querer intensamente algo que talvez não seja o que nos espera de fato. 

domingo, 9 de novembro de 2014

Acabei de participar de uma cirurgia espiritual



O joelho doía há mais de um ano e fui procurar ajuda que não a do tensor, quando me veio uma dor excruciante ao descer uma rampa. A ressonância me apresentou uma fissura de patela. 

Esse post não quer falar se fui ou não curado à cirurgia espiritual, mas das belezas que vi por lá com olhos não-mediúnicos. 

Um terço dos presentes estava ali para se submeter às luzes terapêuticas prescritas pelos médicos do além a fim de consolidar o ato cirúrgico. Profissionais da técnica Reiki dedicavam seu sábado pela manhã para harmonizar o corpo das pessoas em ato de graça. A maioria vinha com suas dores para se valer dos Espíritos que, através de médiuns, tocavam as pessoas em suas inflamações, aqueciam as feridas com as mãos impostas, acolhiam as morbidades para quem a medicina oficial foi negligente ou assustadora. 

Não há cortes. Há uma fé em que a proximidade cura, o cuidado, a dedicação, a devoção. A "médica" não falou nada sobre a fisiopatologia da patela. Apenas:

- Você deve estar muito limitado, não é? - olho no olho. 

Atrás do povo que esperava pela cirurgia, voluntários preparavam o sopão para os menores e os moradores de rua. Crianças se agitavam alegres ao redor. E um pequeno Marcos saiu brincando de dar bom dia para todos os expectantes, chacoalhando as mãos. 

Há o setor das águas. Acreditam todos que elas são imantizadas por propriedades terapêuticas que, quando bebidas, se misturam ao seu corpo doente para restaurá-lo. E há o setor dos fitoterápicos, as preparações de cura de várias gerações que nos antecederam são aceitas em sua verdade. 

Dentro do salão onde aconteciam as intervenções, baixinhas, músicas evangélicas e de padres brasileiros nos convidavam a lembrar da força de Deus. Alguns espíritas abastados talvez sentissem falta de suas músicas clássicas. Eu não. Há músicas evangélicas que marejam meus olhos e as dos padres que acalmam as dores de minha mãe. Elas me evocam a simplicidade e a intensidade de uma religiosidade brasileira. Simples, tudo. Intenso. 

Ao final, nos entregavam um receituário em que estava escrito para não abandonar os tratamentos da medicina material. Das duas uma: A) Ou se deve ter muito receio que nada disso dê certo; B) Ou se deve ter muita confiança no poder de tudo o que lhes falei, defesas que estão essas práticas de qualquer perturbação que lhes sejam estranhas. 

Deixam claro, todavia: Nada sem a fé.   

sábado, 1 de novembro de 2014

Pena de Morte segundo o Espiritismo



Palestra proferida junto aos companheiros do Centro Espírita Camille Flammarion.*

A defesa espírita é que não deve haver pena de morte. Antes de chegar no argumento espírita capital, extremamente simples, decidi passear por outras razões dessa negativa:


1. Sobre os inocentes


Dei o exemplo de inocentes memoráveis, como Sócrates, que preferiu a morte à fuga, falecendo com a consciência do homem justo, e Janusz Korczak, médico e educador polonês que, tendo vivido à época das guerras mundiais, foi condenado, juntamente com as duzentas crianças do orfanato que dirigia ao extermínio na câmara de gás. Sim, o extermínio dos judeus era um tipo de pena de morte. Eles foram considerados culpados por muitos insucessos político-sociais do mundo, segundo a cartilha nazista. 


2. Sobre a verdade


O caso dos judeus chama uma polêmica que ficou memorável à época. Estariam os nazistas errados? Se eles tivessem vencido a guerra, provavelmente teríamos a visão de mundo deles, pois os que pensavam diferente eram também exterminados, selecionando, assim, os melhores - segundo a cartilha nazista. 

Essa foi uma teoria levantada nada mais, nada menos do que por Levi-Sträuss, grande sociólogo da época. De fato, é preciso que a verdade de um valor ou de um julgamento cresça mais do que o da vida humana para que haja razão suficiente para exterminá-la. Qual o valor é o mais certo? Depende da cultura. 


3. Sobre o semelhante


Boris Cyrulnik, psiquiatra francês, nos diz que basta não considerar o outro semelhante para que se dê a liberdade de cometer violência para com ele. Está explicado assim porque matamos tranqüilamente os animais que comemos, ao passo que somos cheios de escrúpulos (tabu) de matar um ser humano. Quem o faz, um dos motivos é, segundo o psiquiatra, porque já não o considera semelhante. É uma outra espécie, é uma outra raça. 


4. Sobre a imortalidade


Aqui é o argumento espírita capital. A pena de morte não deve ser levada a cabo porque... não se morre. A morte de um criminoso gera, bastas vezes, um espírito vingativo, loucura nas famílias, doenças nos implicados, todos eventos funestos que gravitam em torno do tema da obsessão espiritual. 


5. Sobre a igualdade


Melhor do que todos estes argumentos que citei, o que mais me encanta é o de Jesus, mesmo. Por que não devemos matar um criminoso? Porque somos igual à ele. Ou atire a primeira pedra. Vá lá! Confesse! No fundo, no fundo, queremos matá-lo para ver se matamos ele em nós. Mas, não mata. É preciso que aprendamos a nos reconciliar com os inimigos externos a fim de apaziguar nossos próprios demônios.  

*Se você quiser ouvir a palestra por inteiro, ela está temporariamente disponível clicando aqui.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Se o espiritismo tivesse uma missa...



O ápice da missa católica é quando o padre tem a hóstia e o vinho transformados (leia-se: transubstanciados) em carne e sangue de Jesus. Conclui-se que, para o Cristianismo oficial, a atitude mais importante de Jesus foi o sacrifício de sua existência corpórea, o "dar a própria vida" em favor de muitos. Sobre isso se constrói toda a teoria do cordeiro de Deus, sacrificado para santificar o povo, ter seus pecados perdoados. 

Bem, no espiritismo, se tivesse uma missa, não teríamos vinho. Seria água. A água subiria ao altar para saciar a sede de quem trabalhou. E, no momento mais sagrado, ela seria transubstanciada em suor do Cristo. É porque, para nós, não é a singularidade da morte (e ressurreição) de Jesus que mais importa. Importa! Claro que importa! Todavia, importa muito mais todas as horas que passou aqui servindo ao próximo, suportando perseguições de governadores, intrigas de sacerdotes, incompreensões de apóstolos, traições. 

Isso demonstra bem a diferença capital entre nossos cristianismos. Define nossa heresia

A primeira concepção te oferece uma visão da salvação que passa necessariamente pela aceitação daquela morte do inocente para que, a partir dela, você renasça santificado. A nossa concepção nos oferece uma visão da salvação que percorre a luta diária para o despojo de nossas imperfeições rumo ao modelo maior de trabalhador, o suor mais puro, a imitação de Cristo. O renascimento se fará tantas vezes quantas forem necessárias para se chegar a uma perfeita imitação, contando, para isso, cada gota de suor (olhos também suam) derramada nesse caminhar.

Quando se pode colocar a hóstia na boca? Ao aceitar a divindade de Cristo e seu sacrifício. Sendo um bom cristão. Contudo, a verdadeira aceitação incita a bondade. 

Quando se poderia beber a água? Depois de muito trabalhar, dia e noite, sacrificando, por vezes, horas de lazer, a fim de construir o Reino de Deus na Terra, em nós. O esforço da bondade constrói a verdadeira aceitação. 


quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Carta para Luc Ferry sobre o Espiritismo

Clique aqui para ler a carta



O motivo da destinação desta carta para o filósofo francês Luc Ferry veio da simpatia crescente que sua filosofia despertou em mim, manchada, todavia, pelo descrédito que ele deu em relação ao espiritismo em passagem rápida de sua autobiografia intelectual. Considerou um ultraje a comparação de seu pensamento com “coisas de espiritismo”.

Não é de se admirar que em todo o resgate do cristianismo quase nenhum estudioso não-espírita dedique qualquer página sobre o espiritismo como um desdobramento notável. Essa carta, portanto, vem com o objetivo de colocar o espiritismo, não só no quadro das doutrinas cristãs, mas também de promover essa explicação se valendo do esquema didático de Luc Ferry. Este afirma que toda grande escola de pensamento passa por três grandes vias de questionamentos: os teóricos (sobre aquilo que existe), os éticos (sobre como devemos nos portar diante daquilo que existe), os salvíficos (sobre o sentido último de tudo o que existe).

Os trabalhos que mostram o que verdadeiramente é o Espiritismo são muitos, mas ainda insuficientes para fazer cair por terra todo o preconceito de que somos alvo. Essa carta, assim, não está em excesso. 


Como essa defesa se embasa no pensamento de Ferry, vale como uma introdução ao mesmo, e as indicações de leitura estão espalhadas pela carta. Não se importem muito com os rodapés, a princípio, eles são para uma segunda leitura.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Enciclopédia Britânica Escola Online foi a que melhor definiu o Espiritismo para o leigo

Adorei o verbete que a Britânica Escola Online dedicou ao Espiritismo:



"O espiritismo é uma religião que acredita que a alma, ou o espírito, continua viva após a morte. O espiritismo surgiu na França em 1857, com a publicação de O livro dos espíritos, de Allan Kardec.

Crenças

A doutrina espírita baseia-se em cinco pontos principais: a existência de Deus; a imortalidade da alma, ou espírito; a reencarnação, pela qual as pessoas voltam a nascer depois da morte, para se aprimorar; a existência de outros mundos habitados; e a lei do carma, pela qual o destino de cada pessoa está relacionado aos atos que pratica.

Seus ensinamentos principais são o amor ao próximo e o amor a Deus, a caridade e a evolução do ser humano.

Não existe culto, ritual nem sacerdote na doutrina espírita. Segundo ela, todos serão salvos — alguns antes, outros, depois, de acordo com o progresso de cada um. O espiritismo não combate nenhuma religião.

O surgimento do espiritismo está ligado a diversos acontecimentos, mas o que se tornou mais conhecido ocorreu em 1848, nos Estados Unidos. Na casa de uma família com duas filhas pequenas, ouviam-se fortes pancadas no teto e nas paredes do quarto das crianças. Uma delas resolveu responder, batendo também; em seguida, obteve resposta. Essas batidas teriam sido dadas pelo espírito de um homem que teria sido morto naquela casa, muitos anos antes.

Diversos estudiosos avaliaram esses fenômenos, considerando-os verdadeiros. Entre os mais importantes estão Kardec e Flammarion, na França; Frederick Myers (que fundou a Sociedade para a Pesquisa Psíquica), Lodge e Wallace, na Inglaterra; Lombroso e Schiaparelli, na Itália; e Zöllner, na Alemanha.

Os espíritas acreditam na mediunidade, pela qual uma pessoa com percepção extrassensorial (acima do normal) — denominada médium — pode ver pessoas mortas e ouvir o que dizem, entre outras coisas."


Alguns termos mereceriam maior problematização: Espírito difere conceitualmente de Alma. Carma não é uma palavra espírita. Destino é uma palavra forte demais, cheia de história e peso, temos uma discussão pormenorizada sobre isso. "Ser salvo" é outra expressão que mereceria ser melhor explicada, mas, grosso modo, está excelente!

espiritismo. In Britannica Escola Online. Enciclopédia Escolar Britannica, 2014. Web,
2014. Disponível em: <http://escola.britannica.com.br/article/487834/espiritismo>. Acesso em:
07 de outubro de 2014.                              

sábado, 4 de outubro de 2014

Também perdi um filho

Antes desse pequenino que está aqui escalando minha perna, também perdi um filho. E soube quase agora que um grande amigo está passando por isso. O que dizer?

Ele pediu para não ligar, que ficássemos em oração.

Todas essas coisas que escrevo e falo, digam lá para que serve, para me fortalecer e às pessoas que morrem a cada dia, que têm seus entes amados mortos. De alguma forma muito intensa tentar fazê-las  acreditar, como se fosse óbvio, como se não desse para pensar de forma diferente, que o nada não existe. Nossos amores continuarão vivos e estarão bem. 

Consigo?

Claro que não. Apenas diminuo um pouco a dor de alguns. Preparo outros poucos para alguns reveses aqui e ali. A descomunal dor da perda que nos faz sentir o abismo de nossa mortalidade...

Chorei o meu primeiro embrião que não vingou e, no fundo, o que me consolou não foi nada de racional. Nada de lei de compensações ou de reencarnações. Fui chorar contra Deus para o meu melhor amigo. E ele me deu o ombro. Não ouvi quase nenhuma palavra do que disse. Mas, sua presença...

Chorei o meu pai que se foi. Precisei morder os lábios, curvar o corpo, gritar aos presentes que "aqui enterramos um homem que cumpriu sua missão". Sério, eu fiz isso! Ontem escrevi uma carta para ele, e mês passado, e há seis meses, e fazem sete anos...

Não me preocupo em partilhar esse texto com aqueles que encontram em meu blog um porto seguro. Quero deixar bem claro, rasgando essas minhas vestes, que sou tão homem, tão mulher, tão criança quanto vocês. O que não nos exime de tentar achar respostas, juntos.

Mas, por agora, a presença, o ombro, a oração... e a esperança.



quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Kardec, o democrata



Hoje vou começar a postar aqui algumas faces de Kardec que não conhecemos. Na verdade, só conhecemos uma: o sisudo de barbicha e costeleta que escreveu um monte de livros sobre diálogos com Espíritos.

Vejam só essa aqui:
"Também não é a estes que nos dirigimos [aos recalcitrantes], mas ao público, juiz em última instância das causas boas ou más. Há no espírito das massas um bom-senso que pode falhar nos indivíduos isolados, mas cujo conjunto é como a resultante das forças intelectuais e do senso comum.” (R.E. set 1863, p. 384, FEB)
Isso é para aqueles que imaginavam ser Kardec um senhor que ficava consultando os Espíritos para qualquer coisa, entendendo que dos Espíritos partiam todas as verdades. 

O clima da democracia é outro. A pergunta maior é: "Se a verdade existe para além do sujeito individual, como ela poderá se objetivar de tal forma que seja válida tanto para mim quanto para o outro?".

No horizonte profético da bíblia, as pessoas responderiam: "Simples, basta que tenha sido dita por Deus pela boca de um bom profeta!". 

No horizonte democrático a resposta é: "Se a verdade conquista a opinião das massas, transcendendo os particularismos, ela se revelou universal por essa forma!". Já não é mais porque se revela imponente na boca de um iluminado, mas porque se revela consensual na boca de todos. 

O espírito da Verdade se manifesta pela boca do povo, unido. 

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Sobre o medo que temos dos Espíritos



Uma colega de trabalho me fez a seguinte pergunta: "Venho sentindo muito a presença de Espíritos em minha casa. Às vezes tenho até medo de olhar e ver. Quando temos medo de ver o Espírito é porque ele é ruim?"

Não acho. Temos medo de quase tudo que nos é desconhecido. Muitas pessoas dizem que tinham medo de mim antes de me conhecer. Não que eu seja uma pessoa boa, mas não me considero ruim. Acho mesmo é que estamos completamente desacostumados com essa realidade espiritual ao nosso redor. 

Nossos últimos séculos corroeram a crença de que há Espíritos espalhados em todo o lugar, em tudo, em todos. Desencantaram o mundo, dizem. Mas, esse desencantamento possui conseqüências graves. Como que produzindo o seu contrário, o século das Luzes desemboca na era do extermínio das raças. Se você é uma ameaça para mim, basta que eu não te conceda o certificado de meu semelhante para que eu possa te exterminar. É quase como se fosse um não-existente. Se eu não te enxergo como merecedor do status de existente, facilmente posso te extinguir do meu quadro de possibilidades de vida. Falo do holocausto dos judeus, mas dos abortados também.

Entendem onde quero chegar? Se não pudemos matar os Espíritos, fizemos com que pelo menos fossem inverossímeis. O status de existente deles foi ridicularizado. E isso foi mais uma estratégia política-ideológica do que científica. Essa realidade espiritual-divina era usada para justificar poderes mágicos para classes nobre-sacerdotais que impediam outras classes de ascender ao poder. 

Tolice! Os Espíritos não conferem nem justificam poder à classe alguma. Eles, somos todos. É isso o que nos falta ver. Quando assimilarmos essa identificação visceral entre nós, ver Espíritos será tão natural quanto respirar. 

(Certamente, eu respondi para ela só aquele primeiro parágrafo em negrito. O resto desenvolvi aqui pro blog).

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

As pessoas que vivem em mim

Um amigo me pegou falando sobre o que acredito ter sido minhas encarnações passadas. Uma delas é sobre a que papai acreditava: ser eu seu próprio pai. 

Embora querendo respeitar minha crença, o amigo perguntava se eu não estava de má-fé,  deixando-me levar pelos condicionamentos que os outros colocaram sobre mim. Tipo, não assumir a vida com a autenticidade de tudo o que sou hoje, mas carregando o peso de tudo o que o passado diz que devo ser. Até mesmo justificando as atitudes pelas tais "encarnações passadas". 

Respondi carinhosamente:

- As minhas encarnações não me soam mais como justificativas, mas como álbuns cheios de fotos queridas. Aqui e acolá vou entendendo o animal que fui, o anjo que estou longe de ser. E vou reencontrando todas as pessoas que amei, que amo. Porque uma das mais fortes razões para eu acreditar em encarnação não é apenas não conseguir encontrar justiça para as aflições atuais apenas nessa vida, sem ceder à hipótese do acaso, mas, principalmente, de não conseguir encontrar razão suficiente de amar tanto e tão profundamente certas pessoas e não outras. 

Sobre meu pai achar que fui o pai dele, não me pesa de forma alguma. Fiquei sabendo disso depois que ele morreu. Ficou como a lembrança mais doce que guardo. Eu e ele, se revezando nos dramas da vida, tentando deixar crescer cada um por sua vez. 

A cena em que revelou isso para mamãe:

Entrei no quarto deles para pegar um dinheiro e sair com a namorada. Entrei e saí. Pedi quase sem pedir. Ela reclamou que eu gastava demais. Ele a silenciou, sussurrando: "Deixe! Ele trabalhou muito na roça para que eu conseguisse chegar onde eu cheguei..."

domingo, 7 de setembro de 2014

O batismo no Espiritismo



Não há. Não oficialmente, com manual de instruções. 

O Espiritismo não nasceu para oferecer novos ritos para o mundo. Kardec deixou claro em 1862 que o Espiritismo deveria servir de base científico-filosófica para todas as religiões que se sustentassem sobre a imortalidade da alma, cada uma devendo seguir seus ritos próprios, cada homem, o que lhe oferecia a sua religião. Devolver o cético à crença, eis o que Kardec considerava o grande feito dessa nova doutrina. 

O Catolicismo, particularmente, não só discordou dessa nossa função, como nos considerou ora mentirosos ora adoradores do demônio. Chegou a excomungar todo aquele que se confessasse espírita e continuasse freqüentando a missa. É que Kardec acreditava, no início, que, sendo o Espiritismo apenas a ciência que poderia embasar a crença, o homem poderia perfeitamente ser espírita-católico, espírita-judeu, espírita-árabe. Não se deu bem assim. 

Os tempos amadureceram. Ainda recebo cara feia de algumas pessoas quando me revelo espírita. A maioria, graças à Deus, me devolve um "é por isso que o senhor é tão calmo!". Tornamos o Espiritismo nossa forma de enxergar Deus e Sua criação, portanto, nossa religião. Mas, ficou ao encargo de cada um decidir como seriam os ritos que marcariam as grandes etapas da vida. Alguns traduzem o que a sua igreja anterior fazia para o contexto em que vive agora.  

Meu filho está prestes a ser batizado conforme os ritos católicos, raízes culturais e afetivas de minha esposa. Perguntaram-me se eu iria aproveitar e me batizar também. Respondi de pronto:

- Já sou batizado. 
- Mas, você não é espírita de berço?
- Sim, e já fui batizado. 

Geralmente, quando o espírita fala assim entra dentro de uma querela teológica que diz que Cristo, embora tendo se submetido ao batismo, nunca batizou, ou que nosso batismo já não é com água, mas com Espírito. Não é a nenhuma dessas formas de batismo a que me refiro quando falo assim. 

Pouco depois de ter chegado em casa, vindo da maternidade, papai convidou mamãe para a sala, deitou-me no berço, abriu o Evangelho Segundo o Espiritismo nas preces sugeridas por Kardec para serem proferidas a um Espírito que acabara de nascer e, em coro com ela, estendendo as mãos sobre mim, disseram assim:

"Meu Deus, confiaste-me a sorte de um dos teus Espíritos; faze, Senhor, que eu seja digno do encargo que me impuseste. Concede-me a tua proteção. Ilumina a minha inteligência, a fim de que eu possa perceber desde cedo as tendências daquele que me compete preparar para ascender à tua paz."

Sem festança, sem alarde, porque o velho não gostava disso. Com amor, com disciplina, porque era militar de carteirinha, entendeu agregar-me assim entre os encarnados, e assumir, por toda a vida, a responsabilidade de me preparar para ascender à paz de Deus. Foi assim que fez com minha irmã, será assim que, depois da missa, gostaria de fazer com meu filho. 

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

O que é Médium

Uma médica está massageando o peito de um paciente cujo coração havia acabado de parar. Ela continua os esforços, mas diz para a equipe: "Vamos tentar mais quinze minutos, mas certamente ele não volta... (sussurrando) eu vi."

Uma senhora, dona de casa, está à missa e vê um velho simples, sem roupas sacerdotais, subir ao altar e abrir a bíblia. Partilha com o filho:
- Você vê aquele senhor abrindo a bíblia?
- Não há ninguém ainda no altar, mãe?

Uma jovem empresária chega em casa cansada, deita no sofá, liga a televisão no canal da novela. A cadeira de balanço se balança. Janelas fechadas, porta fechada. Balançado insistente. A moça repreende: "Se quiser assistir, assista quieto!".

Um rapaz está com a esposa em um quarto escuro em que ela espera para fazer um exame especial da cabeça. A mão dele formiga. Pede, então, emprestado uma caneta. Pega uma folha de papel qualquer e começa a escrever. Ao terminar: "Olha, amor, o que disseram pra gente!". A moça mareja os olhos e dá m beijo no rapaz. A técnica responsável por realizar o exame solicita gentilmente que ele se retire da sala. Ele devolve um beijo na boca da esposa e vai reler a carta na sala de espera.



Tinha de ser assim



Conversando certa vez com um amigo sobre o quanto ele estava afastado do centro espírita, tendo ele sido um dos rapazes mais engajados que conheci, eu o cercava com argumentos que tentavam fazê-lo retornar. 

Estranhamente o via bem. Casado, com uma filha, cumprindo bem o seu dever no trabalho. Ele me dizia estar bem. Dizia sentir saudades, mas não sentir falta. Enumerava as qualidades da vida atual e sentia-se satisfeito. Médico, exercia sua profissão com misericórdia e sacrifício. Pai, deleitava-se de ver a filha crescer e elogiava cada novo passo dela.

Pouco tempo depois encontrei duas pessoas de seu antigo centro espírita que haviam igualmente se afastado. Elas eram como se fossem o núcleo familiar de lá, mas se afastaram. 

Liguei para ele, contei a má notícia. Ele não se espantou. 

- Por quê? Você acha que aquele centro não era bom, de fato? Mas, você defendeu com tanto afinco a grandeza dele? Deu tanto de si para o crescimento daquela casa? Você se arrepende de ter feito tudo aquilo?
- Não, querido. Não me arrependo. Mas, também acho que não estamos errados. O que eu acho é que as coisas mudam. 

As coisas mudam. As pessoas, também. Mudam de vida, de endereço, saem do centro. Se afastam, se aproximam. Percebi na fala dele a inocência do presente que eu insistia em culpar. Sem culpados, sem denúncias aquela fala. Uma perspectiva verdadeiramente cristã. Deveríamos dizer menos que os amigos que se afastam estão obsediados e revelar mais o quanto sentimos saudades deles. 

- Não vá! Estará desperdiçando um tempo precioso de sua vida! (fora daqui não há salvação!) - diz o puritano.
- Não queria que você fosse! Sentirei saudades! (fora daqui <3 não há salvação!) - diz o amigo. 

- Vá!  

segunda-feira, 28 de julho de 2014

E se o meu adversário estiver certo?


"Dá a quem te pedir, e não te desvies daquele que quiser que lhe emprestes."
Mt 5:42

Essa é a última recomendação do Mestre na seqüência que nos faz mudar completamente a postura diante do "olho por olho, dente por dente". Três interpretações prevaleceram no nosso círculo. Ao contrário do que se costuma pensar, os discípulos do cordeiro não são arredios ao combate, mas são adeptos do bom combate. Quando o adversário nos pede a túnica, dar ainda o manto o desarma. Ele que estava preparado para o embate, recebe a solicitude da alma. Mas, tem que ser de coração. A segunda caiu sobre o significado do adversário. Na passagem, a tradução de Haroldo nos fala de "malvado" e não de "mau": não resistais ao malvado. E uma das conotações possíveis dessa palavra é "aquele que sofre". Portanto, é enxerga-lo como um ser digno de piedade e oferecer-lhe mais do que ele pede, já que precisa tanto. A terceira interpretação enxerga o malvado como sendo um igual, filho do mesmo Pai, portanto, merecedor da mesma credibilidade que qualquer outro irmão. Exercitamos enxergar as exigências dele não como uma ameaça, mas como uma proposta. Jesus, nesse sentido, estaria nos recomendando não só aceitar a sua proposta, mas ir a fundo nela. Por que não? Nesses tempos em que esteve próximo o combate entre o futebol de diferentes países e está presente o embate das mais diversas posições políticas no nosso Brasil, as recomendações do Nazareno vêm a calhar para que nos apeguemos menos aos nossos dogmas e ofereçamos a cara à tapa quando enxergarmos que alguém pareça ser mais razoável que nós. Há dois mil anos, seguir este conselho poderia ter evitado muitas guerras!

sábado, 26 de julho de 2014

Rico de tudo o que é mundano

Esclarecimento:

Algumas pessoas (senão todas!) estranharam porque eu disse serem Maria e José pobres de tudo o que é humano e ricos de tudo o que é mundano. A coisa é simples para essa mitologia que inventei. 

O mundo nasce de Deus e é moldado por Jesus. O homem, com seu livre-arbítrio, pode se afastar de Deus e, constantemente o faz, estragando o mundo com seus desatinos. Ser uma pessoa mundana está mais em conformidade com a Vontade Superior do que ser demasiadamente humano. Atentar que Maria e José são "humildes pessoas" o que, segundo minha tipologia, já superaram a condição humana e super-humana. Essa é a categoria dos Espíritos que conseguem enxergar Deus na natureza, entendendo ser o mundo um livro de grande sabedoria.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Mitologia espírita da Criação da Terra



No início era Deus e Ele dançava pelo espaço. Deu um espirro e tudo se encheu de estrelas. Pela sua saliva, todas as coisa estavam conectadas. Feito criança, começou a esfriar alguma bolotas incandescentes e brincar de argila. Surgiram os planetas. Achou que de pedra seria bom fazer os berços para Seus filhos. Deus, à essa época, era pedreiro. De pedra, então, fez os berços, colocou espíritos. E viu que era ótimo! Lá começariam a aprender a organizar os corpos. 

Deu um estalo nos dedos. Um estrondo! E tudo começou a se movimentar. Criou o tempo. Com o tempo, as pedras virariam plantas e aprenderiam a querer luz, depois animais e aprenderiam a querer o movimento, depois homens e aprenderiam a dizer não, depois super-homens e aprenderiam a ser firmes, depois humildes homens e aprenderiam a ser felizes, depois muitas coisas e, enfim, anjos e aprenderiam a amar à Deus acima de todas as coisas, mas depois, deuses e aprenderiam a amar ao próximo como a si. Da pedra ao deus o espírito cresceria, aprendendo uma grande lição por vez a cada mudança que acompanhasse a matéria que o revestia. Deus viu que isso estava maravilhoso! Riu-se gostoso na eternidade e o universo ficou pleno de graça. 


***

Em um planetinha perdido, parecido com uma singela Capela, havia uma humanidade. Já tinha passado pelos estágios mais diversos. Estavam super-homens. A maioria queria ser humilde, mas outros resistiam em querer ser super. Deus afaga os soberbos, dá um cheiro nesses pequeninos, suga-os dali e sopra-os para outro planeta, cheio de água, mas conhecido pela sua Terra.

Nessa época já não era obra do Grande Pai o cuidado com os planetinhas, porque já tinha Filhos com F maiúsculo a quem ele entregava os redondos entes. A Terra era obra do Hxdgfgne, espírito enorme, cheio de amor, devotado, olhos azuis por onde jorraram as águas dali, caráter rochoso de onde surgiu as terras daquele lugar. Fizera tudo como Seu Pai fizera. No princípio era o caos e o fogo. Com as argilas derretidas foi moldando os seres, passando por montanhas e cascalhos, algas e baobás, vaga-lumes e mastodontes, até chegar na sua última obra-prima, um templo sagrado chamado corpo humano. Nele passou a habitar espíritos que já o podiam animar, tendo passado pelas lições que outras ordens de existência havia lhes conferido. Foi nesse corpo que também veio habitar os super-homens de Capela. 

O pedido de Hxdgfgne era que eles o ajudassem a fazer a Terra crescer. Entenderam que isso significava a explorar, escravizar os antigos habitantes, impor impérios e fazer rituais de sacrifícios externos. Reclamavam de tudo. Do trabalho suado, do parto doído. Culpavam a própria ciência, aquela que os fazia distinguir o bem do mal, como tendo sido a responsável pela expulsão do antigo paraíso. Poucas vezes paravam para olhar a beleza da Terra que passaram a habitar, e a preciosidade do corpo que os revestia. Viviam olhando para o céu, morrendo de saudades do outro lugar. 

Como Hxdgfgne já era deus, o tempo para si passava segundo o movimento da respiração do Grande Pai. Assistiu tudo, com carinho, tentando sempre dar oportunidades para as redenções. Sem escolher ninguém, ia colocando e tirando obstáculos, com todo o cuidado para não ferir liberdades. Até o dia que, no comecinho de uma expiração que durou mil anos, o Grande Pai disse:

- Vai!

E Hxdgfgne voa na corrente de ar do paterno Vai! Entra no ventre de uma humilde mulher, esposa de um humilde homem, profundos amantes que eram um do outro, pobres de tudo o que era humano, ricos de tudo o que é mundano, cobertos pela noite das criações, rodeados pelo bafo de todos os seres, fora do alcance dos homens e super-homens, deitados no leito das emoções. 

- Estou grávida!
- Deus, que felicidade!
- Se for menina?
- Vai ser menino!
- Por que essa certeza?
- Um anjo me falou.
- Você e seus anjos... - dá-lhe um beijo doce na fronte. 
- Chamaremos de Jesus.
- Oi, Jesus! - toca na barriga dela. - É incrível, pequenininho, como já te amo tanto. Sinto que veio para mudar muita coisa. Não se preocupe, papai vai te protejer até que você cresça. 

Um chute, ela sente. Uma brisa enrosca o casal. 

segunda-feira, 21 de julho de 2014

O que é o Passe?

Minha mãe está vivendo uma doença que não tem cura. Misturado com os fogachos dos cinquenta, vem um fogo que o neurologista diz ser má interpretação do cérebro sobre as informações transmitidas pelos nervos. Os medicamentos fazem efeito curto, depois volta as manifestações do Parkinson. Havia noites que eu ficava com ela, pois um dos despertares noturnos se prolongava trêmulo. 

Eu pensava que precisava ser mestre para dar passe, foi quando, diante da minha impotência, e cheio de piedade, tomado pelo sono e pela vontade de dormir, levantei a mão sobre a fronte dela, nós dois na cama, rezei um pai nosso emendado com uma conversa junto aos nossos anjos guardiães. Quando dei por mim, o sol cutucava meus olhos e me mostrava a mãe de volta a dormir. Fechei a cortina, me arrumei para o trabalho e disse amém

sábado, 19 de julho de 2014

Está escrito na carne

Falei com uma amiga que é mãe de uma menina linda. Contou-me a experiência de ter se sentido um lixo em sua crisma, quando o catequista começou a falar sobre o pecado das mães solteiras. Ela estava entre elas. 

Não sei se há versículos de maldição para este caso no livro sagrado. Só sei que não há mais sagrado do que o sorriso de uma criança linda, saudável, perfeita. O que há é o real. O real é o sagrado. Se Deus existir, como acredito que exista mesmo, é nisso que Ele se manifesta. 

Quando vejo filhos vivos, penso que Deus abençoou aquela família. É que tive a experiência de ter um querido embriãozinho morto em nosso ventre. Pensei, então, Deus nos amaldiçoou. Foi um pensamento infeliz. Para o Espiritismo não há maldição. Mas, há os motivos escondido nos tempos das vidas passadas que justificam nossa tristeza atual. Estava triste. Não demorou muito para o Pai nos abençoar com uma criança vivaz, das mais belas que nossos olhos poderiam captar. Ela está aqui. Deus está!

Acredito que, contra o pecado das mães solteiras (meu Deus! ainda encontramos essa fala hoje, eu não precisava escrever sobre isso), o pensamento sempre deveria partir do fato de ela ser mãe e não solteira. Se Deus permitiu o desenvolvimento desse ser, passando pelos múltiplos desafios que a organização da carne impõe, é que não foi pecado, foi amor. Tudo, por todos os lados, entre os pais, entre mãe e filho, do Eterno para com o infinito, do mundo para com o local.

"Por isso te digo que os seus muitos pecados lhe são perdoados, porque muito amou." Essa frase resume tudo. E adivinha de quem é?!

terça-feira, 8 de julho de 2014

O que é uma Sessão Mediúnica?



Todas as segundas vou para a do meu centro espírita. Lá no fundo há uma sala. Um ventilador simples e quase quebrado gira, espalhando um pouco de poeira no ar. Os Espíritos desde já nos protegem, me impedem de espirrar. Algumas poucas teias de aranha no telhado. Esquecemos de limpar!

Vão chegando, de um por um, amigos que apertam as mãos, se dão um abraço. Há um médico, um bombeiro, um representante de farmácia, um pedreiro, um músico, uma servidora pública, uma dona de casa mãe de muitos filhos. Cantam algumas músicas, fazem uma prece, pedindo permissão à Deus para começar a se comunicar com os Espíritos, lêem uma a duas páginas de um livro instrutivo, alguma passagem do evangelho. Colocam um punhado de nomes em um caderno improvisado. Todos deverão manter aquelas pessoas em mente querendo ajudar.

Apagam-se as luzes. Abre-se uma menos intensa que permita melhor concentração. Alguns dos presentes, tentando conter os impulsos para que seja um por vez, começam a deixar sentimentos estranhos a si aflorarem. Aqui é um que chora a culpa do assassinato do irmão, ali um senhor que nunca deixou de amar a mulher que está triste em vida, acolá a fúria de alguém que não gosta que tentemos ajudar a quem ele persegue por vingança. São melancolias, ironias, atordoações, zombarias. Mas também são instruções, consolos, amizades, alegrias. É um anjo bom que fala sobre a vida que vinga para além da vida, um velho simples que adverte sobre as pedras do caminho, uma jovem que chora a gratidão da música que o violão de um dos presentes tocava fora dali. E, para todos, uma palavra amiga do coordenador da reunião. Sem gritaria, sem consternação; com respeito, com persuasão. Os Espíritos amigos pedem que se fale com mais amor. O amor é uma lição que estamos pelejando por aprender sempre, cada vez mais.

A mesa não é branca. É uma grande mesa marrom um pouco carcomida por dentro de onde saem, vez ou outra, algumas formigas para olhar o que acontece fora. Uma delas tem que se desviar da gota que caiu ali. Era a lágrima de uma mãe que chorava a perda do filho nas drogas. Outro desvio. Era a lágrima de um filho que voltava a ver a mãe depois de tanto tempo perdido.

A pequena sala é lotada, apesar de sermos só sete, às vez oitos, outras seis. Nem todos são tão médiuns a ponto de deixarem os Espíritos falarem por si. Ao final, mesmo estes menos médiuns sempre têm algo a contar. Foi um peso na nuca, foi um sopro no ouvido, foram luzes aqui e ali a piscar.

É uma prece boa que finda o trabalho. Os livros guardados no armário. Uma coceira chata dos pernilongos nas pernas. Uma felicidade no ar. Ninguém sabe de onde vêm, nem para onde vai.

- Vou pra casa!
- Pode me deixar ali?
- Claro! É meu caminho. Vamos lá!



Veja outras definicões de termos espíritas AQUI! 

segunda-feira, 7 de julho de 2014

O verdadeiro consolo

Não deverias ter inveja das coisas boas. O alento que desce sobre os outros é uma parte da vida que se mostra, a outra é sofrimento. Todos são assim, meu Espírito. Se às vezes te consolas com a miséria alheia, este consolo é ainda uma outra miséria que carregas em teu coração. Não é um altruista verdadeiro aquele que precisa entender que o outro sofre para considerá-lo irmão. De outro modo, é difícil enxergar um irmão em quem te é superior. Basta, portanto, que teus olhos se percam para além das hierarquias e se achem neste universo onde bons e maus são simplesmente trabalhadores de uma mesma seara: a da lavoura de si para a felicidade eterna.

Sobre o adultério, as amputações da alma e a retidão das ações

Outrossim, ouvistes que foi dito aos antigos: Não perjurarás, mas cumprirás os teus juramentos ao SENHOR. Eu, porém, vos digo que de maneira nenhuma jureis (…) Seja, porém, o vosso falar: Sim, sim; Não, não; porque o que passa disto é de procedência maligna. (Mt 33-37)


Difícil conectar o imperativo de não jurar com o da retidão da atitude do “sim, sim; não, não”. A melhor aproximação que pudemos fazer é sobre a sabedoria de não vivermos nos excessos, nem de colocarmos em jogo aquilo que nos escapa, o que dá na mesma. Rousseau já dizia que o caminho mais curto para a felicidade é trabalhar o espírito para que o desejo não seja maior que a nossa força. Isso pode nos levar a um estado de apatia, não desejar nada para evitar a fadiga (Lei do Jaiminho do Chaves), ou de voracidade, querendo aumentar nossa força para podermos ter tudo que o desejo pode imaginar (Lei do Capitalismo). O caminho do “não jurar” e do “sim, sim; não, não” parece mais promissor. É, em resumo, abdicar daqueles momentos do espírito em que se diz “eu juro fazer tal ou tal coisa” ou “… ser de tal ou tal jeito” e, no presente momento, nem fazer nem ser. É, de outro modo, tentar estar preparado para o que Deus mandar. Se for a sua hora de fazer e ser, dizer sim para esta hora. Se não for, saber dizer não. Essenciais para essa atitude é saber nosso planejamento reencarnatório, nossas tendências e nossos limites, claro, sem nunca estacionar nestes últimos.  

Portanto, se o teu olho direito te escandalizar, arranca-o e atira-o para longe de ti; pois te é melhor que se perca um dos teus membros do que seja todo o teu corpo lançado no inferno. E, se a tua mão direita te escandalizar, corta-a e atira-a para longe de ti, porque te é melhor que um dos teus membros se perca do que seja todo o teu corpo lançado no inferno. (Mt 5: 29;30)

O amigo que nos guia nos estudos evangélicos nos trouxe uma mensagem de Emmanuel, o mentor do nosso saudoso Chico Xavier, em que ele transformava poeticamente as nossas deficiências em oportunidades benditas de crescimento, isto é, em talentos:


Dividimos, então, nessa noite de estudo do evangelho algumas deficiências físicas que trazíamos conosco. Começamos a tentar enxergá-las não como castigo, mas como convite ao crescimento do Espírito. É o que nos esclarece Emmanuel: o corpo físico é o "templo de formação das nossas asas espirituais para a vida eterna". Eu diria fornalha, mas nesta se fazem espadas. Chega de espadas! O templo íntimo é uma excelente metáfora.



"Aqui é um cego que pediu a medicação da sombra para curar antigos desvarios da visão. Ali, é um surdo que solicitou o silêncio nos ouvidos, como bênção de reajuste da própria alma." (Corrijamos agora)

A sombra e o silêncio é o que, muitas vezes, nós precisamos para refletir melhor sobre o caminho que temos tomado a fim de escolher novos rumos.

Ouvistes que foi dito aos antigos: Não cometerás adultério. Eu, porém, vos digo, que qualquer que atentar numa mulher para a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela. (Mt 5:27;28)


Geralmente interpretamos as exortações pelo que elas têm de mais óbvio: seu caráter imperativo. É uma questão de dever, não de amor. Mas, por trás do dever, se quisermos mesmo que o dever triunfe, deve haver amor. Por isso, em certa altura do nosso estudo, deixamos de olhar essa passagem como sendo um ótimo conselho contra o adultério, o de nem pensar nele, e passamos a ver o que conservar-se na fidelidade nos traz de bom. É sair de uma virtude que se mantém por medo do pecado para uma que se constrói por amor a própria virtude.


Ora, ser casal nos tira da eterna evasão do amor. Dom Juan nunca amou, pois, sempre quando se aproximava disso, já estava longe com mais uma aventura no seio de outra mulher. Não é que, em se tornando casal, atinjamos o amor, mas adentramos dentro de uma escola que promete nos ensinar a cada dia essa difícil tarefa: de ser íntimo, cotidiano, sujeito a fracassos, mas ainda assim, surpreender com uma amorosidade que pode nascer de seu contrário, de uma briga, de uma discussão.


Quem nos pode conhecer melhor? Dividimos nossa sombra e o amor as atenua. Se fôssemos em busca de um rapaz ou de uma moça menos sombrios, a experiência de todo mundo mostra que apenas estaríamos trocando de abismo. Basta um toque da intimidade para que as lacunas apareçam.

Ser fiel em um relacionamento, enfim, é aceitar estar matriculado em uma escola bendita de crescimento do eu para além de mim. Sponville, pensando sobre isso, nos diz: "O casal é a civilização mínima - o contrário da guerra, o antídoto da morte. Alain, que foi solteiro durante muito tempo, compreendeu: 'Finalmente, é o casal que salvará o espírito.'"

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Continuando o diálogo sobre Obsessão Espiritual com os médicos



Em resposta a nossa postagem sobre obsessão espiritual, o Dr. George Magalhães partilha a seguinte experiência:


Anos atrás, conversando com minha psicanalista sobre estes aspectos, os limites da medicina, ela me contou esta história que se passou com um psicanalista amigo dela em outra capital. Ele, com alguns pacientes que não conseguiam sair do canto - uma análise emperrada, como se um algo existisse que não percebesse - ele tinha um amigo médium de um centro espírita. Perguntou a este amigo se não poderia ver alguns destes poucos e intrigantes pacientes. Como psicanalista, não tinha crença alguma, mas tinha a curiosidade. O seu colega médium se dispôs a ver os poucos casos no centro espírita e, de fato, alguns analisados estavam obsediados e passaram a melhorar e entrar em análise após alguns passes. Mas, o incrível é que alguns pacientes foram devolvidos com uma pequena carta: "Amigo continue o tratamento deste paciente, seu caso não é daqui, não está obsediado." Minha psicanalista disse-me que o amigo dela lhe comentou que era verdade, estes pacientes depois de algum tempo ou haviam melhorado ou haviam tido necessidade de farmacoterapia.


Uma pesquisa empreendida em 2004, por Frederico Camelo Leão (acesse aqui esta pesquisa), havia realizado experiência semelhante à relatada pelo nosso professor, jogando em cima alguma análise estatística, concluindo, com certa significância, a melhora clínica e comportamental dos pacientes em comparação com quem não havia sido submetido à intervenção.


A coisa é revolucionária! Você pegar o nome de pacientes, colocar em uma mesa mediúnica alheia aos casos abordados, e nela serem construídos diálogos que apaziguam entidades espirituais que possam estar comprometendo a saúde deste ou daquele sujeito - minha nossa! Não é uma hipnose que se aprofunda no inconsciente do indivíduo no divã a fim de mexer com seus traumas recalcados. Nem muito menos uma sessão de terapia que visa mexer com esses traumas pelas vias do fortalecimento da consciência. É como se você pegasse estes traumas, arrancasse dos indivíduos, levasse a um círculo mediúnico e começasse a falar com eles intermediados por outro corpo que não o do paciente. Entendeu? Seriam Traumas com T maiúsculo, portadores de identidade e materialidade (até onde se pode usar essa palavra?) próprias, independentes do aparelho psíquico original do "caso" em questão.


Platão falava da realidade substancial do Bem, do Belo, da Verdade, como se fossem entidades que você pudesse ver, tocar, abraçar, cheirar, beijar quando tivesse elevado seu espírito à altura do Mundo das Ideias. Falamos aqui de Traumas, Violências, Vinganças, Ódios, como se fossem entidades com quem você pode dialogar intermediadas pelo corpo de uma pessoa em transe. Os poetas, como Homero e Hesíodo, na Grécia homérica, eram tidos como intermediários dos deuses. Seus poemas, como mensagens. Muitas vezes, dava-se menos importância ao homem do que à sua fala que, todos acreditavam, estava vindo de uma musa, e ele, mero mortal, não era mais que um gramofone.

Hipócrates, por exemplo, contra essa mentalidade mitológica e antecipando assustadoramente a mentalidade moderna, dizia: "Na minha opinião ela [a doença sagrada - imposta pelos deuses] não é nem mais divina nem mais santa que qualquer outra doença tendo, ao contrário, uma causa natural, sendo que sua suposta origem divina se deve à ignorância dos homens."


Mas, o professor acha incrível que os Espíritos coordenadores das sessões mediúnicas tenham devolvido alguns casos, alegando não serem questões de obsessão. Pode ser incrível para os muitos espíritas que culpam os pobres dos Espíritos de tudo o que acontece na vida deles. Todavia, a nossa modernidade se fundou sobre a rejeição do mundo dos espíritos, do sagrado mediúnico, da Natureza portadora de alma, devolvendo os casos antes considerados espirituais para a ciência da natureza material. Na verdade, para os modernos, a resposta do Espírito não passa de sensatez.

"A Interpretação dos Sonhos" de Freud havia sido revolucionária exatamente porque rejeitava o viés profético-místico da mensagem onírica a favor de uma mensagem que partia da própria pessoa, mensagem subliminar, criptografada, exalada de seus calabouços psíquicos onde muita coisa rastejava em sussurros. Ele insistia na imanência dessa mensagem na história do próprio sujeito em detrimento da transcendência da mesma vindo de deuses ou demônios. O que era revolucionário para a época não passa de senso comum dos nossos dias.

Incrível mesmo, olhando o fenômeno com minha face moderna, é estes pacientes terem melhorado diante da simples dedicação de algum punhado distante de médiuns reunidos a fim de ajudar nestes casos. Eu acharia isso, na verdade, um tremendo absurdo, se eu já não tivesse me convencido de que é verdade.