sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Qual o incoveniente de se construir uma doutrina em torno de um médium?



Tive vontade de escrever esta postagem porque é disso que se trata alguma parte do posicionamento de certos antropósofos com quem venho tendo contato, mas também boa parte do movimento espírita que, sem dar valor à obra de Kardec, vai fundamentando seus conhecimentos apenas em romances mediúnicos.

Vamos começar por este ponto: o médium pode trazer informações falsas ou frutos da própria imaginação. Quando assim é, não é difícil de entender onde está o inconveniente. 

Digamos, porém, que o médium traga apenas informações aparentemente boas, justas e belas, e que a própria imaginação não tenha causado interferência. Como saber se são, de fato, boas, justas e belas se não pelo olhar crítico das pessoas?

No primeiro caso seria uma doutrina fundada na falsidade, no segundo, na possibilidade da falsidade.

Vamos avançar e considerar que o médium possui um desenvolvimento intelecto-moral tal que consiga controlar o teor de suas comunicações e mesmo acessar os "mundos superiores" sem se perturbar. E que ele, ainda, tem a virtude de passar estas informações de forma clara e precisa. É o que parecem considerar certos antropósofos em relação à Rudolf Steiner ou muitos espíritas em relação à Chico Xavier. Qual o mal disso? É que, nesse momento, a verdade flerta com o poder de forma muito perigosa. 

Uma tal pessoa, portadora desta aura de verdade, imporia suas concepções facilmente sobre muitos. Qual o problema se for a verdade mesmo? O problema é que, como Kardec bem considerava, não temos condição de saber a verdade de uma revelação apenas pela índole do médium mas apenas após a análise do conteúdo da mensagem, isto é, a verdade passa pela interação do médium e do ouvinte em pé de igualdade e respeito. Considerar como verdade qualquer informação emitida por um sujeito pretensamente portador de autoridade intelecto-moral é dar o pescoço à uma possível guilhotina. 

O projeto socrático consistia exatamente em ensinar às pessoas a, analisando as questões por elas mesmas, chegar a verdades construídas em diálogo que tem a força de apaziguar as exigências de dois espíritos sequiosos de verdade. Saíamos, assim, de uma monarquia para uma democracia. 

A natureza humana não comporta ainda estas perfeições projetadas em muitos médiuns e gurus. Toda monarquia guarda em si a corrupção do totalitarismo, e a democracia, a da demagogia. Aquele que se arvora portador de uma verdade limpa extraída de mundos superiores contra a qual ninguém pode se levantar está mais para um déspota ou demagogo do que para novo messias.

De outro modo, me parece que Steiner dava muito valor à filosofia da liberdade, pedindo para que todos os indivíduos analisassem suas verdades com o cuidado necessário, e Chico Xavier nunca tentou ser chefe de doutrina, sempre submetendo suas revelações ao evangelho de Cristo e às obras básicas de Kardec. Assim deve ser.

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