domingo, 7 de janeiro de 2018

Espírito Santo segundo o Espiritismo



Papai, que foi catequisado em cidade do interior do Ceará, afilhado de Padre Cícero, médico, um dos melhores de sua turma, muito sabedor de história, leitor contumaz de livros culturais, me confessava não entender muito a tal da santíssima trindade. Tendo me iniciado no espiritismo, passou a incumbência desta compreensão para mim.

Mesmo sendo uma seita herética em relação à igreja católica, entendo que não devamos desprezar a experiência da crença de toda uma história da comunidade cristã. O Espírito Santo e a Santíssima Trindade da qual ele participa são símbolos muito significativos onde todo aquele que se quer cristão, ainda que herético, deve se situar.

Já vi no movimento espírita se dizer que o Espírito Santo seria a plêiade de Espíritos superiores comunicantes que trouxeram a revelação espírita ao mundo. Seriam, portanto, Espíritos santos. Podendo ser tido como uma pessoa apenas simbolicamente, isto é, uma comunhão de Espíritos. Dizem ainda que as três pessoas da trindade não seriam consubstanciais. Pai originou filho que originou os Espíritos santos*. 

Como a trindade é um dogma fundamental, vê-se já por aí que, ao contrário do que Kardec imaginava em 1862, não dá pra ser espírita e católico ao mesmo tempo.   

Diz, contudo, o próprio catecismo da igreja católica do ocidente que "a tradição oriental exprime o caráter de origem primeira do Pai em relação ao Espírito" (art. 248) e que Este se origina Daquele a partir do Filho. Então, já que nem as igrejas católicas se entendem, acredito não estarmos cometendo tão grande pecado em discordar também e manter a posição: Pai origina Filho que origina Espírito Santo. 

Não creio, todavia, que o Espírito Santo seja os Espíritos santos, pois a grandeza do que a tradição cristã entende por Espírito Santo está em algo difuso que antes falava pelos profetas e após a promessa de Cristo do Paráclito passaria a estar para sempre entre os discípulos os conduzindo. O poder que essa descrição tem ultrapassa e muito essa ideia de uma legião de Espíritos norteadores. É como se fosse um poder de Deus capilarizado pelos seus filhos. 

O que seria, então, o Espírito Santo?

Ouso levantar a hipótese de que seja algo em nós de divino que Jesus despertou ao deixar seu rastro histórico. Está fora de nós e em nós ao mesmo tempo. É como um cordão umbilical renovado que nos religa (religião) a Deus. Ele nos permite prodígios e é o que torna possível a caminhada para a salvação. 

Os que se denominam portadores da mensagem esotérica cristã sempre falaram da dimensão da doutrina do Cristo que não nos queria salvar de fora, mas que nos devolvia o poder de salvarmo-nos a nós mesmos. 

Encarando assim o Espírito Santo, isto é, esta força beatífica que nos envolve e nos invade, despertada por Jesus, acredito que as duas visões se reconciliam: Jesus nos salvou acordando o poder salvífico em nós. A mediunidade é apenas um átomo desse poder, outros tantos surgirão, outras tantas forças hoje tidas como parapsíquicas, o homem novo, o homem-psi, ou ainda melhor, o homem santo que vai acordando gradativamente para sua inalienável imortalidade.  


* O assunto parece bem dogmático, no sentido kantiano, isto é, nada que possamos referendar pela experiência sensível, mas apenas pela discussão de imagens. Por esse interdito kantiano, aconselhava o filósofo que melhor seria calar. Não me calo porque considero que estas realidades hipostáticas se referem, de algum modo e em algum grau, a potências verdadeiras do espírito. Quando Kant evita esta discussão, interdita a assunção de sentidos que o cotidiano moderno abafou.

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