sexta-feira, 30 de março de 2018
Gnosticismos Vs Cristianismo: Quem tem o dom de me salvar?
Até onde pude apreender das seitas gnósticas que pululavam na Idade Média e cuja estrutura de pensamento anima muitos movimentos atuais, o que é uma constante nelas é a crença de que o ser humano pode Se salvar. O que separa a danação da salvação é um ato de compreensão da realidade cósmica, a gnose. Esta realidade é salvadora per Si, bastando ao homem (re)conhecê-La.
O Cristianismo ensinado pela tradição católica diz-nos que a salvação não é um dom humano, apenas de Deus, que esteve presente na história através de Jesus, este sim, único capaz de nos salvar. Seu ato salvífico se deu no sacrifício último da cruz. Para que possamos nos salvar só pode ser através Dele. Não basta apenas compreendê-Lo, é preciso aceitá-Lo como a verdade salvífica encarnada, pela fé.
Veja que há uma antinomia nessas duas teses. Ou salvo a mim mesmo ou alguém me salva.
Os grandes movimentos revolucionários dos últimos séculos estão fundamentados em gnosticismo. Do positivismo comteano, passando pelo socialismo marxista, chegando ao ecologismo radical a salvação está ao alcance do ser humano, providenciada por um ato dele, iluminado por uma consciência superior (a da positividade da história em Comte, a da necessidade revolucionária em Marx, a do reconhecimento de Gaia na filosofia verde). Dessa forma, todos eles tiveram de desmerecer a tese da salvação única e exclusivamente através de Cristo.
Como toda boa antinomia, não acho que a segunda tese seja facilmente descartável. Primeiro porque a realidade do aqui e do agora nos mostra a precariedade da natureza humana, nossa fragilidade, nossa tendência despudorada ao pecado. Como enxergar nisso uma via de salvação?
Respondem os gnósticos, revelando um Eu superior que se agita em cada um de nós. Contudo, essa intelecção do Eu superior, embora seja uma hipótese elegante, não é fácil de materializar. Somos, quando muito, seres mais ou menos bons, algumas vezes caridosos, quase sempre cruéis. A desconfiança contra o próximo tem sua razão de ser. Estivemos há pouco sob risco de extinção pelo nosso próprio mérito.
Falam os gnósticos, então, que há eras na humanidade, das quais a nossa é a pior, e que a partir de então tudo tende a melhorar. Vê como é fácil enxergar uma má-fé nestas explicações? Quando o argumento é contundente, eles nos devolvem a explicação para um lugar que não podemos alcançar: um Eu superior, uma outra Era.
A tese do Cristo salvador tem o mérito de dar ao homem uma possibilidade atual de salvação. A qualquer momento, é só crer. Não há Era ou Eu, é apenas você, do jeito que é, com o Cristo. É um encontro pessoal e inalienável. Dir-se-á que esse Cristo é um transcendente ilusório. Não para aquele que crê, que o sente, que o experimenta em si às lágrimas. Também não mais, e talvez até menos, do que a comunidade politicamente correta, a comunidade justa ou o homem enfim em paz com a natureza.
Quem reconhece a própria falibilidade, o que é uma tremenda sensatez, e enxerga no Cristo a imagem do justo ressuscitado, Nele entregando seus podres para prosseguir redimido pertencente à uma igreja harmonizada pela presença estruturadora Dele, já experimenta uma felicidade que outros adquiririam a custa de peiote.
Parece óbvio que sou eu que me salvo. Parece necessário que tenha de haver um Cristo para me salvar. Não sei se encontraremos um apaziguamento dessa antinomia tão cedo.
segunda-feira, 26 de março de 2018
Um familiar meu falecido vem pedindo reza em sonho
Amiga: Bom dia, Allan! Por favor, tira uma dúvida. A senhora que está morando na antiga casa do meu avô, disse que ele está aparecendo pra ela e pedindo pra família rezar por ele, mandar fazer missa e acender vela. Essa senhora não o conhecia, mas está com muito medo. Como é que a gente pode saber se é verdade? Poderia ser uma alucinação, mas o conteúdo não é compatível. Apesar do medo, não há outros comemorativos para um surto psicótico. Enfim...
Resposta: A história de vida dele é de alguma forma compatível com que ele, depois da morte, esteja precisando de amparo? Se sim, não custa nada rezar na intenção dele. Se não, não haveria porque se exasperar com essa pretensa revelação da senhora que está lá. Claro que é impossível, no fundo, saber a vida íntima de alguém, e saber se ela realmente não esteja precisando de ajuda. Mas, de todo modo, se fizer muito tempo que ele faleceu, por que ainda não conseguiu receber ajuda de seu anjo-da-guarda? O anjo-da-guarda é infinitamente mais poderoso do que qualquer um de nós.
Uma boa prece seria pedir luz para que ele consiga enxergar o próprio anjo, às vezes as pessoas se fecham para a ajuda. Outra coisa que acontece é Deus permitir a comunicação de um ente querido a fim de que a família como um todo se volte para a espiritualidade. De novo, não custa nada colocar nossos ancestrais em nossas preces. A cultura japonesa faz isso lindamente, e em larga escala, pela religião Shintō. Aqui, na nossa cultura do aqui e agora, particularmente esta que viemos construindo no último século, costumamos perder o contato afetivo com nossos ancestrais depois de eles terem ultrapassado a soleira da morte.
De todo modo, se você tem realmente desejo de receber alguma mensagem de seu avô, o Lar de Clara faz essa atividade de "correio do além". Vou te passar o endereço: R. Ubaldo Sólon, s/n - Guaié, Caucaia
O que acontece lá é nesse estilo aqui:
Crítica teatral à certa peça de amigos
Um grupo de teatro espírita amigo havia me convidado para criticar sua peça. Depois me pediram para escrever o que havia dito, como se fosse um manual de instruções das possibilidades de reconstrução. Teria sido essa a vontade deles? Quase o fiz. Sentei pra fazer, mas me veio a vontade de apenas reforçar a ideia, a força, o emblema.
Amigos,
É importante ter em mente que ninguém escreve um texto sem estar filiado à uma cosmovisão. Isso é ponto pacífico nas ciências humanas. Mesmo o artista que quer se dizer independente de escolas está participando da escola dos independentes, e isso virou moda na arte moderna. A regra é transgredir, e virou regra mesmo. De tal forma que se alguém segue regras antigas é execrado pelos pares que não seguem regras. A cosmovisão está explícita: não há regras porque o mundo é um caos, é a ausência de sentido, é um conjunto de forças aleatórias que nos dilaceram. A lógica é a do desespero. O mal estar é a norma, e a resposta só pode vir do próprio acaso, que também pode gerar a piora da depressão. Ninguém o domina mesmo, este tal de acaso.
Percebi isso na medicina. A cada 5 anos, diziam pra gente, tudo mudava dos dogmas médicos, por isso que ninguém deveria se fiar em livros que tivessem mais de 5 anos. Sempre tive um incômodo com isso. Era óbvio, todos aceitavam. Eu não. Eu odiava essa perspectiva. Depois fui entender que me incomodava com aquilo porque fui criado e acreditava piamente que havia verdades eternas que conduziam a realidade apesar da voracidade do tempo que mastiga tudo. O que havia em mim era a luta entre essa minha forma de ver a vida e a forma que a medicina queria me impor.
Por que essa digressão? Porque quando vocês dizem abertamente que não vão falar sobre isso ou aquilo do Espiritismo, apesar de serem espíritas, estão abrindo a brecha para que outra cosmovisão assuma a lacuna que vocês deixaram. Quem é a filosofia mais óbvia que pode assumir a lacuna de quem abdica dos seus dogmas religiosos? A materialista ou imanentista (o aqui e o agora somente).
Sartre dizia que a ideia de Deus era de menor importância para construir seu sistema filosófico. Ora, só porque o seu sistema filosófico erigia o homem como deus de si (a existência precede a essência). Não era que a ideia de Deus era de menor importância, mas surgia como uma inconsistência e um contra-argumento devastador. A maior parte dos filósofos do mundo entreguerra construíram sistemas que buscavam uma explicação que a ideia de Deus não havia sido suficiente para explicar - para eles. Daí vir os sentimentos mestres destas correntes: a filosofia do tédio, da falta de sentido, da insignificância do sujeito, e do desespero. Como reconstruir respostas apenas com estes elementos?
Resposta espírita: não dá.
Se estes sistemas filosóficos tivessem analisado o fenômeno das mesas girantes com respeito, teriam percebido que:
- Não há tédio, pois a música quase ao final dá sempre uma guinada, e mais outra, quando reencarna, e assim vai;
- Não há falta de sentido. Se olharmos apenas para a vida dentro da vida, não há sentido. Ir da vida para a vida, do aqui para o aqui não é sentido nenhum. Só faz sentido falar de sentido, se houver um fora da vida para onde nossa vida está apontada;
- Não há insignificância do sujeito. O coração teimoso persiste glorioso após o esmagamento de toda a matéria arredia. E o que sobrevive é o coração de pessoas singulares, sujeitos na maior acepção do termo.
- Não há desespero último. A estrutura da realidade está sempre grávida da intervenção divina, esperando apenas o tempo de acontecer o advento de Cristo em nós. Esperar, e vir a acontecer sempre no momento oportuno.
Então, uma peça espírita não é espírita porque contém as palavras reencarnação, obsessão, imortalidade da alma, mas porque as histórias que nela se desenrolam:
- Possuem um sujeito que fala, para quem Deus olha como pessoa singular, não perdido numa massa qualquer, mas um filho querido;
- Possuem sentido que transcende todo e qualquer problema, desfaz todo e qualquer nó, ressuscita em redenção. Sempre tem que haver redenção, senão não acabou a história;
- Se há essa resolução redentora, adeus tédio! Bem-vinda roda viva que continua a girar em círculos espiralados para o alto e além;
- Não há desespero último, pois a espera sempre é beijada pelo advento do amado. Este amado era o esperado, aquele que haveria de vir. E ele desce para resgatar todos os que estavam perdidos.
Esse último elemento é bem cristológico, mas também não precisa ser o próprio Cristo. A velinha do final da peça é a vozinha amada que o garoto do lado esperava. O garoto é a companhia querida que a vozinha almejava. Estes dois são os ouvidos atentos que o músico queria para dedilhar seus acordes finais. Mas, mesmo o encontro dos três é pouco, pois a promessa espírita é que "o amado" resgata as pessoas da corrupção da carne, isto é, de sua mortalidade. Esse encontro, para ser cristológico, tem de gerar vida, e vida eterna - para todos e para cada um. Esse encontro é revolucionário, entorta rotas, revolve os caminhos, desnorteia os de visão obtusa de tão clara que é a luz que dele explode.
Toda solução das histórias espíritas se resolvem com a geração de vida, e vida eterna - para todos e para cada um.
Acho mais fácil entregar estas reflexões do que ficar tricotando a peça de vocês com intervenções minhas. Coloquem isso na cabeça, que foi o que aprendi até agora, e acho que conseguiremos construir bem nossos enredos.
Obrigado por me darem ouvidos, fico lisonjeado!
O poder magnético da prece
Fui convidado para falar sobre o poder magnético da prece. Quando, em meio espírita, assim nos solicitam, um nome não pode deixar de ser mencionado: Mesmer.
Allan Kardec, embora tenha nascido para o círculo intelectual francês com os dotes de professor de crianças ao estilo pestalozziano, enveredou por vários campos do saber, culminando em ser um dos mais eminentes estudiosos do magnetismo animal ou mesmerismo.
Conhecemos as práticas magnéticas popularmente sob a alcunha de hipnotismo. O que diferencia a sugestão hipnótica moderna da exercida à época de Kardec é a explicação do fenômeno.
O cotidiano nos apresenta o magnetismo pelo comportamento ferromagnético de alguns metais, são as experiências de imantação. O que elas nos dizem é que alguns corpos na natureza podem influenciar outros corpos sem forças de contato. O médico Franz Anton Mesmer (1734-1815) verificou que essa propriedade era extrapolável para a natureza humana, chamando a isso de magnetismo animal. Essa influência pode ser tanto benéfica quanto maléfica. Podemos, portanto, modificar o moral de outros corpos auxiliando-os ou prejudicando-os. O Dr. Mesmer empregou isso de forma médica e desenvolveu uma teoria explicativa.
Para que um corpo exerça influência sobre outro a distância era preciso que algo os conectasse de algum modo, fazendo com que a substância de um estivesse em relação direta com a do outro. Se não havia matéria palpável e visível para tanto, deveria haver uma matéria sutil entre ambos, passível de ser afetada pelo impulso que um deles emitia, transmitindo este impulso para o outro, que sofreria suas consequências. A esta matéria sutil deu o nome de fluido cósmico. Aproveitava assim uma crença anterior de que todos os corpos estavam imersos em uma grande massa quintessencial chamada éter. No éter nos movemos, afetamo-lo e por ele somos afetados. Eis uma explicação quase nunca abordada de onde o filósofo Baruch Spinoza (1632-1677) tirou sua ideia de uma substância divina causa primária de todos os seres como afetos de seu grande corpo cósmico.
Dessa forma a explicação fica fácil tanto para o magnetismo mineral quanto para o animal. A afetação recíproca dos corpos é possível porque estamos mergulhados nessa substância sutil capaz de se deformar e propagar a deformação característica imprimida sobre ela.
O mesmerismo, febre que foi por um tempo, passou a ficar à margem das ciências médicas, escanteado como charlatanismo, superstição. Recentemente, os estudos de antropologia cultural voltaram a analisar os fenômenos de influência não tangível que alguns humanos poderiam exercer sobre outros, particularmente em culturas xamânicas. O mais notável antropólogo que divulgou estes estudos foi Claude Levi-Strauss (1908-2009). Em seu trabalho "o Feiticeiro e sua Magia” ele descreve a morte provocada por rituais e palavras de encantamento. Contudo, a explicação que agora era dada para a questão passava ao largo de qualquer concepção de massa etérica, referindo-se, então, a certa estrutura simbólica compartilhada entre os indivíduos partícipes do ritual. Por esse modelo explicativo, apenas pessoas mergulhadas na mesma estrutura simbólica eram passíveis de serem afetadas pelas palavras e gestos do xamã.
O que dizer, no entanto, das curas que Jesus provocava à distância, como aquele do servo do centurião romano?
"Entrou Jesus em Cafarnaum. Um centurião veio a ele e lhe fez esta súplica: Senhor, meu servo está em casa, de cama, paralítico, e sofre muito. Disse-lhe Jesus: Eu irei e o curarei. Respondeu o centurião: Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha casa. Dizei uma só palavra e meu servo será curado. (…) Dirigindo-se ao centurião, disse: Vai, seja-te feito conforme a tua fé. Na mesma hora o servo ficou curado." (Mateus 8:5-8; 13)
O centurião, que era romano, não participava da mesma estrutura simbólica de Jesus, que era judeu. O servo estava distante e, embora talvez tivesse fé, não previa o momento das palavras e gestos de Jesus para “na mesma hora” ser curado. A explicação, pois, estruturalista do Prof. Strauss não cabe nesse contexto, sendo mais coerente retornarmos a noção do fluido cósmico afetado por Jesus para propagar a energia de cura.
O que essa discussão deve provocar é o aumento de nossa convicção a respeito da força de nossos gestos e dizeres a favor ou contra as pessoas. Toda vez que abençoar um filho ou um amigo saiba que essa bênção é mais do que um símbolo que hoje, nessa sociedade cada vez mais dispersa, tem cada vez menos valor. A bênção, ou a maldição - que seja sempre a bênção! -, tem força de contato (afago ou punhal) sobre as pessoas, quer elas queiram ou não. E quando alimentado por um grupo inteiro geram aquele clima benfazejo ou funesto, leve ou pesado, de certos lugares.
De outro modo, sobre as preces de caráter petitório direcionadas a Deus, além do chamado da ação direta de Deus em nossa vida, utilizando o modelo explicativo mesmeriano, atuam modificando o fluido cósmico ao nosso redor tornando-nos mais favoráveis de receber influências e promover ações que facilitem a consecução de nosso desejo.
Mais cuidado com nossas preces!
terça-feira, 6 de março de 2018
E fez-se a luz... e a escuridão!
Ideia de peça segundo a concepção que tenho da criação do universo, em linhas mitológicas.
(Deus tem um corpo avantajado feito uma montanha, mas tem movimentos leves de bailarino. Neste dia está resfriado e feliz. Entra em palco dançando e, de repente, um grande espirro. Um estrondo se faz ouvir, as luzes apagam, gradativamente vão-se acendendo luzes pequeninas no pano de fundo: são as estrelas que nasceram de seu espirro. Uma atriz vestida de estrela despenca no palco e se levanta mostrando a barriga grávida. Lembrem sempre que Deus é um dançarino e que a cada novo espirro há estrondo e estrelas).Deus: Minha Vida, você traz vida para mim!
Estrela: Meu Senhor, você me faz viva assim. Grávida de todos os seres que começarão a habitar nossa mansão.
Deus: Tinha você em pensamento desde o início da eternidade. E o amor que de lá trago parece ter se feito todo em você. Veja o tamanho da barriga!
Estrela: São muitos, meu Senhor, mas fico aflita em saber que serão deles quando saírem de mim.
Deus: Tenho trabalhado leve em um berço duro para lhes acolher. Meus queridos espíritos... Espíritos... Está bom estes nomes para nossos filhos?
Estrela: Sem querer questionar Sua sabedoria, queria que cada um fosse chamado diferente.
Deus: E serão! Mas, são tantos e tão diferentes que cabe perfeitamente que os chamemos assim: espíritos. Nossos bebês! Vai que nasce um e se chama José. Será José amado como José. Vai que nasce outro e se chama Maria. Será Maria amada como Maria. Vai que nasce mais um e se chama João. Será João amado como João.
Estrela: Venho já costurando o nome de muitos neste negro bordado que nos envolve, cada constelação.
Deus: Venho fazendo berços de pedra para que os possamos acalentar.
Estrela: Venho aquecendo meu corpo para os ninar.
Deus: Venho esfriando bolotas de fogo para os ver correr por aí, escapulidos das pedras, pelo canudo das plantas, engolido por animais, revestidos por corpos humanos...
Estrela: O Senhor, meu esposo, já fez todo um programa de diversões para nossos pequenos. E eles apenas aqui estão. (aponta a barriga enorme).
Deus: Não se preocupe que eu esteja pensando no futuro deles, minha Vida. É que o tempo na minha cabeça não passa. Ontem quando os criei já não mais existe, tanto quanto o futuro em que, depois de crescidos, viverão ao meu lado. Nem ontem, nem amanhã. Nada existe lá, porque tudo está aqui, no meu coração presente. Vivo a sua gravidez com a mesma intensidade de quando engravidou e de quando vai parir.
Estrela: Difícil entender o tempo que se passa aí.
Deus: Pára de compreender, fecha os olhos, acalma, deixa nossos filhos sair.
(A Estrela dança uma valsa com Deus em que ele a conduz até o sono. Deus funga toda a luz da cena e sopra no ventre de Estrela. Uma grande luz se faz. Risos de crianças se espalham pelo ar. Estrela acorda já sem barriga e passa a admirar os risos, os sininhos e, por fim, a caixinha de música que toca ao fundo. Um berço de pedra está balançando no centro do palco. Uma música começar a tocar. De dentro do berço um homem de pedra sai engatinhando e, no ritmo da dança, ganha o espaço até estar bem ereto a bailar. Deus e Estrela entram na dança de vez em quando, apenas conudizindo-o até ele conseguir dançar sozinho. Outros homens de pedra se misturam na dança até serem aos poucos substituídos por plantas, depois por animais e, enfim, numa cena, em que Deus e Estrela a assistem suspensos em tronos em nível superior. Vê-se surgir homem de carne, quase pelado, se encontrando no palco, reconhecendo o corpo, reconhecendo o enredor, e vendo, ainda, pedras, plantas e animais a gravitar em seu redor).
Deus: Filho, como estás?
Homem: Sinto-me estranho, meu Pai. Meu corpo é frágil, não tenho raízes, mal tenho agilidade nas pernas, meus pêlos caíram quase todos, mas eis que me encontro aqui a poder lhe falar tudo o que sinto.
Estrela: Você está lindo, meu Filho!
Homem: Mas, estranho... Tudo que ao redor existe, para eles vejo uma função. Para mim, para que sirvo? O que devo fazer?
Deus: Depois de ter aprendido sobre como manter seu próprio corpo coeso, e ter entendido a importância das raízes; depois de ter conhecido o lar que criei para você, explorando o espaço, devo te entregar o mais precioso dos bens.
Homem: Qual seria, meu Pai?
Deus: A oportunidade de conhecer a si mesmo através de si.
Homem: Eu me conheço desde sempre. Sou Seu filho e a Sua vontade cumprirei.
Deus: É da minha vontade que meu filho não seja meu servo, mas venha a mim pela própria vontade. Até então estive lhe guiando com uma intensidade que encobria o seu mérito. A partir de hoje devo entrar em silêncio e me confundir com o espaço.
Homem: Pai, já não lhe vejo! Onde estás?
Deus: Sempre ao seu lado.
Estrela: Meu Senhor, permita-me iluminar o caminho desse menino.
Deus: Seja feita a sua vontade!
Homem: Mãe, não posso olhar para a senhora, há brilho demais!
Estrela: O que houve, meu Esposo!
Deus: É chegado o momento de ele construir as próprias leis, querida. Se você estiver muito ao lado dele, pode cegá-lo ou queimá-lo e nunca, assim, atingirá a lição derradeira. Permito que você o ilumine e o aqueça, mas de longe, muito longe.
Estrela: Entendo!
Homem: Não se afaste mãe, não se afaste! Por favor...
Estrela: Não se preocupe, meu bebê. Centuplicarei o meu brilho para que possas aproveitar o calor do meu colo e, ainda distante, sua vida se nutrirá de mim. Não posso ser onipresente como Seu pai. Mas, posso brilhar com tamanha intensidade, que é como se eu estivesse sempre ao lado.
Deus: Porém, como ele irá conhecer tudo o que a ele pertence, se todo o tempo o seu brilho de mãe ofuscar o resto do universo? Preciso, querida, que todos os dias se esconda um pouco para que ele possa ver os outros irmãos que espalhei por aí, semeados em outros planetas iluminados por outras luzes que não a sua.
Estrela: Que seja feita Sua vontade, Meu Senhor! Não se esqueça de mim à noite, filho. Trarei meus braços ao amanhacer para lhe acalmar. Permita, ao menos, que ele descanse quando eu estiver longe, querido.
Deus: Permito! A isso chamarei de sono. E nesse momento, poderás ser livre da matéria para vir até nós ou vagar por aí caso decida não nos encontrar ou se vier a nos esquecer.
Homem: Nunca irei me esquecer daquele que sei que é a fonte de toda a vida!
Deus: Você precisa crescer, filho! Nunca acontecerá isso se ficar todo tempo no nosso encalço. Preciso que conheça seus irmãos, amando-os como se eles fossem o bem mais precioso.
Homem: O Senhor é o máximo bem! Minha mãe a mais sagrada companhia!
Deus: É por esta relutância que a partir de hoje permito que possa duvidar da minha existência, tapar os ouvidos à minha voz, seguir a própria vontade, ainda que ela signifique a morte. Sempre farei com que renasça de novo até que Me encontre de fato.
(A grande luz de Estrela se apaga e o homem passa a ouvir apenas os barulhos da noite).
Homem: (assustado) Pai? Mãe? Onde estão? Falem comigo?
(Chega a Mulher tão assustada quanto o Homem).
Mulher: Quem é você?
Homem: Eu que pergunto: quem é você?
Mulher: Não sei mais.
Homem: Nem eu...
Só mais um instante
(O quadro é de luto dentro do palco. Há um caixão, pessoas chorando, um
aglomerado de amigos ao redor da viúva e de dois filhos. Alguns dos
presentes estão parados, velando. Outros conversando amenidades que não
se ouve. Do lado do caixão, o recém-morto fita a ainda esposa. Um amigo
espiritual está ao seu lado tentando lhe convencer a partir)
Amigo: Por que você insiste em ficar?
Morto: (sem desespero ou angústia) Não insisto. Só peço mais um minuto.
Amigo: Não vai lhe fazer bem.
Morto: Mas, quero sentir.
Amigo: O quê? A tristeza dos que ficam?
Morto: O amor por quem parte.
Amigo: Esse amor é desespero.
Morto: Qual aquele que nunca foi?
Amigo: Os amores serenos existem e nos agradam.
Morto: Aqui na Terra, amigo, a serenidade dura um instante. Por favor, só mais um momento.
(A viúva se aproxima do caixão e coloca o lenço ao rosto soluçando, tentando ao máximo ser discreta. Ela toca o rosto do cadáver. O morto sente ali do lado. Coloca a mão no peito de forma discreta e doída.)
Amigo: O que foi? Sente algo?
Morto: Que importa? Já morri.
Amigo: Isso pode lhe custar mais algum tempo nas zonas de recuperação.
Morto: Parece que tempo é algo que já não me falta.
(O filho chega e beija a cabeça do cadáver. O morto sente, fecha os olhos e sorri).
Morto: Ele não costumava me beijar.
Amigo: Antes fosse quando você podia sentir.
Morto: Mas, eu senti.
Amigo: Estamos demorando demais aqui. Acho que você está piorando a tristeza deles.
Morto: Não sente que é amor?
Amigo: É tristeza.
Morto: Aqui na Terra, amigo, o amor tem suas vezes de tristeza. Por favor, só mais um pouco. Estou bem.
Amigo: Está chorando.
Morto: Porque estou indo embora, é normal. Deixe só mais algumas lágrimas cair.
(A filha chega e deita sobre o peito do cadáver. O morto sente e encurva o peito como a lhe acolher).
Morto: Desde pequena ela faz isso.
Amigo: (silêncio)
Morto: Quando vou poder voltar?
Amigo: Quem sabe? Só Deus.
Morto: Então, Deus, me dê só mais um instante antes de partir.
Amigo: Por que você insiste em ficar?
Morto: (sem desespero ou angústia) Não insisto. Só peço mais um minuto.
Amigo: Não vai lhe fazer bem.
Morto: Mas, quero sentir.
Amigo: O quê? A tristeza dos que ficam?
Morto: O amor por quem parte.
Amigo: Esse amor é desespero.
Morto: Qual aquele que nunca foi?
Amigo: Os amores serenos existem e nos agradam.
Morto: Aqui na Terra, amigo, a serenidade dura um instante. Por favor, só mais um momento.
(A viúva se aproxima do caixão e coloca o lenço ao rosto soluçando, tentando ao máximo ser discreta. Ela toca o rosto do cadáver. O morto sente ali do lado. Coloca a mão no peito de forma discreta e doída.)
Amigo: O que foi? Sente algo?
Morto: Que importa? Já morri.
Amigo: Isso pode lhe custar mais algum tempo nas zonas de recuperação.
Morto: Parece que tempo é algo que já não me falta.
(O filho chega e beija a cabeça do cadáver. O morto sente, fecha os olhos e sorri).
Morto: Ele não costumava me beijar.
Amigo: Antes fosse quando você podia sentir.
Morto: Mas, eu senti.
Amigo: Estamos demorando demais aqui. Acho que você está piorando a tristeza deles.
Morto: Não sente que é amor?
Amigo: É tristeza.
Morto: Aqui na Terra, amigo, o amor tem suas vezes de tristeza. Por favor, só mais um pouco. Estou bem.
Amigo: Está chorando.
Morto: Porque estou indo embora, é normal. Deixe só mais algumas lágrimas cair.
(A filha chega e deita sobre o peito do cadáver. O morto sente e encurva o peito como a lhe acolher).
Morto: Desde pequena ela faz isso.
Amigo: (silêncio)
Morto: Quando vou poder voltar?
Amigo: Quem sabe? Só Deus.
Morto: Então, Deus, me dê só mais um instante antes de partir.
As três missões do Dramaturgo
Todos os que escrevem histórias sobre o mundo, temos uma grande missão. Dizem que inventamos cenas, situações e conflitos, então seria sob uma ilusão que faríamos as pessoas viver e se apaziguar na catarse dos espetáculos. Digo, porém, que revelamos realidades, cujo melhor ângulo de visão se mostra ao se apresentar fora das pessoas. Misturada a vida com nosso corpo, os invisíveis seres passam por nós, não porque são invisíveis, mas porque somos eles.
O dramaturgo tem esse divino dom de enxergá-Los, arrancá-Los da escuridão, iluminá-Los no palco, e deixar que nós os reconheçamos.
O dramaturgo tem esse divino dom de enxergar-Nos, Nos arrancar da escuridão, Nos iluminar no palco, e deixar que nos reconheçamos.
O dramaturgo tem esse divino dom de enxergar-Se, arrancar-Se da escuridão, iluminar-Se no palco, e deixar-Se reconhecer.
O dramaturgo tem esse divino dom de enxergá-Los, arrancá-Los da escuridão, iluminá-Los no palco, e deixar que nós os reconheçamos.
O dramaturgo tem esse divino dom de enxergar-Nos, Nos arrancar da escuridão, Nos iluminar no palco, e deixar que nos reconheçamos.
O dramaturgo tem esse divino dom de enxergar-Se, arrancar-Se da escuridão, iluminar-Se no palco, e deixar-Se reconhecer.
Por uma dramaturgia espírita
Neste novo marcador, dramaturgia, trago minhas aventuras nesse campo.
Uma reflexão preliminar para esse movimento de alma:
Reconstruo-me no que escrevo. Não sei escrever algo que não passe a fazer parte orgânica de mim, de tal forma que esta escrita tenha descendido diretamente de uma paixão ou de uma melancolia. Tenho muitas, portanto, muitos motes. Quem não as tem? Deveríamos ter mais peças viscerais por aí. Acredito que seríamos mais sinceros uns com os outros se assim o fosse. Há sempre o perigo de alguém se utilizar desses segredos criptografados (psicografados?) contra nós. Que seja! Assim a nossa biografia fica mais emocionante e pode vir a dar uma ótima peça ao cerrar nossas cortinas, neste rápido ato em que ora estamos. Nunca esqueça que sempre haverá um próximo para recolocar tudo nos eixos e engendrar um final feliz, sim, sempre um final feliz.
... ainda que seja um final para além do fim...
domingo, 4 de março de 2018
Diálogo in extremis
(Um padre chega ao leito de morte de um, digamos, quase-pagão para fazer a extrema-unção)
Padre: Aceita Jesus como seu único Deus e salvador?
Quase-pagão: Não.
P: Por que não?
QP: Não posso.
P: Você reconhece a grandeza de Jesus?
QP: Demais.
P: Então?
QP: Não ao ponto de fazê-lo o próprio Deus.
P: Você concebe Deus fora da imagem de Cristo?
QP: Não.
P: Ficou menos compreensível ainda sua negação.
QP: Cristo é, do Deus transcendente, a Sua imanência no mundo. Todo aquele que ascende à completa consecução da Vontade do Pai passa essa intensidade da encarnação de Deus. Não conheço outro na história humana que tenha sido melhor manifestação.
P: Você está se enrolando.
QP: Não. Não conheço, eu disse, não posso afirmar que não há. Minha vida, nos limites que a dimensão humana me impôs, fazem-me reconhecer Jesus como Aquele que veio nos salvar. Não posso, por força do infinito que nos foi revelado nos últimos séculos, reduzir todo o cosmos ao homem que, de outro modo, foi a minha unção de Deus.
P: Você concebe alguém maior que Cristo?
QP: Não. E isso fala menos a favor da grandeza dele do que da minha pequenez. Dediquei-me a vida para que esta pequenez não representasse um tributo à verdade, mas a Cristo.
P: Se você não reconhecer Cristo como seu senhor e salvador é possível que o inferno te espere.
QP: Eu entendo seu ponto, padre. Sei mesmo das passagens que podem fundamentar essa sua fala. É forte sua ameaça. Vejo o fogo eterno que pode me queimar sem nunca me consumir. Espero que este momento histórico que vivemos, imperfeito, inacabado, não tenha conseguido enxergar o sentido último da danação e da salvação. Espero que sua fala não represente a verdade um dia dita e para sempre lacrada da palavra de Deus. Acredito que esta palavra desdobra o seu sentido na história, que a história não chegou ao fim, que talvez nunca chegará, que apenas no além é que possamos findar as disputas. Aqui vivemos de carne, sangue, ossos e interpretações, logo ali viverei a verdade.
P: É possível que sua passagem para o céu seja vedada por esse orgulho.
QP: Que ao possível seja dada minha última devoção. A criação, desde todo o sempre inacabada, cerrará suas portas quando encerrar meu suspiro. A terra prometida, creio que não é aqui. A promessa se cumpre fora deste nosso encontro, padre. Sinto-me como a nubente na noite de núpcias. O meu amado não é você.
Miscelânia de reflexões teológicas
A cruz representa uma tensão que aponta para algo impossível de representar: a ressurreição.
A Teologia da graça coroa a da esperança, superando dialeticamente a Teologia da lei.
Paradigma holográfico: que a igreja represente o corpo e Jesus o espírito, que por aquela haja eros, e por este haja ágape, não impede, pelo contrário, exige que o amor seja derramado para cada membro da igreja como se ele fosse ela toda.
A Teologia da graça coroa a da esperança, superando dialeticamente a Teologia da lei.
Paradigma holográfico: que a igreja represente o corpo e Jesus o espírito, que por aquela haja eros, e por este haja ágape, não impede, pelo contrário, exige que o amor seja derramado para cada membro da igreja como se ele fosse ela toda.
quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018
Mitologia e Morte
Convidado para palestrar acerca das concepções de morte nos diferentes contextos históricos, filosóficos, morais e religiosos, entendi que a melhor forma de abordar este tema seria falando sobre mitologia.
Deixo ao final o link do áudio da palestra, que acabei tendo que complementar em um segundo momento, em casa, porque não consegui finalizar a contento o tema, cortando partes que considerava fundamental expor.
Por que a mitologia para falar da morte?
A questão não é só por que a mitologia, mas sim por que o objetivo era que abordasse esses múltiplos contextos que praticamente tocam quase todas as dimensões da forma de nós humanos conhecermos o mundo.
A mitologia, contrariamente do que se entende no senso comum, não é superstição, mas a matéria-prima simbólica da qual extraímos a nossa grade de compreensão do mundo.
Se não tivéssemos nos aventurado em qualquer narrativa mitológica, embora seja inconcebível essa hipótese pela irrealidade histórica dela, não teríamos tido força cognitiva suficiente para formular qualquer outro discurso.
As imagens que nascem da mitologia povoam nossa mente. As imagens que povoam nossa mente nos fazem reconhecer a mitologia. Mas, apenas o casamento entre a narração e as imagens da nossa mente que dá certo é que sobrevivem no tempo. Gilgamesh, mitologia babilônica, tem cinco mil anos!
Os mitos tem história. Vê-se que são retalhos ou superposições de histórias, com várias edições. Tratam de teologia, pois descrevem nossa relação com divindades; de filosofia, já que apontam ações organizadoras da nossa forma de ver o mundo; de moral, uma vez que norteiam condutas práticas de relação entre os seres humanos, e às vezes de povos, no cotidiano.
Kardec decidiu não se aprofundar nestes assuntos, preferindo sempre as construções racionais dos modernos, embora tenha feito ensaios em O céu e o inferno e em A Gênese. Mas, hoje e cada vez mais, estamos vendo o quando precisamos reler as mitologias, as resistentes à corrosão do tempo, para nos entender.
Assim, seguem minhas falas:
Deixo ao final o link do áudio da palestra, que acabei tendo que complementar em um segundo momento, em casa, porque não consegui finalizar a contento o tema, cortando partes que considerava fundamental expor.
Por que a mitologia para falar da morte?
A questão não é só por que a mitologia, mas sim por que o objetivo era que abordasse esses múltiplos contextos que praticamente tocam quase todas as dimensões da forma de nós humanos conhecermos o mundo.
A mitologia, contrariamente do que se entende no senso comum, não é superstição, mas a matéria-prima simbólica da qual extraímos a nossa grade de compreensão do mundo.
Se não tivéssemos nos aventurado em qualquer narrativa mitológica, embora seja inconcebível essa hipótese pela irrealidade histórica dela, não teríamos tido força cognitiva suficiente para formular qualquer outro discurso.
As imagens que nascem da mitologia povoam nossa mente. As imagens que povoam nossa mente nos fazem reconhecer a mitologia. Mas, apenas o casamento entre a narração e as imagens da nossa mente que dá certo é que sobrevivem no tempo. Gilgamesh, mitologia babilônica, tem cinco mil anos!
Os mitos tem história. Vê-se que são retalhos ou superposições de histórias, com várias edições. Tratam de teologia, pois descrevem nossa relação com divindades; de filosofia, já que apontam ações organizadoras da nossa forma de ver o mundo; de moral, uma vez que norteiam condutas práticas de relação entre os seres humanos, e às vezes de povos, no cotidiano.
Kardec decidiu não se aprofundar nestes assuntos, preferindo sempre as construções racionais dos modernos, embora tenha feito ensaios em O céu e o inferno e em A Gênese. Mas, hoje e cada vez mais, estamos vendo o quando precisamos reler as mitologias, as resistentes à corrosão do tempo, para nos entender.
Assim, seguem minhas falas:
sábado, 24 de fevereiro de 2018
Diálogo com um Espírito enfrentando o medo da morte
Por que você não quer partir?
Por tudo que eu construí aqui e por tudo que eu ainda tenho para construir.
Mas, do outro lado ainda há vida.
Uma vida completamente nova. Eu queria ficar com os meus.
Há seus também por lá.
Pode ser consoladora a ideia de que há uma família que ultrapassa essas nossas vivências na carne, mas as experiências na carne nos marcam de uma forma que parece a ferro e fogo. Você já tentou fazer feliz uma mulher? É a coisa mais difícil que se pode tentar. Nunca se sabe ao certo o acerto. É um jogo de surpresas. Mas, quando se consegue, é prazeroso para os dois. Tanto mais quanto mais difícil. E criar uma criança? Querer o bem dela diuturnamente. Se enfurecer de tanto que ela não segue suas ordens, mas se felicitar por vê-la crescer exatamente nesse processo de te desobedecer, por estar encontrando o espaço dela no mundo. Pois bem, esses esforços que fazemos não dão apenas sentido a nossa vida, dão cor, sabor, textura, substância, nos fazem, necessariamente ter raízes. Depois de todo esse processo trabalhoso, oneroso, vem a morte e quer nos arrancar.
Mas, você poderá continuar tendo contato com seus amores, mas de um outro modo.
Que modo você fala? Com a invisibilidade e a intangibilidade próprias dos Espíritos errantes. Teve uma vez que fiquei afastado de meus filhos por causa de um exame que tive de fazer. Haviam me dado uma substância radioativa e orientado para se afastar deles. Decidi mudar para a casa de minha mãe, para nem correr o risco desse irradiação os fazer qualquer mal. Olhava-os pela câmera do celular. Cheguei até a ir de carro lá, vê-los de longe. O menorzinho só ficava olhando o carro, sem entender porque não estacionava. O maior queria ir para o carro brincar. Para o menor, eu estava invisível, para o maior, intangível. Sabe o quanto isso me feriu?
Esse apego é o que mata!
Esse apego é o que salva, meu amigo. Se não fosse por ele, eu seria mais um perdido nesse mundão. Todo esse esforço por sair de mim, amando, me tornou um ser tão singular, com sentimentos tão próprios, na mesma medida em que ia vendo a singularidade daqueles seres amados para mim. Um dia fiquei com uma menina que se enamorou por certa beleza que enxergou em mim e admirava certa força que via em minha fala. Dias depois ela já estava com outra pessoa. O que eu fui para ela? Mais um com certa beleza e certa força. Todos os dias eu conheço cada vez mais a beleza da minha esposa e a força de meus filhos. Todos os dias eles se tornam cada vez mais especiais para mim, insubstituíveis. Sempre amei meus pequenos com toda a devoção, e se eles tivessem morrido recém-nascidos, eu teria sofrido, como sofri com o aborto espontâneo que sofremos na primeira tentativa. Mas, quando os temos nos braços, vemos saindo de nossos braços, andando, correndo, depois pulando, enfrentando as águas, cada conquista dessa vai tornando-os tão mais especiais que a possibilidade da perda só sinaliza a profundidade da dor que seria.
Melhor seria não os ter.
Bobagem! Deixa que eu os tenha e que sofra a possibilidade de não mais os ter. Essa é a nossa sabedoria, irmão.
Sabedoria da dor.
Sabedoria da vida. A vida que vem com o que tem de bom e de finito.
Voltando, então, para a tentativa de lhe esclarecer: não é finito.
Voltando para a tentativa de lhe fazer enxergar: a noção de infinito tem gosto de teoria para quem ainda sente o peso da carne, não consola tanto quanto o cheiro das pessoas que amamos. Consola? Tem lá o seu consolo. E não repreendo você por estar me conduzindo nessa teoria. Devemos nos esforçar para amplificar o amor, mostrar o quanto o túmulo pode não ser o fim. Só a eternidade para dar um sentido para o finito. Só não devemos nos enganar e achar que esse sentimento poderá ser enfiado na consciência de quem vive intensamente a carne. E eu não estou falando de concupiscência ou luxúria, mas apenas de seres sencientes. Ah! Saborear o outro! Quem nunca teve isso no corpo, pouco poderá entender o que falo. Quem se escondeu no deserto para não sofrer me vê falando uma língua estranha. O peso dos corpos sobre o seu noites a fio, até o dia em que você está tão leve e quebradiço que o próprio filho pode te carregar.
Sua tristeza lhe corrói.
Deixe de ser criança. Isto é o próprio processo de morrer. Ser corroído até não sobrar mais nada, apenas este Espírito desencarnado que você prega. É doloroso? Sim. É angustiante? Sim. Mas, é também a vida. Todos esses sentimentos que lhe falei fazem parte do corpo do qual vou sendo expulso. Não me arrependo de nada, eis tudo o que é bom! Se as lembranças forem comigo, menos mal. Se eu puder voltar para vê-los, tanto melhor. Mas, faz parte do corpo o apego. Corpo do pai nos braços do filho: que o pai voe enfim, e o filho o assimile. Eis nossa sina de ser adubo e horizonte, os dois, para os que ficam.
segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018
O Incal
O Incal é uma história em quadrinhos de 1980, idealizada pelo cineasta e psicólogo chileno Alejandro Jodorowsky e ilustrada por Moebius que devorei em três dias.
Conta a história da salvação da humanidade a partir de um único ser humano tosco, menor, sensual, fraco, inquieto, impuro, porém sem maldade. Sedento de amor carnal e de sentir a realidade. Esse é Jonh Difool.
Sua profissão era detetive, porém era medíocre nela. Em nenhum momento é mostrado Jonh Difool exercendo seu ofício de investigador. Contudo, é ele, e ninguém mais, que chega ao fundo dos mistérios do universo, mesmo se esquivando o tempo todo dessa busca.
Tudo começa com uma mini-pirâmide que termina em suas mãos por caminhos misteriosos. Um monstro extra-terrestre a entrega - para Jonh Difool especificamente - antes de morrer. Esta mini-pirâmide é o Incal luminoso.
O Incal é portador de dons divinatórios e curadores. Todos o querem para domínio do universo, mas o próprio Incal vai forjando estratagemas para vencer o principal e verdadeiro inimigo que se aproxima: a Escuridão.
A outra metade da pirâmide, o Incal negro, foi dominada pelos humanos que se devotaram à Escuridão. Mas, logo é resgatado, e não apenas a fusão da luz com a sombra, mas também a sua melhor possibilidade de expressão através do andrógino perfeito permite, em sucessivas descobertas místicas, a batalha final.
Assim, Jonh Difool sem querer e sem saber vai conhecendo a existência da mais pura beleza e verdade semeada no íntimo da feiura, do grotesco, do asqueroso, do pútrido. Cada batalha que a história narra é a busca do equilíbrio das contradições, mas sempre, isso é imperioso explicitar, a partir da humanidade demasiadamente humana de Difool.
O andrógino perfeito, Solune, por exemplo, que em certo momento passa a ser a manifestação perfeita da consciência do Incal, é filho de Jonh Difool com uma espécie de semi-deusa, Animah. Mas, esse amor não é sublime. Ela havia se disfarçado em uma prostituta para poder gerar Solune. O desejo por Animah, todavia, passa a animar a motivação mais forte no coração de Jonh Difool e sempre retorna como o único argumento possível para que este enfrente os desafios da jornada.
Ao final de toda a história, quando morte e destruição já haviam se espalhado por grande parte do universo, e a Escuridão prosseguia seu domínio com fúria, o andrógino perfeito, médium do Incal unificado, é elevado ao lugar do imperador/triz do universo, profetizando o único jeito de derrotar a escuridão: que a galáxia sonhasse. Todos os habitantes do cosmos deveriam entrar em sono profundo a fim de fornecer a energia psíquica para o enfrentamento final com a escuridão. Um comandante solitário de um planeta qualquer reclama dessa loucura:
- Justo quando o inimigo está mais perto, ele vem pedindo para dormir. Está louco!
- Mas, chefe, desta vez, talvez sonhar é que seja revolucionário.
O planeta que deu o maior exemplo de que isso seria possível era aquele onde viviam crianças, há muito recebendo as lições de sábios, os Arath, que um dia tiveram a missão de guardar a entrada para os mistérios do sol interior, em meio à floresta de cristais, destruída pela encarnação maligna da tecnociência.
Aqui é preciso um aparte. Já não dá para vislumbrar a solução final? Quando todos os sóis tiverem desaparecido, que luz restará?
Jonh Difool, que irremediavelmente não se entregava para a saga da salvação da humanidade, é, de novo e mais uma vez, colocado como único possível de finalizar a missão de adormecer o universo. Faltavam 78 bilhões de seres para cair no sono, e quem eram eles? Seus filhos. Explico.
Há não muito tempo, Jonh Difool havia se entregue em uma experiência idílica com uma entidade chamada Protogenitora. A cada cinco mil anos ela acasalava com um grande guerreiro. O Incal fez com que Difool vencesse a competição e fecundasse a Protogenitora. Contudo, de fato apaixonada por Difool, ela se desfaz em ódio e rancor quando este a deixa por Animah. Todos os filhos da protogenitora, 78 bilhões!, neste planeta distante que Difool estava fadado a converter para o sono salvador, representavam o que havia de pior em Difool e numa mulher traída. O penúltimo desafio de Difool para sua autoiluminação é ter que ver os filhos do rancor e do amor traído que gerou, a imagem e semelhança de sua sombra.
Faltando pouco tempo para o ocaso, iluminada pela verdade que soprou ao seu ouvido através de um pássaro, Deepo, aquele que sempre mergulhou para salvar Difool nas horas mais drásticas, a Protogenitora entende que o que ela amou em Difool nunca foi o próprio homem, mas a luz que havia nele: o Incal.
Quero que você perceba o quanto o Incal vai parecendo um pretexto material para ir abastando todas as arestas e dissipando todas as discórdias. Sua força inicial, gerada da união do luminoso e do sombrio, continua, ininterruptamente provocando uniões.
A Protogenitora sai do ninho em todo seu esplendor, apazigua seus filhos, pede-lhes que escutem ao pai, e este os adormece. Até mesmo as raças que foram subjugadas como escória nesse planeta, por terem perdido a batalha do acasalamento, são reintegradas no chamado da Grande Mãe.
Tudo está pronto para a batalha final. Os grandes sábios Arath conduzem as mentes dos setes escolhidos (Difool e seus amigos que lutaram bravamente até aqui) para o embate último com a Escuridão. Ela desperta o pior pesadelo deles. O único que não foi dominado por esse encanto foi nosso detetive medíocre. Explica o Incal que a experiência de acasalamento com a Protogenitora havia deixado o detetive Jonh imune. Mas, talvez é que o pobre já vivesse no pesadelo, no pior inferno do giro da vida, aquele que o fazia ser escravo da sensualidade perpetuamente. De todo modo, expulso o Incal do corpo de Solune, o andrógino perfeito, assume o ser místico o corpo de Difool, o homem insaciável. A partir dele as últimas rebeldias das almas da pessoas se apaziguam:
- Parem de lutar contra os monstros dos pesadelos. Aceitem-nos, eles são apenas as partes de si mesmos que vocês tem medo de enfrentar. Transformem-nos. Cada horror contém uma semente positiva. Um pesadelo não passa de um dom disfarçado.
E assim, Difool, possuído pelo Incal, faz perceber, a harmonia por trás da tecnociência, as energias criativas por trás da violência, o correto domínio da realidade por trás da morte, a interminável totalidade por trás da individualidade, o efêmero rumo ao eterno pelas vias do que parece um corpo decadente, enfim, o assassinato do amigo que entrega seu pescoço ao lobo voraz como a doação suprema em prol dos outros.
Após estas reconciliações, o Incal luminoso é dominado pelo negro. Cada um se entrega à sombra, em chamas. Menos o ego de Difool, que se torna a eterna Testemunha do Ser supremo, da Luz Imortal, Orh, de onde tudo provinha: o Incal, a Escuridão e a aventura épica de toda a reconciliação.
- Não sabia? O núcleo da Escuridão é feito de Luz. (...) Translucidez é minha última mutação.
O Ser supremo transfigurado na face de um velho áureo se torna infante de novo e permite Difool voltar no tempo, lembrando de tudo o que viveu.
Como viver essa nova velha vida, então? Eis algo que realmente deveríamos investigar, detetives medíocres que somos da existência.
sábado, 20 de janeiro de 2018
Psiquiatria e Espiritismo
Fui convidado para falar sobre esse tema. Decidi partir das minhas experiências pessoais de encontro com a psiquiatria.
Antes disso é preciso deixar explícito o que acho que devemos ter em mente ao tentar o diálogo com estes assuntos.
- Não julgar;
- Amparar sempre;
- Não querer ser o salvador das pessoas;
- Respeitar o momento de cura de cada um;
- Os remédios são importantes, mas não suficientes;
- A cultura influencia, mas não devemos culpá-la de todo;
- Somos seres imortais e responsáveis pelos nossos movimentos de cura e adoecimento
- Uma vida não basta para pensarmos sobre estas questões;
- Jesus está bem ali para o milagre, mas espera nosso despertar.
Dito isto, minha fala se constrói em torno de três momentos, que são minhas próprias aproximações com os transtornos psíquicos.
No primeiro narro as imagens que guardo de certo homem com retardo mental motivo de chacota e insultos das crianças da cidade pequena onde me criei. Dele surgiram minhas dúvidas sobre "como é possível doenças da mente que nascem com as pessoas?". A reencarnação me ajudou a formular repostas. Essa aproximação teve um caráter apenas intelectual, e distante.
A segunda aproximação refere-se ao meu encontro com certa menina que foi do meu círculo de colegas na escola e que, então, estava devastada pelo sofrimento psíquico, internada em um hospital. Pela proximidade e semelhança, ela me fez pensar que poderia ser eu em seu lugar. A pergunta que nasce então é "o que aconteceu para que não fosse?". A reencarnação surge ajudando a explicar a questão em termos espirituais, mas também expliquei as companhias que podemos trazer de outras vidas, vingadores de outrora. Não que eu tenha um passado ilibado ou isento de desafetos, mas aparentemente meus desvios não incidiram no império da mente, não mais, não por ora. Essa aproximação teve um caráter um pouco mais emocional, tocou algo de mim, mas ainda não o que me é central.
A terceira é quando definitivamente o transtorno psíquico me bate à porta, tomando pessoas que amo de assalto. Assim, passo a testemunhar a luta, a angústia, o desespero de quem vive com as doenças contra as quais os psiquiatras se esforçam. Ainda mais quando os remédios são vãos, e a escuta terapêutica, impotente. Essa última aproximação toca no íntimo, permitindo que eu tenha uma noção mais justa do que é o sofrimento mental.
Essa espiral de aproximações entendo ser mais fiel do que simplesmente tentar a pureza do conceito e a adequação das palavras: do int-electo ao ínt-imo.
Da última aproximação, conduzo a reflexão cristã de tentar fazer ressuscitar a esperança apesar de qualquer escuridão, já que esse foi o caminho do próprio Cristo. Talvez essa seja, na verdade, a condição humana de aquisição de sabedoria, ou do Reino dos Céus. Ninguém que almeje a cura, que é outro modo de dizer a salvação da alma, pode se eximir de enfrentar seus próprios abismos.
sexta-feira, 12 de janeiro de 2018
As palavras de Jesus: nosso critério de verdade
"Singulares parecem algumas palavras de Jesus, por contrastarem com a sua bondade e a sua inalterável benevolência para com todos. Os incrédulos não deixaram de tirar daí uma arma, pretendendo que Ele se contradizia. Fato, porém, irrecusável é que sua doutrina tem por base principal, por pedra angular, a lei de amor e de caridade. Ora, não é possível que Ele destruísse de um lado o que do outro estabelecia, donde esta consequência rigorosa: se certas proposições suas se acham em contradição com aquele princípio básico, é que as palavras que se lhe atribuem foram ou mal reproduzidas, ou mal compreendidas, ou não são suas." (Allan kardec: Evangelho s. Espiritismo, cap. 14, item 6)
Na postagem passada mostrei como Kardec em A Gênese reveste o Espiritismo de um caráter muito dinâmico. A princípio pensaríamos que ele, então, seria isento de âncoras, flutuando no espaço das verdades, leviano, escolhendo a que mais brilhasse. Não é bem assim.
Mesmo a ciência moderna não pode se dizer completamente isenta de fundamentos metafísicos que possibilitem sua forma de existir. Ela tem como pano de fundo que a realidade é cognoscível e que o homem possui estruturas mentais para conhecê-la.
O Espiritismo, além do mesmo pressuposto da ciência moderna, apresenta um fundamento que Kardec deixa claro nesse excerto: Jesus diz a verdade e não se contradiz. O Evangelho segundo o Espiritismo todo é fundado nessa premissa, e o resto do Espiritismo por consequência.
De fato, não poderia sermos uma doutrina consoladora se tivéssemos deixado a fé das pessoas à deriva nas descobertas científicas. O tempo mostrou o quanto a ciência moderna é volúvel. Hoje anatematiza o que amanhã idolatrará.
O método rigoroso, o crivo racional, a seleção criteriosa das comunicações mediúnicas, tudo o que Kardec usou, pretendendo-se científico, acabou não sendo o carro-chefe do Espiritismo, mas Jesus. Foi o Cristo que tornou sólida nossa perspectiva. Todo o movimento de Kardec foi para deixar, novamente, o ressurgido do Calvário palpável para os homens.
O Espiritismo se tornou, assim, nossa eucaristia. Abriram-se as lápides não apenas do túmulo de Jesus mas de toda a humanidade, revelando nossa imortalidade, apesar das chagas. Não apenas o corpo de Jesus se mostrava redivivo, mas os de todos os entes que amamos, com quem compartilhamos o pão e o vinho diários.
Outro aspecto importante dessa perspectiva kardeciana de considerar o verbo de Jesus uma necessária verdade não-contraditória é de esta ser a definição cartesiana, por excelência, da ação de Deus no mundo. Como nos vai revelar postumamente, Kardec entendia Jesus como o médium de Deus, cuja fala, pois, estava em sintonia perfeita com o Autor de todas as coisas.
A ciência oficial menospreza o Espiritismo, entre outras coisas, por esse deslize, por essa adesão despudorada. Mas, como diz Kardec, a ciência espírita prossegue a partir do ponto em que a materialista estaciona.
O que significa a ausência de dogmas no Espiritismo?
"O Espiritismo, pois, estabelece como princípio absoluto somente o que se acha evidentemente demonstrado, ou o que ressalta logicamente da observação. Entendendo-se com todos os ramos da economia social, aos quais dá o apoio das suas próprias descobertas, assimilará sempre todas as doutrinas progressivas, de qualquer ordem que sejam, desde que hajam assumido o estado de verdades práticas e abandonado o domínio da utopia, sem o que o Espiritismo se suicidaria. Deixando de ser o que é mentiria à sua origem e ao seu fim providencial. Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará." (A Gênese, cap. 1, item 55, parágrafo 2)
Considero esse excerto o mais intrigante, angustiante, assombroso de todas as obras básicas escritas por Allan Kardec.
Quem me fez enxergá-lo assim foi minha esposa. Vinda de uma cultura católica que tinha a missa dominical como a única forma de se entrar no reino dos Céus, quando ela se encantou com o Espiritismo, achou estranho uma religião ser tão flexível a este ponto.
Esse excerto deixa claro nosso desapego a dogmas, ritos, símbolos. O Espiritismo é o que for certo ser, o que se verificar certo. Pelo menos é o que Kardec sugere.
Para uma religião isso é deveras problemático. Nunca uma religião se comportou assim. Não é culpa delas. Toda religião flerta com a eternidade. Seus fundadores sempre foram considerados emissários de Deus ou de algum grande deus, quando não o próprio Deus ou deus encarnado. Como sua fala poderia estar errada? A tradição primordial do Hindu, Krishna, Buda, Lao-Tsé, Moisés, Cristo, Maomé, todos tiveram suas palavras e gestos sacralizados.
Por que a missa dominical (ou a de qualquer outro dia da semana) do catolicismo é o caminho da salvação? Porque nela o adepto atualiza sua comunhão com Cristo através da eucaristia. Qualquer coisa pode mudar no mundo, mas enquanto a eucaristia estiver sendo realizada, ainda há a ligação com a eternidade, isto é, salvação.
Nesse excerto Kardec diz que a eternidade do Espiritismo está na sua capacidade de mudar. Devemos entender que não é uma questão de tudo ser impermanência e, portanto, quem se adaptar melhor à passagem de tudo sobreviverá. Mas sim, que a verdade é revelada progressivamente.
Kardec acreditava e defendia uma verdade última em vários outros momentos. Contudo, esclarece que ela nunca foi revelada em todo seu esplendor sob pena de cegar os homens. O que ele quer dizer, dessa forma, é que o Espiritismo deve estar disposto a caminhar com a progressão da revelação da verdade.
O espírita assim carrega essa angústia no peito: não se apegar muito a qualquer certeza, porque ela pode passar. Todavia, ter como pano de fundo que a realidade é boa, justa, bela, que há uma Inteligência Suprema a nos governar, e que as mudanças rumam para Ela. Seria esta tríade a nossa pedra angular.
Não é mais um dogma ou um gesto primordial que sustenta nossa fé, mas uma busca dialética.
Importa enfatizar, todavia, que Kardec nunca deixou de acreditar que Jesus era um norte seguro, cujo discurso real não deveria apresentar contradições, sendo o mestre perfeito da humanidade. A revelação progressiva da verdade, então, seria a compreensão perfeita do verbo de Jesus. Falo melhor sobre isso na próxima postagem.
Conversando com amiga psiquiatra
Uma amiga psiquiatra, que anda rondando o Espiritismo, me disse assim: "o Evangelho segundo o Espiritismo é lindo. Gostei mais dele do que do Livro dos Espíritos. Ele traz mais esperança".
Desde a primeira vez que ela me abordou, não imaginava que ela iria mergulhar tanto. As pessoas vêm a mim, pedem dicas, passam de raspão e seguem. Mas, algumas param, leem, se encantam. O conhecimento passa por três grandes vias: o estranhamento, o encantamento e o encontro. Por elas, entendo ter passado essa moça.
Venho construindo um ambulatório de saúde mental na atenção primária, e já havia me esquecido o quanto os pacientes de lá são intrigantes. Abstração feita da ansiedade e depressão – mal do século, que nos conduzem à busca de uma escola de pensamento que dê mais alento do que apenas medicalização – as ditas alucinações de alguns pacientes nos intrigam sobremaneira, tamanha a “elaboração” e, em certos casos, a inocência. Por que medicalizar essas visões de convivência pacífica? Muito pano para manga para estranhar. Foi o que disse a ela:
“Por mais escolas de pensamento que a psiquiatria tenha engolido, sentimos que ainda falta explicação para a estranheza dos fenômenos mergulhados nas profundezas das pessoas.” A amiga aquiesceu.
Admirei, então, que ela, tão mergulhada em ciência, tenha se encantado mais com o Evangelho Segundo Espiritismo do que com o Livro dos Espíritos. Não que o Livro dos Espíritos seja científico, mas é mais a fim da produção de saber da ciência, pois são diálogos, argumentos, contra-argumentos e comentários, do que mensagens de consolo e direcionamentos morais, como o é aquele primeiro livro.
Quando entramos no universo da psiquiatria, um véu de explicações é posto sobre nossos olhos a fim de apaziguar a angústia de ver todas aquelas personalidades desestruturadas vagando nos corredores dos ainda manicômios. Algumas pessoas se apegam ao discurso estritamente racional para elevar a visão aos píncaros cerebrais, e afastar-se do coração. Todavia, o que vejo se espalhar por aí, como dizia Chico Xavier, é uma “saudade de Jesus”. Nesta personalidade, era menos ciência e mais acolhida, mais amparo, mais nortes, mais amor.
Como que uma projeção laica do que foi aquele encontro histórico da humanidade com o que demos de denominar salvador, parece ser isso que procuramos hoje em dia: menos ciência, mais acolhida, mais amparo, mais nortes, mais amor. Não que a ciência deva inexistir. Isso nos devolveria à selvageria. Por isso o Livro dos Espíritos, o Livro dos Médiuns e, de certa forma, a Gênese. Todavia, quando Kardec ousou atrelar, indelevelmente, o Espiritismo ao Cristianismo com a sua “Imitação do Evangelho”, acrescentou entre nós o (re)encontro com o Cristo, buscando tocar o sentimento que é grande parte de nós, sem prescindir da razão, essa ponta de iceberg. A isso ele chamou de “fé raciocinada”, o que, para os detratores da religião, parece um absurdo, mas que para mim, criado nesses moldes, é uma doce razão – aquilo que adoça a razão.
Sinto que, feito meu amigo ateu, terei muito o que falar sobre essa visita mansa de minha amiga.
Demolidor e Espiritismo
Demolidor é a face heróica de um advogado nova-iorquino que, querendo fazer cumprir a lei obsessivamente, assume o papel da polícia para além da lei. O advogado, obediente à Deus sobretudo em sua profissão, assume o papel de perseguidor do crime sob a fantasia de um demônio. A história faz questão de por em evidência todo o paradoxo que é assumir estas duas funções: a de Deus e a do Diabo na mesma carne.
Da idade moderna para cá, o papel que Deus exercia de fora, sendo vigilante de nossos atos, fosse para nos premiar ou para nos castigar, foi deixando de ser transcendente, passando a ser democrático e, perto dos dias de hoje, com a tendência de ser íntimo.
Cada uma dessas “formas de Deus” se manifesta perfeitamente em uma política. Quando entendíamos Deus como absolutamente transcendente, nos dominava um rei eleito pela própria natureza que comungava com a divina. Ao termos pendido para a democracia, derrubado a bastilha, destronado o rei, Deus se encarna no povo. Dá-se início a um processo de secularização sem precedentes na história da humanidade. Ao contrário do que muitos advogam, secularizar não é matar Deus, mas interiorizá-lo de tal forma que Ele não precise existir fora de nós, a nos dar ordens como se fosse uma terceira voz. Na democracia que temos, a vigilância se dá por cada vizinho, respaldado pelas instituições que fazem cumprir as leis. Esse processo, pela lógica do movimento, tende a um Deus que habita perfeitamente o interior da cada um, sem necessidade de instituições ou vizinhança para nos disciplinar.
Neste ponto, não se precisaria de constituições, pois a lei estaria impressa no nosso próprio código genético, exteriorizada sem falhas, já que o espírito teria se harmonizado, enfim, com a Lei que rege tudo.
Demolidor é um híbrido dessas fases. Ele tanto necessita de um Deus absolutamente exterior a si que mantém contato permanente com o seu padre confessor, responsável por guiar aquele coração católico nos impasses de sua luta contra o crime. Como advogado, ele é o elemento do povo consciente da lei, o representante da instituição que trabalha para que ela seja seguida. Como Demolidor, ele também é um vigilante das regras, mas fazendo-as cumpridas para além das instituições. Ele se faz uma nova instituição de justiça, uma que parte do próprio indivíduo, elevado a categoria de herói.
Para o Espiritismo, Deus não é um ser distante da criação. Não a criou e se afastou, mas pulsa em seu íntimo, fazendo-a vicejar. Contudo, para os seres humanos, deixou uma ilusão de separação que lhes permitisse um desenvolvimento consciente.
A Lei que emana de Si, quer Ele que ela brote espontaneamente do coração de cada um. Para isso, o que menos importa é o castigo do inferno e as recompensas do céu, mas a construção do seu Reino de Justiça, Amor e Caridade, como ensinado por Jesus, dentro da consciência individual.
A sociedade perfeita – ouso elaborar o conceito dela agora – seria aquela em que cada indivíduo pudesse agir escutando a voz da própria consciência, então, burilada por “n” milhões de anos, esculpida que foi pela dor e pela alegria de cada vida por onde passou. Essa voz amansada pelo esforço próprio de crescer, enfim, coincidiria com a de Deus, aquela mesma que ressoa no âmago de tudo. Na maioria das vezes ignorada porque a ansiedade da vida nos provoca distrações demais para não conseguirmos ouvir nem mesmo a nossa própria voz.
***
P.S.: Ah! esqueci de dizer que esse advogado faz tudo isso sem enxergar um palmo à sua frente, ouvindo apenas os sons de toda essa agitação que é o mundo. Minha metáfora, portanto, com a audição não desliza nesse último parágrafo por acaso. Nem tão pouco a cegueira das coisas do mundo está por acaso estampada em um herói católico que vive a vida em busca de escutar o chamado divino de justiça.
Prece para abençoar os caminhos de uma criança em seu batizado
Senhor,
Que o Teus caminhos se cumpram nesta vida, é o que preciso desejar. E
que se houver algo mais, seja a lucidez para que esta criança consiga
enxergar a nobreza de cada palmo que trilhar. Afasta-a da cegueira, pois
das ilusões não é possível afastar. Que o seu propósito, homem entre
homens, não seja perdido da lembrança. Sempre que perdida, que seus
olhos sejam sedentos da luz que alumia em toda parte conduzindo-a para a
casa, que é tudo, que somos todos. Enxergar no mundo e nos homens a
própria morada. E que esse amor que sobre ela já se derrama vindo dos
pais, se a morte vier lhe usurpar, possa ela compreender que maior amor
não há senão o de existir, e isso já é ser amado - por Ti.
(De inspiração spinozista)
(De inspiração spinozista)
As razões da fala "Ele deve pagar pelo que fez"
Estamos sempre sujeitos à traição do que esperávamos acontecer. Porque a vida não segue nossa cartilha. Mas, como o nosso eu sangra, vem a revolta. Daí podem partir dois caminhos: o perdão ou a vingança. É a esse último campo que pertence a fala “ele deve pagar pelo que fez”.
Esse pagamento que desejamos de quem acreditamos estar em dívida conosco pode seguir basicamente dois caminhos: um ativo, em que sujamos nossas próprias mãos; um passivo, em que almejamos que os outros sujem as mãos por nós. A essa última ordem pertence nossa satisfação com o castigo que cai, a distância, sobre o nosso, assim considerado, agressor.
Se elevarmos esse desejo passivo até as últimas consequências metafísicas, é o nosso mais íntimo – e vil – consolo que Deus desça Sua pesada mão esmagando nossos inimigos. No cristianismo, é esse o mesmo Deus que acreditamos ser todo bom. Então, nossa literatura religiosa se esmera em criar cenas dantescas e imaginar (revelar?) os sofrimentos mais atrozes para os que foram contrários a nossa forma de pensar a moral sã.
Não é preciso que alguém faça algo diretamente contra nós. Basta que a pessoa tome a liberdade de se desviar do caminho que consideramos justo. Como esse caminho, seguido religiosamente, é a nossa mais nobre verdade, o sustentáculo de nossa identidade, o nosso caráter, que almejamos ser rocha, também os desviados devem ser punidos pela sua má escolha. É o que nos mantém caminhando na trilha certa.
Esse comportamento que descrevi em poucas linhas é um dos mais primitivos da consciência religiosa. Tão primitivo quanto, mas menos abstrato, é o da vingança pelas próprias mãos. Alguns dizem, com razão, que é covardia o desejo de um deus exercer a vingança por nós. Projetamos a ideia de um deus que encarna a força que gostaríamos de ter para colocar em prática nosso ódio.
Existe, contudo, outro tipo de consciência religiosa infinitamente superior a essa: não se importar com o que vai acontecer com quem nos fez mal ou praticou o mal. Acreditar mesmo que eles possam se dar bem ao final. E que outro tipo de felicidade os espera. Ou, de forma ativa, desejar-lhes o bem. Como, então, sustentar nossa vontade de virtude se os que consideramos maus, devemos vê-los com olhos felizes?
Eis a virtude inquebrantável: a que não precisa se erguer sobre o sofrimento dos maus. Ela é independente. Basta por si mesma. Não precisa do contraste para existir. Repousa em olhos de criança. É a serenidade por excelência. Um universo construído sobre esse olhar não tem inferno. Nem céu. Essa é a imagem do eu em paz consigo.
terça-feira, 9 de janeiro de 2018
Criança
Quando os entendidos falam do alto de seu Eu que o nosso eu é vão, dá-me vontade de rir. Um Eu que fala a outros que eles não prestam é um dominador. Mas, quando vem o pecado em mim e, apesar de todas as minhas defesas contra a depressão, caio, a Virtude suprema, o Eterno bem e sua Pessoa me vem a mente, um verdadeiro Eu para quem sou nada. Porém, me tens como filho, me acolhes do infinito, em Ti me recomponho. A experiência das crianças é a mais honesta que se pode ter, quando somos humildes.
domingo, 7 de janeiro de 2018
O novo entendimento de santo
Por que, no mundo, tão amiúde, a influência dos maus sobrepuja a dos bons?“Por fraqueza destes. Os maus são intrigantes e audaciosos, os bons são tímidos. Quando estes o quiserem, preponderarão.” (O Livro dos Espíritos, pergunta 932)
Pode parecer estranho falar em novo entendimento de santidade, já que esta participa daquelas categorias que se subsumem no divino, e este seria a invariância por excelência. Mas, é isto mesmo, o divino é invariável, porém a santidade é ação humana impulsionada pelo divino. E, no que tem de humanidade, está submetida ao processo histórico.
O que há de eterno, por outro lado, é que as várias formas de santidade que se apresentaram na história humana são como faces perfeitas de um ângulo de Deus.
Na idade Média a figura icônica do santo era mais ou menos aquela figura monacal, distante da vida enraizada no mundo, trabalhando desde a madrugada entre preces e mortificações para remediar o pecado de seu corpo. O espírito deveria se render a Deus.
Francisco de Assis foge à esta imagem, talvez, apenas pela distância corporal com o mundo (embora em espírito ainda fosse um estranho) e pelo aspecto lúgubre das mortificações (já que era um bobo alegre de Deus).
A cultura do renascimento traz outras formas de enxergar a virtude. A mais cultuada era a da audácia de conhecer coisas novas. Era o retorno do heroísmo clássico, transmutado pelo espírito do cavaleiro medieval, rumo às exigências de um mundo que crescia exponencialmente a olhos vistos. A África era margeada, as Índias descobertas, a Mongólia desvendada, as Américas inauguradas aos olhos do europeu.
Como deve ser o novo santo?
Não pode mais viver em um mosteiro. Deve participar do mundo. A riqueza que vai acenando em todas as partes aponta que o paraíso talvez ainda estivesse por aqui, e não perdido em uma transcendência qualquer cercada por arcanjos furiosos.
Como toda verdade revelada, foi corrompida. A insânia humana de conquista quis subjugar o mundo, todas as culturas que se descortinavam, à sua forma de ver.
Pensam os espíritos corsários que Deus lhes havia dado novas terras para que delas fossem proprietários, ao ponto de fazerem o que bem entendessem por lá. Engano. As novas terras eram novos ares para sanar as chagas de seres que há muito vinham mergulhando a história em sangue.
O novo santo nestes tempos de mundialização deve ser um que não ignora o chamado de Deus para assumir o mundo. Amplia sua visão de irmão para além da gleba, do clã e da ordem. Sacrifica seus rituais em favor do necessitado. Reencontra Deus para além do santuário. É aventureiro como todo santo deve ser, já que sair de si para encontrar Deus, em qualquer época é arremessar-se em um mar bravio a nado.
Espírito Santo segundo o Espiritismo
Papai, que foi catequisado em cidade do interior do Ceará, afilhado de Padre Cícero, médico, um dos melhores de sua turma, muito sabedor de história, leitor contumaz de livros culturais, me confessava não entender muito a tal da santíssima trindade. Tendo me iniciado no espiritismo, passou a incumbência desta compreensão para mim.
Mesmo sendo uma seita herética em relação à igreja católica, entendo que não devamos desprezar a experiência da crença de toda uma história da comunidade cristã. O Espírito Santo e a Santíssima Trindade da qual ele participa são símbolos muito significativos onde todo aquele que se quer cristão, ainda que herético, deve se situar.
Já vi no movimento espírita se dizer que o Espírito Santo seria a plêiade de Espíritos superiores comunicantes que trouxeram a revelação espírita ao mundo. Seriam, portanto, Espíritos santos. Podendo ser tido como uma pessoa apenas simbolicamente, isto é, uma comunhão de Espíritos. Dizem ainda que as três pessoas da trindade não seriam consubstanciais. Pai originou filho que originou os Espíritos santos*.
Como a trindade é um dogma fundamental, vê-se já por aí que, ao contrário do que Kardec imaginava em 1862, não dá pra ser espírita e católico ao mesmo tempo.
Diz, contudo, o próprio catecismo da igreja católica do ocidente que "a tradição oriental exprime o caráter de origem primeira do Pai em relação ao Espírito" (art. 248) e que Este se origina Daquele a partir do Filho. Então, já que nem as igrejas católicas se entendem, acredito não estarmos cometendo tão grande pecado em discordar também e manter a posição: Pai origina Filho que origina Espírito Santo.
Não creio, todavia, que o Espírito Santo seja os Espíritos santos, pois a grandeza do que a tradição cristã entende por Espírito Santo está em algo difuso que antes falava pelos profetas e após a promessa de Cristo do Paráclito passaria a estar para sempre entre os discípulos os conduzindo. O poder que essa descrição tem ultrapassa e muito essa ideia de uma legião de Espíritos norteadores. É como se fosse um poder de Deus capilarizado pelos seus filhos.
O que seria, então, o Espírito Santo?
Ouso levantar a hipótese de que seja algo em nós de divino que Jesus despertou ao deixar seu rastro histórico. Está fora de nós e em nós ao mesmo tempo. É como um cordão umbilical renovado que nos religa (religião) a Deus. Ele nos permite prodígios e é o que torna possível a caminhada para a salvação.
Os que se denominam portadores da mensagem esotérica cristã sempre falaram da dimensão da doutrina do Cristo que não nos queria salvar de fora, mas que nos devolvia o poder de salvarmo-nos a nós mesmos.
Encarando assim o Espírito Santo, isto é, esta força beatífica que nos envolve e nos invade, despertada por Jesus, acredito que as duas visões se reconciliam: Jesus nos salvou acordando o poder salvífico em nós. A mediunidade é apenas um átomo desse poder, outros tantos surgirão, outras tantas forças hoje tidas como parapsíquicas, o homem novo, o homem-psi, ou ainda melhor, o homem santo que vai acordando gradativamente para sua inalienável imortalidade.
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