sexta-feira, 30 de março de 2018

Gnosticismos Vs Cristianismo: Quem tem o dom de me salvar?



Até onde pude apreender das seitas gnósticas que pululavam na Idade Média e cuja estrutura de pensamento anima muitos movimentos atuais, o que é uma constante nelas é a crença de que o ser humano pode Se salvar. O que separa a danação da salvação é um ato de compreensão da realidade cósmica, a gnose. Esta realidade é salvadora per Si, bastando ao homem (re)conhecê-La. 

O Cristianismo ensinado pela tradição católica diz-nos que a salvação não é um dom humano, apenas de Deus, que esteve presente na história através de Jesus, este sim, único capaz de nos salvar. Seu ato salvífico se deu no sacrifício último da cruz. Para que possamos nos salvar só pode ser através Dele. Não basta apenas compreendê-Lo, é preciso aceitá-Lo como a verdade salvífica encarnada, pela fé.

Veja que há uma antinomia nessas duas teses. Ou salvo a mim mesmo ou alguém me salva. 

Os grandes movimentos revolucionários dos últimos séculos estão fundamentados em gnosticismo. Do positivismo comteano, passando pelo socialismo marxista, chegando ao ecologismo radical a salvação está ao alcance do ser humano, providenciada por um ato dele, iluminado por uma consciência superior (a da positividade da história em Comte, a da necessidade revolucionária em Marx, a do reconhecimento de Gaia na filosofia verde). Dessa forma, todos eles tiveram de desmerecer a tese da salvação única e exclusivamente através de Cristo. 

Como toda boa antinomia, não acho que a segunda tese seja facilmente descartável. Primeiro porque a realidade do aqui e do agora nos mostra a precariedade da natureza humana, nossa fragilidade, nossa tendência despudorada ao pecado. Como enxergar nisso uma via de salvação?

Respondem os gnósticos, revelando um Eu superior que se agita em cada um de nós. Contudo, essa intelecção do Eu superior, embora seja uma hipótese elegante, não é fácil de materializar. Somos, quando muito, seres mais ou menos bons, algumas vezes caridosos, quase sempre cruéis. A desconfiança contra o próximo tem sua razão de ser. Estivemos há pouco sob risco de extinção pelo nosso próprio mérito. 

Falam os gnósticos, então, que há eras na humanidade, das quais a nossa é a pior, e que a partir de então tudo tende a melhorar. Vê como é fácil enxergar uma má-fé nestas explicações? Quando o argumento é contundente, eles nos devolvem a explicação para um lugar que não podemos alcançar: um Eu superior, uma outra Era. 

A tese do Cristo salvador tem o mérito de dar ao homem uma possibilidade atual de salvação. A qualquer momento, é só crer. Não há Era ou Eu, é apenas você, do jeito que é, com o Cristo. É um encontro pessoal e inalienável. Dir-se-á que esse Cristo é um transcendente ilusório. Não para aquele que crê, que o sente, que o experimenta em si às lágrimas. Também não mais, e talvez até menos, do que a comunidade politicamente correta, a comunidade  justa ou o homem enfim em paz com a natureza. 

Quem reconhece a própria falibilidade, o que é uma tremenda sensatez, e enxerga no Cristo a imagem do justo ressuscitado, Nele entregando seus podres para prosseguir redimido pertencente à uma igreja harmonizada pela presença estruturadora Dele, já experimenta uma felicidade que outros adquiririam a custa de peiote. 

Parece óbvio que sou eu que me salvo. Parece necessário que tenha de haver um Cristo para me salvar. Não sei se encontraremos um apaziguamento dessa antinomia tão cedo. 

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