quarta-feira, 10 de maio de 2017
Sobre Sense8
Demorei para falar sobre esta série porque até então me parecia que eles tocavam em apenas um ponto isolado dessa realidade que acredito: todos conectados. Dando apenas uma explicação evolutivo-adaptativa para isso. Mas, nesta segunda temporada, os Wachowski me pegaram.
Dia desses estava comendo uma pizza e lembrei que há meses um amigo havia me pedido o telefone de um médico. Disse que procuraria e perdi da memória. Retomei, de súbito, a promessa e, ainda mais de súbito, o celular toca. Era ele cobrando o número do especialista. 1. Eu lembrei. 2. Ele ligou. Nessa ordem.
O Sense8 fala de um mundo em que é possível a conexão entre indivíduos sem palavras. Essa conexão não é espiritual. É sentida na carne. Não é inteligível, como costumam dizer os platônicos, é sensível. E os irmãos Wachowski fazem questão de deixar essa sensibilidade bem clara em muitas cenas.
Nesta segunda temporada, deram para extrapolar a coisa toda e chegar na imortalidade das... memórias. Eles chegam a acariciar a memória de uma menina, que é a filha morta de uma mãe. Por Deus! Acariciar uma memória!
Acredito que muitas pessoas estão se identificando com o desnudamento das interconexões dessa série. Fico feliz. Prepara cada vez mais as pessoas para o mundo vindouro que já está aqui.
Herculano Pires falava que éramos seres interexistentes. Era como se nossa mente flutuasse entre dois planos: o do leme que guiamos e o do mar que nos balança.
No final da infância, começo da adolescência, sozinho na escola nova, onde todos menosprezavam o gordinho, subia a escadaria do ginásio e me tomava a conversar com o que dei para entender ser meu anjo-da-guarda. Charles era o seu nome. Quando ao Colégio Militar, em plena puberdade, a primavera dos amores aflorava nos sentidos, assim como o inverno da angústia de me entender no mundo. Entre amizades que se criavam e paixões choradas à sombra, escrevia em papéis perguntas sobre minhas emoções confusas a fim de que outros tomassem o papel, que tinha sob a mão, com respostas. Foram diálogos calorosos. Nunca estava sozinho.
Perto do vestibular, conheci uma moça que tranquilamente esculpia a cura do câncer no próprio corpo. Avançado que ele estava, restou a ela falecer. Já à faculdade, estudando indigestos livros de anatomia, de súbito, recordo-me dela. Entendo que se tratava de uma visita. Fecho os olhos, desdobro a alma em prece e acaricio a memória dela.
Hoje, tenho comigo pessoas que convergiram de zonas tão inesperadas para (re)unirem-se num grupo a que chamamos de "família espiritual".
Nós estamos aqui. Nossos clusters se multiplicam aos milhares. Qual o seu? Por que não experienciamos essa conexão com tanta intensidade?
Ao interior do Ceará, um amigo me convidou para aprender algumas primeiras noções de astronomia.
- Aqui é o melhor lugar para vermos as estrelas. Longe das luzes da cidade. Devemos esperar um pouco para os olhos se acostumarem com a noite. Apenas, então, será possível entrever aqueles brilhos que são mais tímidos. E quiçá, a sutil poeira das nebulosas.
De fato, amigo! Por uma vida com menos luzes e mais nebulosas.
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