terça-feira, 11 de abril de 2017

"Você partiu meu coração": uma análise espírita



O refrão dessa música muito me chamou a atenção. O eu lírico escreve um poema para anunciar seu amor quebrado, o que deveria lhe fazer amputado, sem vida, mas induz-nos a pensar que está ainda melhor porque agora haverá amoreS. 

A primeira contradição, a mais evidente, é que ele se dedica ao anúncio de sua empreitada dom-juanica*. Essa revelação possui um destinatário bem claro: seu amor antigo, e antes único. Por que simplesmente não segue adiante? Por que tem de voltar para anunciar sua boa vida?

A segunda contradição, mais sutil, é que ele, quebrado, entrega seu coração a várias. O que significa - essa é a maior mensagem de amor que uma amante poderia ouvir - que o coração dele, o inteiro!, não será mais de ninguém. 

A particularidade do amor de Dom Juan é exatamente esta: amando a todas, ainda que intenso, ganha-se em extensão o que perde em profundidade. O ser humano, esse ser de camadas, em suas relações, permite o mergulho nelas. Eu me aprofundo em você, você, em mim. A tentativa de um Espírito mergulhar na densidade de vários tende a dois destinos possíveis: 1. raspar o amor na fugacidade do tempo; 2. dissolver-se em muitos amores antes de ultrapassar a resistência de qualquer tesouro mais íntimo. 

Talvez os dom juans vão me contra-argumentar e dizer que é só "pegação". Não há muito o que filosofar. Pode ser para você, não para o eu lírico dessa canção. O clipe deixa ainda mais explícito seus gemidos de vontade de retorno quando ela dá algum "pedacim" de possibilidade. 

Vocês vão me perdoar a insistência, mas de fato, se ascendermos do particularismo terreno dessa experiência malograda, e elevarmos a metáfora do coração partido para um nível metafísico, o amor despedaçado, multipartido, busca o retorno à sua inteireza na vivência de uma amor único que dê sentido para sua unidade de novo. Ele é um peregrino entre amores pequenos, que lhe façam sombra, que lhe dêem abrigo. Mas, é peregrino. Sua busca é pelo Amor que o acolhe, enfim, em que possa se deitar para sempre

Se o para-sempre dos amores humanos está sujeito ao tédio e, portanto, ao pêndulo dos relacionamentos que vão e voltam, nada impede de intuirmos um amor maior que é procurado como modelo que concede sentidos e desejos para nossa alma sedenta. É esse modelo de amor que vem conduzindo os amantes de todos os tempos a quererem sempre e cada vez mais amar. Ele é o motivo das nossas descrições de paraíso, ao menos no universo cristão. 



* Ressalva de uma leitora do blog que possui licenciatura em Letras:
- "Eu amei! Como uma pessoa q tem, ainda 😔, um coração em pedaços, buscar a inteireza é uma das coisas sonhadas. Mas só uma opinião pessoal: eu q amo a história de Don Juan, compará-lo à 'pegação' é uma afronta. Concordo q ele em seus múltiplos amores não seja inteiro, mas ele é o maior dos românticos e cujo lema é fazer com que a mulher se sinta inteiramente amada, mesmo q ele não esteja."

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