A questão que mais me intriga nos últimos meses é se Jesus é Deus. Sempre tive por certo, por ter sido criado ouvindo isso, que não. Não é. E a lógica e a obviedade estavam ali nessa negativa. Porque em um universo nem mais heliocêntrico, mas sem qualquer centro, em que a Terra não passa de um pálido ponto azul, um Jesus, por maior e mais milagreiro que tenha sido, ainda que tenha fendido a história ao meio, é apenas um personagem histórico deste planeta. Como pode ele ser Aquele que criou tudo, e permanece criando, expandindo os limites do universo, e até mesmo, fazendo proliferar multiversos?
Contudo, a crença dos cristãos ortodoxos - coloco nessa conta tanto os católicos quanto os protestantes, mas tenho me aproximado mais dos católicos - é tão forte, certa, inabalável, persistente e resistente, e vindo de pessoas, muitas!, de inteligência tão superior a minha, que aquela obviedade e lógica da minha infância fazem água. Falo de um Agostinho de Hipona, de um Tomás de Aquino, de um Dostoiévski, e mais recentemente, de um Chesterton. Vejam só, dizem que Tomás de Aquino teve com Jesus, e disse:
- Senhor, pode queimar todos os meus escritos onde acalantei os mais robustos raciocínios. Tudo foi querendo Te encontrar. Só quero a Ti.
Dostoiévski, por sua vez, teria deixado claro: "prefiro o Cristo à verdade". É a mesma fala de São Tomás, só que mais concisa e explosiva.
Como conciliar a eterna onipresença criadora de multiversos com a presença única de um homem que provocou tantas paixões em gente tão nobre, mas sendo isso mesmo: uma presença única e historicamente limitada? Os católicos, fiquemos neles, criaram a explicação da Trindade. Dividiram Deus em três, mas disseram que cada parte vale o mesmo tanto, isto é, trabalharam na ordem do infinito. Entretanto, lá nessa ordem é tudo igual, infinitos indiscerníveis. Jesus claramente foi alguém aqui, inigualável.
Trabalho hoje visitando lares de pessoas doentes. Quase todas as casas tem santuários e quadros religiosos. Jesus está lá, quando não os seus anjos, ou então os seus santos. Sua mãe, também. Todos os personagens que acercam Jesus ganham ar de eternidade. Não daquela eternidade matemática de infinitos, num caldo de números cuja borda do conjunto se perde no horizonte, mas de uma eternidade que ama a tal ponto de abandonar a própria imperturbabilidade dos éteres e vir interceder pelos seres desprezíveis (no sentido moral e no sentido matemático).
Minha esposa acredita na Trindade, do jeito que ela é, do jeito que eles são, que eles são um. Não há problema para ela. Foi amamentada com uma obviedade trinitária, e questioná-la nunca lhe passou pela cabeça, ou não deixou que a dúvida se aninhasse. Nunca fui de sequer tentar desfazer essa crença. Não a acho nociva, pelo contrário.
Ela não acredita em um homem que se quis Deus, mas um Deus que se multiplicou em se dividindo, não comprometendo, assim, a sua própria identidade, e se fez homem. Sendo Pai, se fez filho; sem perder o ar de Pai, foi amigo; sem deixar de ser um Mestre, esteve aprendiz de carpintaria com seu pai terreno, para então talhar novas imagens de Deus no coração dos homens. Como? Revelando-se a Si mesmo no cotidiano das gentes.
Daí, nasceu uma religião que busca resgatar cada ser humano, um por um, de volta a um paraíso há muito tempo perdido. Na conversão deles, o amor vai se fazendo a tônica das relações, e o perdão das ofensas, junto com a abertura para o pecador, na esperança que ele seja santo um dia.
Muitas outras crenças que querem salvar os homens, desprezam-nos como indivíduos, e voltam sua lógica para a matemática dos infinitos indiscerníveis. Como o socialismo, que não se importando em sacrificar inimigos no altar da história, e até mesmo amigos, faz desaparecer o homem em conjuntos amorfos que devem ser conduzidos ao final perfeito. Ou mesmo o liberalismo, que nos promete a equação certa da riqueza e a herança de um mundo menos desigual, embora sempre desigual, só que menos. E para os que não tem forças para esses empreendimentos, o da conquista do final da história ou do fim da pobreza, não há muito para lhes falar. A história e o seu fim, a riqueza e sua receita, infinito, infinitos.
A religião de Jesus promete a eternidade. Jesus não precisava prometer. Ele era a eternidade andando entre nós. E as pessoas quedavam-se prosternadas com este absurdo: a eternidade invadindo o passageiro. Os que lêem suas palavras, trazem-nas como se elas tivessem o poder de iluminar cada momento de suas vidas, pelos séculos e séculos. Na hipótese mais redutora, com Jesus inaugura-se a possibilidade de interagir, olho no olho, com o eterno.
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