E pela manhã cedo tornou para o templo, e todo o povo vinha ter com ele, e, assentando-se, os ensinava.
João 8:2
João 8:2
"E pela manhã cedo tornou para o templo,
e todo o povo vinha ter com ele,
e, assentando-se,
os ensinava."
(João 8:2)
Para começar, tenho que elucidar alguns pontos do título:
- Por revelação quero dizer todo conhecimento que se manifesta fora da construção que a razão individual pode engendrar.
- Por verdade vital quero dizer toda verdade que é essencial para conseguirmos viver diariamente.
Cotidianamente não buscamos a verdade das coisas. Vivemos sem essa busca consciente. O que nos faz tomar as rédeas dessa busca é o estranhamento, o espanto, o assombro. Desde que mamãe me ensinou a escovar os dentes, nunca precisei parar para entender pormenorizadamente o mecanismo dessa ação, e a tenho como primeiro imperativo assim que acordo. Caso um acidente vascular venha danificar minha motricidade, se meu juízo crítico não for junto com a falha cerebral, a busca pela verdade da escovação dentária se impõe.
Mesmo esse problema banal, o da escovação da primeira hora da manhã, se evidencia: uma verdade vital que necessita de uma revelação para ocorrer. Mamãe me revelou que a manutenção da saúde bucal passava pela escovação. Sem ela, ou qualquer contato social que tivesse me apontado esse dever, teria de ter reinventado essa arte. Aqui se apresenta uma das faces da revelação: ela poupa esforços quando se encarna na história humana.
Há, contudo, verdades vitais, de ordem cada vez mais superior, cujo alcance gradativamente escapa do sujeito isolado. São elas as de ordem ética e da beatitude. Entendendo a ordem ética a que nos permite viver em sociedade e as da ordem beatífica a que nos permite viver para Deus. Ser solidário às necessidades da civilização participa da primeira ordem e anuncia a segunda. Ser sincero e coerente com os próprios ideais, ainda que eles sejam ignorados pela sociedade, participa da segunda ordem, coroando a primeira. Saber ajoelhar-se diante do infinito e praticar as lições escondidas do amor está imerso na segunda ordem, permitindo a primeira ter sua parte nesta. Mas, como ascender ao conhecimento necessário para praticar estas duas ordens se fôssemos solitários? Impossível.
Para termos acesso aos conhecimentos da ordem ética e da beatífica necessariamente é preciso de alheios que firam nossa consciência cotidiana, que cobrem respostas retas, que exijam posicionamentos oportunos. Estes outros são os reveladores dos desafios e, não raro, os doadores de respostas. Novamente, se fôssemos esperar sempre ter de construir as respostas apenas por nós mesmos, cada vida terminaria em projetos inacabados sem nenhum avanço global. Restaria ao maior ou menor grau de genialidade de cada um ser mais ou menos probo, mais ou menos santo que o vizinho radicalmente separado da minha aventura existencial.
Mesmo que tivéssemos vida o suficiente para tanto, para ter possibilidade de finalizar a questão da ética e da beatitude, há um limite da nossa consciência que impede a resposta final. Aqui é onde entra a metafísica. Apenas um ente que pertence ao além do lugar onde estamos é que pode nos iluminar o caminho a seguir. Sem esse estranho nada podemos fazer senão circular em torno de nossa idiotia. É o mesmo que um povo de uma ilha querer conhecer o mundo sem jamais sair dali. Trocam figurinhas do mesmo. Diante dessa limitação, há apenas dois movimentos: (1) desistir de procurar e imaginar que o futuro é construção pessoal de cada amanhecer, (2) abrir o ego para o novo que o alheio traz, não como uma possibilidade radicalmente diferente que inauguraria uma outra forma de existir na qual perderíamos tudo o que vimos sendo, mas como revelação de possibilidades ulteriores que iriam se somar aos nossos esforços na construção de um homem integral.
As experiências de peregrinação, de rebanho, de plateia de pregadores, na segunda hipótese recebem novos ares de validade, e talvez mesmo de necessidade ontológica da condição humana.