sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Sobre solidão



Aqui me afasto um pouco sobre o estereótipo de crescimento espiritual relacionado a um ser ativo, prestativo, caritativo. É que o outro lado da moeda também precisa ser visitado, de tempos em tempos. 

Demos sempre para ver as grandes almas nos seus momentos áureos percorrendo as gentes e fazendo milagres. Habituamo-nos assim a pensar que o grande milagre mesmo é sair do lugar onde estamos e andar para o povo, mexer com ele, ressuscitar os aflitos e desanimados. Assim vimos Jesus fazendo. João, o evangelista, chega mesmo a dizer ao final de suas narrativas:

Há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus fez; e se cada uma das quais fosse escrita, cuido que nem ainda o mundo todo poderia conter os livros que se escrevessem. (João 21:25)
Fazer é o verbo que vive a castigar-nos a atenção. Mesmo aos não-crentes, o modelo que se instalou em nossa sociedade é exatamente este: produção. E talvez mesmo por isso, tendemos a ver Jesus assim: o fazedor

Esquecemos que antes de convocar os apóstolos houve dois desertos: o da ausência de qualquer história - oficializada - que nos diga o que estava fazendo ele pela adolescência a fora e o da viagem que ele percorreu enfrentando o seu Oposto longe de todos. Nenhum cristão, em sã consciência interpretativa, diria que esses períodos seriam menos santos do que o capítulo de "fazedor de milagres" e "pregador do povo". 

Cada um dessa forma, considerando a vida de Jesus como modelo, não deveria desperdiçar as oportunidades que temos de:

1. Ter uma história silenciosa de vida;
2. Ter uma viagem pelo próprio deserto a enfrentar o seu oposto longe de todos.

Entendendo que mais cedo ou mais tarde (meu amigo astrônomo diz que isso demora alguns milênios para ocorrer), a Terra desloca seus pólos e o deserto vira mar. É quando, então, somos incitados a nadar entre as gentes de novo e nos aquecer com o calor do povo, bem como nos queimar com as traições, arder com as paixões, amar sem medida. 

A vida é um pêndulo, a solidão um dos fatos extremos. E isso é só. E isso é belo. 



PS.: Amigo distante que vem enfrentando o deserto me diz que há um nome para solidão não-patológica: solitude. Qual não é minha surpresa quando encontro ao dicionário que o significado dela é "solidão poética". 

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