segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Ao principiante espírita e afins - Parte I



Acho que carece nestas postagens de uma que tente falar o que é o Espiritismo. Alguns conhecidos, vendo minha filiação explícita (e biológica - meus pais eram espíritas) a essa doutrina, me abordam no sentido de que eu lhes indique livros, por assim dizer, iniciáticos. É uma árdua missão essa. Estamos na era do Facebook quando raras são as pessoas que ousam procurar ler a fonte das citações que aparecem rápidas na esteira dos status do dia. Nova lei da selva: seja objetivo ou não seja lido. 
O meu fim aqui é tentar deixar claro os contornos da Doutrina Espírita. Como tento fazer isso em uma página, vejam lá o que vocês vão concluir do resto de tudo - é perigoso! Estou sinalizando zonas de estudo.

O Espiritismo nasce na França, não as comunicações mediúnicas. Estas nasceram quando o primeiro homem morreu, deixando o segundo vivo. Quando Adão desencarnou (é como chamamos o fato de a alma se separar do corpo definitivamente), Eva o deve ter visto feito vulto pela Terra e matado a saudade de falar com ele. Mediunidade é um fenômeno humano, diria mesmo (estou pensando muito nisso nos últimos tempos) condição de como conhecemos todas as coisas que nos circundam. Todos os objetos e homens são mediatizados pela nossa consciência. O que eu narro para você é a minha perspectiva da realidade, isto é, é a realidade que se manifesta por mim. Os mortos, portanto, que preferimos chamar de Espíritos (com E maiúsculo), sendo realidade, se manifestam sempre pelos seus intermediários, a que denominamos médiuns. Se eles se manifestam de forma mais ou menos explícita, intensa, contundente, é só uma questão de meio. 

E há Espíritos mesmo? Responder sim a esta pergunta dá margens em crer na imortalidade perpétua da alma, o que, a rigor, não podemos constatar, já que o infinito não nos pertence. Esse Espírito, sim, sobrevive ao corpo. É isso que as experiências espíritas demonstram. Tem um filósofo contemporâneo de que gosto muito, André Comte-Sponville, que fala ser pura superstição a tal das mesas que giram movimentadas por Espíritos. É uma pena ele falar isso só por ouvir falar, é o que dá a entender. Portanto, se as mesas girantes só passaram por seus ouvidos, fica difícil delas ele ter uma opinião mais clara. Ele fecha o raciocínio com uma placa: superstição. Pobre! Não só Kardec, mas vários outros cientistas de escol da época estudaram as tais mesas girantes, concluindo que não eram fraude e que, hipótese mais provável, uma inteligência extra-corpórea animava aqueles corpos inanimados. Acredito que a coisa seja tão espetacular que fere o sentido da maior parte das gentes, cegando-as. Então, vem Sponville em novo contra-argumento infantil, "por que Victor Hugo não volta com todo seu esplendor, ou Beethoven, pelas mãos dos médiuns"? Para o Espírito de Victor Hugo ou Beethoven manifestarem seus dons em seus corpos foi necessário todo um amadurecimento - afinação - de décadas até o auge de suas obras. O corpo é dominado pelo Espírito em múltiplos desafios de crescimento. Muito embora o médium ofereça seu corpo para deixar vir um romance ou uma sinfonia, não podemos nunca esquecer que aquele corpo se adequou a deixar passar todo o gênio (ou a estultice) do Espírito que nele encarnou. Caso 1: Dostoiévski perde as mãos e tenta ditar uma obra para um analfabeto. Caso 2: Tenta ditar uma obra para um engenheiro que só sabe de engenharia. Caso 3: Para um chefe de cozinha que se dedicou toda uma vida para agradar paladares. Milagre sair algo agradável daí, como muitas vezes sai. 

Reencarnamos? À época de Kardec, isso havia ficado como “dogma”, isto é, princípio de dedução. Os Espíritos diziam que sim. Davam argumentos lógicos. Insistiam nessa posição. Kardec acedeu, não sem diálogo, não sem confronto. Aí está uma mudança fundamental do posicionamento espírita para com os Espíritos. O que vem desse canal não é verdade absoluta, mas matéria para análise. É o homem iluminado que não mais aceita verdades sem críticas. O problema é que o Iluminismo levou isso tão a sério que culminou na rejeição dos próprios autores: “As verdades que vêm dos Espíritos não são verdades pelos simples fato de não haver Espíritos”. Enterraram, sem conseguir matar, toda e qualquer doutrina que dissesse o contrário. Nos dias de hoje, um ramo crescente da psicologia, cujo trabalho clássico é o do Dr. Ian Stevenson, estuda casos de crianças que possuem lembranças de pretensas vidas passadas, sinalizando fortemente a possibilidade de verdade dessa tese. Como, no ocidente, fomos terrivelmente dominados pelo silenciamento dessa cultura das múltiplas vidas, o máximo que a nossa ciência aceita é “construções do imaginário de vivências profundas”. O limiar entre a cautela e a covardia, entre a sensatez e o preconceito é tênue. 

Há vidas em outros planetas? A natureza é animada? Falarei sobre isso, que são outros dois princípios que considero fundamentais, depois. Queria finalizar com a crença em Deus. 

Deus existe para quem acredita em Deus. A verdadeira crença em Deus é de tal envergadura que impõe sua existência em nossa vida. Eu seria mais fiel ao Espiritismo se dissesse aqui os argumentos que os Espíritos deram a Kardec para afirmar a existência do criador. Mas, é que aqueles argumentos (universalizantes) me convencem menos do que este (pessoal): 

  • Minha forma de ver o mundo não comporta a não-existência de um Criador. Ele se bole no escuro da minha inteligência, fala claramente ao coração. Sou herdeiro de uma cultura, a cristã, que sempre viu nEle o amparo e a solução para as dores, a esperança imortal. Não espero que o homem vá conseguir provar Sua existência, nem tão pouco concluí-la de forma cabal. Duvido de qualquer prova que se atreva a entrar nesse campo. Indícios? Quando muito... Como um ser inconcluso pode chegar à conclusão que finda todas as buscas? Não anatematizo quem não consegue acreditar no que acredito. A verdade sobre Ele chegará - isso é  da ordem da fé - quando a desconfiança não fizer mais sentido entre nós. Quando cada ser humano não tiver mais motivo para não chamar o outro de irmão. Chegaremos a certeza do Pai, então, pela instauração da universal, e verdadeira, irmandade. A busca, portanto, não é para provar a existência de Deus, mas para saborear o amor entre os homens. E é quando menos nos interessamos em chegar a Deus por essa via que nos enchemos de uma graça divina ao conseguir. 

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