sábado, 16 de março de 2013

Espiritismo: entre Modernos e Nietzsche (Parte I)




O contra-argumento clássico ao amor fati de Nietzsche, isto é, ao amor de tudo o que é presente, é simples, objetivo, cheira a banal, mas é incontornável. 
- Amar tudo o que é presente? Então deveríamos amar Auschwitz?

Mas, Nietzsche não era um hipócrita. Quando um cataclisma arrasou a ilha de Java, ceifando duzentas mil vidas, ele exclama: “Que magnífico!”, diz um de seus biógrafos Daniel Hálevy. 

O terremoto de Lisboa de 1755 também foi uma carnificina, que deixo a conhecer na narrativa de Oliveira Martins sobre a História de Portugal:

A onda do povo aflito, retrocedendo, a fugir do mar, tropeçava nas ruínas; e as quedas, e a metralha dos muros que tombavam, abriam na floresta viva, aditada pelo vento da desgraça, clareiras de morte, montões de cadáveres e poças de sangue, dos membros decepados, com manchas brancas de cérebros derramados contra as esquinas.” (clique aqui para mais detalhes)

A resposta dos pensadores da época, os modernistas, se deu em termos de enxergar a natureza não como uma mãe, a maneira dos antigos que veneravam Gaia, nem dádiva de um Pai bondoso, como pensavam os cristão sobre Canaã, era uma força neutra a quem se devia combater e superar, prever e dominar, com as armas da amada ciência que nascia. A natureza humana era mais importante que a natural natureza.

Para Nietzsche, o mundo é definitivamente um caos, e daí? Amá-lo como ele é. Forças ativas nos geram e faz florescer tudo ao redor. As reativas nos matam e provocam a renovação dos seres. Estupidez humana que, não sendo mais do que um elemento (um sintoma) do mundo, quer se destacar dele e tentar enlaçá-lo. Sabedoria é entregar-se ao fluxo da vida e felicitar-se com o que há desde agora, inocentando o que há de vir. 

Até mesmo Auschwitz? E o rosário esquelético da fome? E as leucemias japonesas do pós-bomba?

O que vai distinguir o reino humano dos outros reinos “inferiores”, bem sabem os modernos (Rousseau no topo desse pensamento), é a sua liberdade. Capacidade de se desvencilhar da sua natureza primitiva para ascender a um novo patamar, uma segunda, terceira, quarta natureza. Essa faculdade explica tudo, da caridade à crueldade. Contudo, não fica o universo alheio aos excessos do homem. Definitivamente, é um só cosmos, diríamos mesmo tratar-se de um organismo. O homem, parte dele. Livremente o homem age, sutil ou avassaladoramente o universo reage. 

Liberdade e Necessário Retorno, eis o que pode explicar tudo ao nosso redor, o que me dedicarei a falar em outra oportunidade. Acredito que essas duas ideias, com as quais o Espiritismo joga, esclarecem a vida de forma surpreendente e conciliam as visões que coloquei divergentes até aqui. 

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