domingo, 10 de fevereiro de 2013

Os Miseráveis





Ao falar de Os Miseráveis todos devem suspirar pelo mocinho Jean Valjean ou torcer pela Cosette e seu destino. Na nossa mentalidade bipartida Deus e Demônio, Javert é o réprobo. Mas, sempre o olhei com inquietação. Que final!


No filme, é extremamente simbólico sua canção sobre as estrelas que determinam a hierarquia do mundo.  E ao final, perto do seu final, Javert escurece as estrelas. Já não servem mais de norte algum. O que fazer se tudo pode mudar? Como suportar a derrocada de seus valores mais caros que eram o esteio de todo a sua vida?


Peço que olhem Javert com mais cuidado, e mais carinho. Ele reside em todo indivíduo apaixonado.


Me perguntou certo dia minha esposa:


- E se tudo o que você acredita for mentira? Se os Espíritos não podem se comunicar? Se não podem reencarnar? Se mesmo não existirem, isto é, se a imortalidade for um engodo?


Resposta mais óbvia de todo apaixonado: 


- Mas não é mentira!

- E se for...


Submetido, então, a ditadura do “e se”, o meu coração bate como as últimas batidas do coração de Javert.


Não é que não possamos mudar nossas crenças, mas é que o extremo oposto nos torna pusilânimes. O que seria de toda e qualquer convicção se os seus adeptos cedessem à primeira dúvida? A dúvida deve ser acolhida, mas a busca pela certeza deve ser o próximo passo. E se um conjunto de evidências (nossas estrelas) apontarem para um norte, esse caminho deve ser seguido com coragem e dedicação a partir do mesmo instante que se alcança a fé. 


Todos têm fé. É impossível viver neste mundo sem a possuir. Fé em algo, qualquer coisa. Ainda que seja fé no que muda. Estes brigam contra aqueles que dizem que há uma ordem no fundo das coisas. Não importa. Fé, por todos os lados. Não fanatismo, por Deus, não! 


Fico com o materialista Sponville, quando tenta definir religião: “Conheci alguns crentes de verdade, cuja evidente superioridade, pelo menos em relação a mim, devia muito à sua fé para que eu me permitisse condená-la. A religião só é odiosa quando desemboca no ódio ou na violência. Nesse caso, já não é religião, e sim fanatismo.”


E tentando responder ao jogo infindo dos “e se” que vão minando o que me mantém vivo:


Se não o Espiritismo
Apenas Deus
Ainda que iracundo

Se não Deus
Pelo menos minha esposa
Ainda que distante

Se a separação
Sobram-me amigos
Quiçá os inimigos!

Se a indiferença
Volto à família
Pois sempre há o sangue

Mas se já exangue
Só me resta o abismo.




Javert!

Um comentário:

  1. Li o texto. Muito bom. Mas esse equilíbrio entre a fé e a dúvida, talvez melhor que a velha dicotomia fé e razão, parece ser dada por um equilibrista bêbado sobre o fio de uma navalha infinita.

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