Ao falar de Os
Miseráveis todos devem suspirar pelo mocinho Jean Valjean ou torcer pela
Cosette e seu destino. Na nossa mentalidade bipartida Deus e Demônio, Javert é
o réprobo. Mas, sempre o olhei com inquietação. Que final!
No filme, é extremamente simbólico sua canção sobre as
estrelas que determinam a hierarquia do mundo. E ao final, perto do seu final, Javert
escurece as estrelas. Já não servem mais de norte algum. O que fazer se tudo
pode mudar? Como suportar a derrocada de seus valores mais caros que eram o
esteio de todo a sua vida?
Peço que olhem Javert com mais cuidado, e mais carinho. Ele
reside em todo indivíduo apaixonado.
Me perguntou certo dia minha esposa:
- E se tudo o que você acredita for mentira? Se os Espíritos
não podem se comunicar? Se não podem reencarnar? Se mesmo não existirem, isto
é, se a imortalidade for um engodo?
Resposta mais óbvia de todo apaixonado:
- Mas não é mentira!
- E se for...
Submetido, então, a ditadura do “e se”, o meu coração bate
como as últimas batidas do coração de Javert.
Não é que não possamos mudar nossas crenças, mas é que o
extremo oposto nos torna pusilânimes. O que seria de toda e qualquer convicção
se os seus adeptos cedessem à primeira dúvida? A dúvida deve ser acolhida, mas
a busca pela certeza deve ser o próximo passo. E se um conjunto de evidências
(nossas estrelas) apontarem para um norte, esse caminho deve ser seguido com
coragem e dedicação a partir do mesmo instante que se alcança a fé.
Todos têm fé. É impossível viver neste mundo sem a possuir. Fé
em algo, qualquer coisa. Ainda que seja fé no que muda. Estes brigam contra
aqueles que dizem que há uma ordem no fundo das coisas. Não importa. Fé, por
todos os lados. Não fanatismo, por Deus, não!
Fico com o materialista Sponville, quando tenta definir
religião: “Conheci alguns crentes de verdade, cuja evidente superioridade, pelo
menos em relação a mim, devia muito à sua fé para que eu me permitisse
condená-la. A religião só é odiosa quando desemboca no ódio ou na violência. Nesse
caso, já não é religião, e sim fanatismo.”
E tentando responder ao jogo infindo dos “e se” que vão
minando o que me mantém vivo:
Se não o Espiritismo
Apenas Deus
Ainda que iracundo
Se não Deus
Pelo menos minha esposa
Ainda que distante
Se a separação
Sobram-me amigos
Quiçá os inimigos!
Se a indiferença
Volto à família
Pois sempre há o sangue
Mas se já exangue
Só me resta o abismo.
Javert!
Li o texto. Muito bom. Mas esse equilíbrio entre a fé e a dúvida, talvez melhor que a velha dicotomia fé e razão, parece ser dada por um equilibrista bêbado sobre o fio de uma navalha infinita.
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