quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Se o espiritismo tivesse uma missa...



O ápice da missa católica é quando o padre tem a hóstia e o vinho transformados (leia-se: transubstanciados) em carne e sangue de Jesus. Conclui-se que, para o Cristianismo oficial, a atitude mais importante de Jesus foi o sacrifício de sua existência corpórea, o "dar a própria vida" em favor de muitos. Sobre isso se constrói toda a teoria do cordeiro de Deus, sacrificado para santificar o povo, ter seus pecados perdoados. 

Bem, no espiritismo, se tivesse uma missa, não teríamos vinho. Seria água. A água subiria ao altar para saciar a sede de quem trabalhou. E, no momento mais sagrado, ela seria transubstanciada em suor do Cristo. É porque, para nós, não é a singularidade da morte (e ressurreição) de Jesus que mais importa. Importa! Claro que importa! Todavia, importa muito mais todas as horas que passou aqui servindo ao próximo, suportando perseguições de governadores, intrigas de sacerdotes, incompreensões de apóstolos, traições. 

Isso demonstra bem a diferença capital entre nossos cristianismos. Define nossa heresia

A primeira concepção te oferece uma visão da salvação que passa necessariamente pela aceitação daquela morte do inocente para que, a partir dela, você renasça santificado. A nossa concepção nos oferece uma visão da salvação que percorre a luta diária para o despojo de nossas imperfeições rumo ao modelo maior de trabalhador, o suor mais puro, a imitação de Cristo. O renascimento se fará tantas vezes quantas forem necessárias para se chegar a uma perfeita imitação, contando, para isso, cada gota de suor (olhos também suam) derramada nesse caminhar.

Quando se pode colocar a hóstia na boca? Ao aceitar a divindade de Cristo e seu sacrifício. Sendo um bom cristão. Contudo, a verdadeira aceitação incita a bondade. 

Quando se poderia beber a água? Depois de muito trabalhar, dia e noite, sacrificando, por vezes, horas de lazer, a fim de construir o Reino de Deus na Terra, em nós. O esforço da bondade constrói a verdadeira aceitação. 


quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Carta para Luc Ferry sobre o Espiritismo

Clique aqui para ler a carta



O motivo da destinação desta carta para o filósofo francês Luc Ferry veio da simpatia crescente que sua filosofia despertou em mim, manchada, todavia, pelo descrédito que ele deu em relação ao espiritismo em passagem rápida de sua autobiografia intelectual. Considerou um ultraje a comparação de seu pensamento com “coisas de espiritismo”.

Não é de se admirar que em todo o resgate do cristianismo quase nenhum estudioso não-espírita dedique qualquer página sobre o espiritismo como um desdobramento notável. Essa carta, portanto, vem com o objetivo de colocar o espiritismo, não só no quadro das doutrinas cristãs, mas também de promover essa explicação se valendo do esquema didático de Luc Ferry. Este afirma que toda grande escola de pensamento passa por três grandes vias de questionamentos: os teóricos (sobre aquilo que existe), os éticos (sobre como devemos nos portar diante daquilo que existe), os salvíficos (sobre o sentido último de tudo o que existe).

Os trabalhos que mostram o que verdadeiramente é o Espiritismo são muitos, mas ainda insuficientes para fazer cair por terra todo o preconceito de que somos alvo. Essa carta, assim, não está em excesso. 


Como essa defesa se embasa no pensamento de Ferry, vale como uma introdução ao mesmo, e as indicações de leitura estão espalhadas pela carta. Não se importem muito com os rodapés, a princípio, eles são para uma segunda leitura.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Enciclopédia Britânica Escola Online foi a que melhor definiu o Espiritismo para o leigo

Adorei o verbete que a Britânica Escola Online dedicou ao Espiritismo:



"O espiritismo é uma religião que acredita que a alma, ou o espírito, continua viva após a morte. O espiritismo surgiu na França em 1857, com a publicação de O livro dos espíritos, de Allan Kardec.

Crenças

A doutrina espírita baseia-se em cinco pontos principais: a existência de Deus; a imortalidade da alma, ou espírito; a reencarnação, pela qual as pessoas voltam a nascer depois da morte, para se aprimorar; a existência de outros mundos habitados; e a lei do carma, pela qual o destino de cada pessoa está relacionado aos atos que pratica.

Seus ensinamentos principais são o amor ao próximo e o amor a Deus, a caridade e a evolução do ser humano.

Não existe culto, ritual nem sacerdote na doutrina espírita. Segundo ela, todos serão salvos — alguns antes, outros, depois, de acordo com o progresso de cada um. O espiritismo não combate nenhuma religião.

O surgimento do espiritismo está ligado a diversos acontecimentos, mas o que se tornou mais conhecido ocorreu em 1848, nos Estados Unidos. Na casa de uma família com duas filhas pequenas, ouviam-se fortes pancadas no teto e nas paredes do quarto das crianças. Uma delas resolveu responder, batendo também; em seguida, obteve resposta. Essas batidas teriam sido dadas pelo espírito de um homem que teria sido morto naquela casa, muitos anos antes.

Diversos estudiosos avaliaram esses fenômenos, considerando-os verdadeiros. Entre os mais importantes estão Kardec e Flammarion, na França; Frederick Myers (que fundou a Sociedade para a Pesquisa Psíquica), Lodge e Wallace, na Inglaterra; Lombroso e Schiaparelli, na Itália; e Zöllner, na Alemanha.

Os espíritas acreditam na mediunidade, pela qual uma pessoa com percepção extrassensorial (acima do normal) — denominada médium — pode ver pessoas mortas e ouvir o que dizem, entre outras coisas."


Alguns termos mereceriam maior problematização: Espírito difere conceitualmente de Alma. Carma não é uma palavra espírita. Destino é uma palavra forte demais, cheia de história e peso, temos uma discussão pormenorizada sobre isso. "Ser salvo" é outra expressão que mereceria ser melhor explicada, mas, grosso modo, está excelente!

espiritismo. In Britannica Escola Online. Enciclopédia Escolar Britannica, 2014. Web,
2014. Disponível em: <http://escola.britannica.com.br/article/487834/espiritismo>. Acesso em:
07 de outubro de 2014.                              

sábado, 4 de outubro de 2014

Também perdi um filho

Antes desse pequenino que está aqui escalando minha perna, também perdi um filho. E soube quase agora que um grande amigo está passando por isso. O que dizer?

Ele pediu para não ligar, que ficássemos em oração.

Todas essas coisas que escrevo e falo, digam lá para que serve, para me fortalecer e às pessoas que morrem a cada dia, que têm seus entes amados mortos. De alguma forma muito intensa tentar fazê-las  acreditar, como se fosse óbvio, como se não desse para pensar de forma diferente, que o nada não existe. Nossos amores continuarão vivos e estarão bem. 

Consigo?

Claro que não. Apenas diminuo um pouco a dor de alguns. Preparo outros poucos para alguns reveses aqui e ali. A descomunal dor da perda que nos faz sentir o abismo de nossa mortalidade...

Chorei o meu primeiro embrião que não vingou e, no fundo, o que me consolou não foi nada de racional. Nada de lei de compensações ou de reencarnações. Fui chorar contra Deus para o meu melhor amigo. E ele me deu o ombro. Não ouvi quase nenhuma palavra do que disse. Mas, sua presença...

Chorei o meu pai que se foi. Precisei morder os lábios, curvar o corpo, gritar aos presentes que "aqui enterramos um homem que cumpriu sua missão". Sério, eu fiz isso! Ontem escrevi uma carta para ele, e mês passado, e há seis meses, e fazem sete anos...

Não me preocupo em partilhar esse texto com aqueles que encontram em meu blog um porto seguro. Quero deixar bem claro, rasgando essas minhas vestes, que sou tão homem, tão mulher, tão criança quanto vocês. O que não nos exime de tentar achar respostas, juntos.

Mas, por agora, a presença, o ombro, a oração... e a esperança.



quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Kardec, o democrata



Hoje vou começar a postar aqui algumas faces de Kardec que não conhecemos. Na verdade, só conhecemos uma: o sisudo de barbicha e costeleta que escreveu um monte de livros sobre diálogos com Espíritos.

Vejam só essa aqui:
"Também não é a estes que nos dirigimos [aos recalcitrantes], mas ao público, juiz em última instância das causas boas ou más. Há no espírito das massas um bom-senso que pode falhar nos indivíduos isolados, mas cujo conjunto é como a resultante das forças intelectuais e do senso comum.” (R.E. set 1863, p. 384, FEB)
Isso é para aqueles que imaginavam ser Kardec um senhor que ficava consultando os Espíritos para qualquer coisa, entendendo que dos Espíritos partiam todas as verdades. 

O clima da democracia é outro. A pergunta maior é: "Se a verdade existe para além do sujeito individual, como ela poderá se objetivar de tal forma que seja válida tanto para mim quanto para o outro?".

No horizonte profético da bíblia, as pessoas responderiam: "Simples, basta que tenha sido dita por Deus pela boca de um bom profeta!". 

No horizonte democrático a resposta é: "Se a verdade conquista a opinião das massas, transcendendo os particularismos, ela se revelou universal por essa forma!". Já não é mais porque se revela imponente na boca de um iluminado, mas porque se revela consensual na boca de todos. 

O espírito da Verdade se manifesta pela boca do povo, unido. 

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Sobre o medo que temos dos Espíritos



Uma colega de trabalho me fez a seguinte pergunta: "Venho sentindo muito a presença de Espíritos em minha casa. Às vezes tenho até medo de olhar e ver. Quando temos medo de ver o Espírito é porque ele é ruim?"

Não acho. Temos medo de quase tudo que nos é desconhecido. Muitas pessoas dizem que tinham medo de mim antes de me conhecer. Não que eu seja uma pessoa boa, mas não me considero ruim. Acho mesmo é que estamos completamente desacostumados com essa realidade espiritual ao nosso redor. 

Nossos últimos séculos corroeram a crença de que há Espíritos espalhados em todo o lugar, em tudo, em todos. Desencantaram o mundo, dizem. Mas, esse desencantamento possui conseqüências graves. Como que produzindo o seu contrário, o século das Luzes desemboca na era do extermínio das raças. Se você é uma ameaça para mim, basta que eu não te conceda o certificado de meu semelhante para que eu possa te exterminar. É quase como se fosse um não-existente. Se eu não te enxergo como merecedor do status de existente, facilmente posso te extinguir do meu quadro de possibilidades de vida. Falo do holocausto dos judeus, mas dos abortados também.

Entendem onde quero chegar? Se não pudemos matar os Espíritos, fizemos com que pelo menos fossem inverossímeis. O status de existente deles foi ridicularizado. E isso foi mais uma estratégia política-ideológica do que científica. Essa realidade espiritual-divina era usada para justificar poderes mágicos para classes nobre-sacerdotais que impediam outras classes de ascender ao poder. 

Tolice! Os Espíritos não conferem nem justificam poder à classe alguma. Eles, somos todos. É isso o que nos falta ver. Quando assimilarmos essa identificação visceral entre nós, ver Espíritos será tão natural quanto respirar. 

(Certamente, eu respondi para ela só aquele primeiro parágrafo em negrito. O resto desenvolvi aqui pro blog).

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

As pessoas que vivem em mim

Um amigo me pegou falando sobre o que acredito ter sido minhas encarnações passadas. Uma delas é sobre a que papai acreditava: ser eu seu próprio pai. 

Embora querendo respeitar minha crença, o amigo perguntava se eu não estava de má-fé,  deixando-me levar pelos condicionamentos que os outros colocaram sobre mim. Tipo, não assumir a vida com a autenticidade de tudo o que sou hoje, mas carregando o peso de tudo o que o passado diz que devo ser. Até mesmo justificando as atitudes pelas tais "encarnações passadas". 

Respondi carinhosamente:

- As minhas encarnações não me soam mais como justificativas, mas como álbuns cheios de fotos queridas. Aqui e acolá vou entendendo o animal que fui, o anjo que estou longe de ser. E vou reencontrando todas as pessoas que amei, que amo. Porque uma das mais fortes razões para eu acreditar em encarnação não é apenas não conseguir encontrar justiça para as aflições atuais apenas nessa vida, sem ceder à hipótese do acaso, mas, principalmente, de não conseguir encontrar razão suficiente de amar tanto e tão profundamente certas pessoas e não outras. 

Sobre meu pai achar que fui o pai dele, não me pesa de forma alguma. Fiquei sabendo disso depois que ele morreu. Ficou como a lembrança mais doce que guardo. Eu e ele, se revezando nos dramas da vida, tentando deixar crescer cada um por sua vez. 

A cena em que revelou isso para mamãe:

Entrei no quarto deles para pegar um dinheiro e sair com a namorada. Entrei e saí. Pedi quase sem pedir. Ela reclamou que eu gastava demais. Ele a silenciou, sussurrando: "Deixe! Ele trabalhou muito na roça para que eu conseguisse chegar onde eu cheguei..."