sexta-feira, 31 de março de 2017

Sobre o sinal do tempo e as convulsões (da minha mãe)



(Por ocasião da palestra concedida à Sociedade Espírita de Fortaleza ao dia 31/03/17)

Eu havia ficado de falar sobre o sinal dos tempos e as convulsões sociais. Acabei por falar sobre o sinal do tempo e as convulsões de minha mãe, não bem as convulsões, mas os tremores paralisantes, como são os da síndrome de Parkinson. É que, cá entre nós, a gente fala do que o coração está cheio, e as convulsões sociais, como estas que vem acontecendo pelo Brasil, não enchem meu coração (encheria o de alguém?).

Confesso que pensei em tanta coisa para fazer os ouvintes entenderem que cada movimento do universo obedece a uma ordem temporal bem orquestrada no concerto cósmico, que a prolixidade foi o meu tropeço. Escrevo estas linhas para me fazer melhor entender.

Como, ao final, ficou claro a quem verdadeiramente me dirigia, isto é, para mamãe que sofre de uma doença que desafia a bondade divina, acredito que me expresso com mais clareza se aqui falar para ela:

- Mamãe, sei que as probabilidades de essa doença ter lhe acometido são poucas. Sei que parece não haver consolo na solidão que enfrenta. Nem adianta falar que o todo, olhado de forma integral, é bom. É abstração demais para que compreenda. Então, queria, por um instante, que tomasse a minha mão e voasse para além desse planeta. Deixe seu corpo aí. Venha em Espírito.

Vou pedir um pouco a graça de Deus para que Ele passe a vida da Terra por nossos olhos. Vê como há ciclos em tudo? Vendo o tempo correr assim de bicicleta, parece até uma brincadeira toda a formação da Terra. Pois cada era geológica dessas foi um tempo suado de construção. Porém, cada coisa ao seu tempo foi se estruturando. Vê, a semente de cada ser vivo desabrochando, e o caldeirão da criação cedendo lugar às formas de tudo?

Calma, não se desespera. É um sonho bom esse que estamos vivendo. Tira um pouco a atenção das dores que aquele corpo sofre. Presta atenção em mim.

Vamos se aproximar um pouco da Terra de hoje em que a senhora vive. Vê as grandes árvores? Já testemunharam tantas gerações fenecerem! Desde as vidas mais simples e rupestres até as tragédias mais sanguinolentas shakesperianas. Olha ali! Um tronco perdido. Percebe que ele guarda em si os ciclos de mil crescimentos, aposições de experiências que o fez robusto como ele só?! Vem mais para cá. Voemos para as altas montanhas. Quero que saiba que elas contam as histórias milenares de uma Terra que já não é mais.

Não se preocupa, seu corpo dorme. Os tremores também. Permita-se esse vôo comigo. Precisamos olhar além daquelas dores.

Veja a humanidade. Deus agora vai permitir que o tempo corra outra vez aos nossos olhos. A terra gira, e os corpos humanos, feito areias de dunas, erguem-se e se vão com o vento. Percebe o erigir e o dispersar dos impérios? De repente, um dilúvio parece tomar conta de toda a Terra. Nós dois nos vemos no espelho dessa cheia infinda. A água desce, as terras habitadas surgem. Um arco-íris nos dá boas-vindas. A humanidade se renova junto com a transformação da casa em que habita. A Terra cicla, as estações passam. Há verão e inverno para todos. Podemos nos enganar o quanto quiser, mas é bem verdade que ciclamos junto com a Terra.

Respira. Respira fundo. Esteja presente neste momento. Eu sei que é descomunal um passeio desse. Todavia, eu preciso fazê-lo com você.

Sabe aquela faculdade que me deu cabelos brancos? Nunca contei a verdade toda dela para você. Foi repleta de fracassos. Mas, deu certo. O que isso tem a ver com o que lhe mostrei? É que, como eu, havia vários estudantes, e ainda há. Ela é meio um microcosmo da vida inteira. Nela me desconstruí, dela saí novo, sem contudo perder as camadas de história, luta, resistência, que ficaram superpostas no corpo. Sempre ouvi papai falar das história de Odisseu, o rei grego. Foram precisos dez anos para destruir a vida dele, e dez anos para reconstruí-la. Em seis anos a faculdade quase destruiu minha autoestima. Já vão seis anos e estou de pé, com dois filhos, e quase encontrado na profissão. Quero te mostrar, que tudo cicla. 

Só mais um pouco, mais um pouquinho. No tempo cotidiano onde dorme seu corpo, o sol se prepara vagarosamente para despertar. Por que a pressa em voltar? Talvez seja a primeira vez, depois de anos, que consigo fazê-la dormir por mais tempo.

Olha para trás, agora. Mil sóis se nos avizinham. Enquanto olhávamos o movimento da Terra, todos eles giravam. Um dia, uma estação, um ano, um século, um milênio. A própria humanidade atravessou eras, e estes sóis pareciam marcar certa cadência de uma lógica cósmica. Nada aconteceu por acaso. Cada movimento veio no tempo oportuno.

A última imagem que eu quero te mostrar: volta para a árvore que lhe apontei logo no início. Sabia que Jesus falava ser o Reino dos céus um grão de mostarda, que se transforma em árvore frondosa a aninhar passarinhos? Lembra que, como tudo na natureza, a árvore tem seus ciclos, um crescimento após o outro? Camadas e camadas de vidas que ela presenciou somadas a si? Não é a toa que Jesus fala de semente. A semente é o símbolo maior do tempo que desabrocha. Há dor em cada ruptura, em cada busca de novos patamares, na busca do sol. A semente da mostarda é o sinal do próprio tempo. Não tem como olhar para ela e não pensar que ali dorme uma árvore. Contudo, cada conquista ao seu tempo. Nossos sofrimentos passam, nossos corpos antigos passam, os sóis gravitam marcando ciclos do Espírito, testemunhando nossos passos de imortalidade.

Seus olhos estão abrindo agora, mamãe. O braço volta a tremer, o corpo a se agitar. A doença parece imperatriz. Não se engane. Mostrei-te tanto infinito. Isso que acontece agora, vai passar. Tanta coisa já passou. Vai chegar o tempo, em que teu corpo será templo do Reino de Deus maduro, e, então, dará sombra a transeuntes sedentos, aninhará passarinhos famintos. A doença de hoje, será um ciclo esquecido que te fez forte, e, então, frondosa. Ainda voaremos juntos de novo, e livres, pelo espaço sideral. O Reino dos céus não se toma de assalto, ele se ergue milenarmente em nossos corações, ciclo após ciclo.

Porta estreita



(Em razão da palestra concedida à Sociedade Espírita Irmãos do Caminho, ao dia 29 de março de 2017)

Eis a passagem evangélica a ser interpretada:

E disse-lhe um: Senhor, são poucos os que se salvam? E ele lhe respondeu:
Porfiai por entrar pela porta estreita; porque eu vos digo que muitos procurarão entrar, e não poderão.
Quando o pai de família se levantar e cerrar a porta, e começardes, de fora, a bater à porta, dizendo: Senhor, Senhor, abre-nos; e, respondendo ele, vos disser: Não sei de onde vós sois;
Então começareis a dizer: Temos comido e bebido na tua presença, e tu tens ensinado nas nossas ruas.
E ele vos responderá: Digo-vos que não vos conheço nem sei de onde vós sois; apartai-vos de mim, vós todos os que praticais a iniqüidade.
Ali haverá choro e ranger de dentes, quando virdes Abraão, e Isaque, e Jacó, e todos os profetas no reino de Deus, e vós lançados fora.
E virão do oriente, e do ocidente, e do norte, e do sul, e assentar-se-ão à mesa no reino de Deus.
E eis que derradeiros há que serão os primeiros; e primeiros há que serão os derradeiros.
Lucas 13:23-30
E disse-lhe um: Senhor, são poucos os que se salvam? E ele lhe respondeu:
Porfiai por entrar pela porta estreita; porque eu vos digo que muitos procurarão entrar, e não poderão.
Quando o pai de família se levantar e cerrar a porta, e começardes, de fora, a bater à porta, dizendo: Senhor, Senhor, abre-nos; e, respondendo ele, vos disser: Não sei de onde vós sois;
Então começareis a dizer: Temos comido e bebido na tua presença, e tu tens ensinado nas nossas ruas.
E ele vos responderá: Digo-vos que não vos conheço nem sei de onde vós sois; apartai-vos de mim, vós todos os que praticais a iniqüidade.
Ali haverá choro e ranger de dentes, quando virdes Abraão, e Isaque, e Jacó, e todos os profetas no reino de Deus, e vós lançados fora.
E virão do oriente, e do ocidente, e do norte, e do sul, e assentar-se-ão à mesa no reino de Deus.
E eis que derradeiros há que serão os primeiros; e primeiros há que serão os derradeiros.
Lucas 13:23-30
"Alguém lhe perguntou: Senhor, são poucos os homens que se salvam? Ele respondeu: Procurai entrar pela porta estreita; porque, digo-vos, muitos procurarão entrar e não o conseguirão. Quando o pai de família tiver entrado e fechado a porta, e vós, de fora, começardes a bater à porta, dizendo: Senhor, Senhor, abre-nos, ele responderá: Digo-vos que não sei de onde sois. Direis então: Comemos e bebemos contigo e tu ensinaste em nossas praças. Ele, porém, vos dirá: Não sei de onde sois; apartai-vos de mim todos vós que sois malfeitores. Ali haverá choro e ranger de dentes, quando virdes Abraão, Isaac, Jacó e todos os profetas no Reino de Deus, e vós serdes lançados para fora. Virão do oriente e do ocidente, do norte e do sul, e sentar-se-ão à mesa no Reino de Deus. Há últimos que serão os primeiros, e há primeiros que serão os últimos."
São Lucas, 13:23-30

Relendo essa passagem, há novidades que me saltaram aos olhos. A primeira é que em Mateus (7:14), Jesus fala que pequena é a porta  ou o caminho que leva à vida. O que seria, então vida para Jesus?

Nessa passagem de Lucas, aparece a questão da salvação, do Reino dos Céus como um festim, e do pai de família que fechará a porta. 

Vou falar, então, sobre essas imagens, para ver se conseguimos uma interpretação orgânica.

Vida

Para Jesus, vida é mais que simplesmente estar com o corpo em movimento, portando energia vital, tendo os órgãos pulsando. Uma passagem assaz significativa é em João (14:19) que Jesus diz viver, mas que os apóstolos viverão ainda. E fala isso perto do seu desenlace trágico. Isto é, iria morrer, mas diz: "eu vivo".  E mesmo depois de morrer esse "eu vivo" ainda permanece válido. Perceba que não disse "viverei", como se fosse um viver após a morte de que seria vítima.

É que a vida da Boa Nova é um despertar de consciência. Aquele que tem a palavra de Deus ou o reino de Deus já implementado em seu coração, este vive. 

A meta do Espírito, pois, é despertar-se para a vida. Jesus já era desperto. Os apóstolos ainda iriam acordar. E veja mesmo que Pedro, a pedra fundamental da igreja, só veio passar pelo verdadeiro despertar quando submetido a contradição profunda de enfrentar o mundo escolhendo à Cristo. Enquanto Jesus aparecia sedutor e infalível entre o povo, não era difícil largar a rede de pesca para segui-Lo, porém ao mostrar-Se falido e mortificado entre os algozes, os sentimentos mudam de figura. A dúvida aparece pungente. Seria esse mesmo o Messias que haveria de vir? Curou tantas pessoas e não pode salvar a si mesmo?

Essa dor de Pedro repete-se, como uma maldição, em todo despertar do Espírito dos cristãos desde então. Porém, não vemos no Espiritismo como uma maldição, mas como um estímulo que no tempo oportuno irá gerar o movimento certo. Daí surge a questão do Reino.

Reino

Antes daquela passagem de Lucas, Jesus desafiava os olhos das pessoas com curas, e escandalizava a Lei profanando o dia de sábado em favor da salvação dos homens. Quando começa a falar do Reino, toma a figura de um grão de mostarda que cresce, torna-se frondoso, e aninha os pássaros do céu. 

Ora, o Reino dos céus só pode ser plantado por Deus, e é Deus mesmo que cria a semente. Por que a semente? Por que não surge um reino de súbito num fiat lux? É que a semente traz consigo um símbolo pedagógico. Ela contém, em-si, tudo o que ainda vai acontecer. Porém, ela é portadora de um tempo de acontecer. E de um tempo propício. É preciso condições e cuidados para que o que há nela vingue. O Reino, pois, pode não ser mesmo um lugar estanque no espaço, mas um crescimento para uma forma absoluta do Ser que, atualizado em nós, passa a ser abrigo e sombra para muitos. 

Essa é a visão espírita. Estar no Reino de Deus é ser uma consciência desperta. Todavia, um despertar que custa vidas sucessivas para acontecer. Cada momento na existência do Espírito conta para esse desabrochar. Ao final, não é nós que atingimos o Reino, mas ele que está frondoso em nós. Passamos a ser abrigo e consolo para os transeuntes. É a figura do sábio, é a figura do santo, é Cristo como modelo. 

Salvar-se, então, é estar salvo. E não ser resgatado para este ou aquele lugar paradisíaco. E quando a pessoa vive a salvação em si, o lugar não mais importa, já que Deus não habita um lugar senão todo o universo mergulhado nEle

Pai

Contudo, depois de todas essa viagem exegética, algo soa estranho. O pai de família que segura a porta estreita fecha a porta para alguns filhos. Se há uma imagem de fato para "choro e ranger de dentes" é a de um filho chegar na casa de seu pai e não poder entrar. Pelejar, implorar até, e a porta, implacável, cerrar aos seus olhos. Não parece condizer com a figura amável do Pai que Jesus prega aqui e acolá. Contradiz-se com àquela do filho pródigo, que teve uma festa ao seu retorno. Pois bem, esta última parábola, considero a chave interpretativa maior para esse problema. 

Nós ou somos peregrinos ou somos moradores da casa. Eis a figura dos dois filhos. Quando não fazemos a vontade do Pai, é que o mundo nos chama, é que o mundo nos espera para nosso amadurecimento, frequentemente com dores, que são a tomada de consciência que a casca (o exoesqueleto) a nos envolver vem pequena demais.

O Espiritismo vem dizer que não há ranger de dentes perpétuo, não há inferno infindo. A reencarnação é a oportunidade que o Pai de todos dá para que consertemos o que deixamos quebrado, que continuemos os trabalhos incompletos. Temos todo o Reino em nós, e a casa do Pai aguarda com festa o dia do nosso retorno - quando estivermos preparados para receber a herança. 

domingo, 19 de março de 2017

Meu corpo é um erro


 Aos trinta anos, um desvio patelar e uma má inserção do tendão da patela junto ao fêmur provoca um desgaste da cartilagem da mesma. O pé plano de sempre provocou uma curvatura nos joelhos que pioraram o desgaste. A tireóide há dez anos se mostrou insuficiente, e há dois deu pra manifestar um tumor em que a cirurgia de extração do órgão inteiro foi a melhor solução. As paratiróides poderiam ter sobrevivo incólumes à cirurgia, mas por outros tantos motivos obscuros pararam de funcionar com o trauma iatrogênico. O cálcio vem em níveis subfisiológicos, e a letargia presente, bem como os formigamentos, a hiperexcitabilidade dos neurônios e as cãibras são alguns sintomas tristes desse mal. 

Sem nunca ter fumado nem tocado em álcool, apresentando apenas uma obesidade pouca que esteve ausente de mim apenas na adolescência, e um mau sono em dias de plantões ruins nos últimos cinco anos, não mais que duas vezes ao mês, não entendo que tenha, assim, acumulado hábitos nocivos o suficiente para justificar todos esses agravos, quando outras pessoas mergulham bem mais em vidas desregradas e seguem ilesas. 

A primeira explicação que viria em mente seria: "meu corpo é um erro". Que recentemente ouvi, de forma diferente, de um rapaz em depressão: "sou um erro".

Essa forma de ver é perfeitamente endossada pela teoria da evolução abraçada pela ciência dominante. O meu corpo é a seleção casual de um conjunto de virtudes que, junto com à proteção social, me permitiram chegar até aqui, porém, também não o é menos, um conjunto de erros acumulados, ou de defeitos que escaparam da seleção natural dos mais aptos, na mesma lógica aleatória. 

O que o Espiritismo nos diz não é bem assim. Há Providência em todas as coisas. Toda e qualquer matéria só recebe um influxo de progresso porque há uma realidade espiritual subjacente que a movimenta. O espírito movimenta a matéria, tanto no plano cotidiano quanto no planejamento cósmico. As virtudes e os defeitos dessa caminhada se dá pela própria natureza do sujeito do movimento. Não é Deus que está provocando sua perfeição na matéria, mas um espírito em aprendizado. A matéria não é nada mais do que o conjunto de realizações deste espírito ou dos espíritos. Podemos reconhecer a excelência e a decadência de um povo pela sua arte tanto quanto podemos reconhecer a excelência e a decadência de um Espírito pelo seu corpo. 

Se a crença reencarnacionista fosse aceita pela comunidade acadêmica uma ciência muito interessante deveria emergir: a arqueologia dos corpos. Assim como, na medicina, o estudo dos sinais remete-nos ao conhecimento da doença que os esculpiu, nessa arqueologia, o estudo da morfologia de cada ser remontaria às ações que plasmaram o corpo atual desta ou daquela forma. 

A teoria reecarnacionista aponta, então, que o meu corpo não é um erro anônimo de uma natureza aleatória, mas é o acúmulo de erros (e também de acertos!) do próprio Espírito que vem experimentando a matéria no correr dos milênios. É uma teoria mais apropriada que a do evolucionismo materialista porque não desconsidera o poder do protagonismo do Espírito na transformação da natureza, e nos devolve uma visão de conjunto que casa com a harmonia cósmica, sem desmerecer o criacionismo divino. Deus continua sendo o Pai criador que vela pelos seus filhos disseminados pelo universo em infinitas viagens de maturação. Ele nos criou simples e ignorantes, e a matéria, resistente, porém moldável. É moldável para permitir ser trabalhada pelo Espírito. E resistente para oferecer desafios que o façam crescer. 

Revisitando os defeitos do meu corpo, o espírito é de compreender que tudo o que está acontecendo me pertence, bem como o futuro de refazer novas possibilidades materiais mais saudáveis que esta. Isso não acontece do dia para noite, por vezes leva vidas, o que torna imperioso começar já. 

De outro modo, seguir ileso mesmo sob o império de vícios pode advir de pelo menos dois motivos: 
  1. é um Espírito que ainda não acumulou tantos desgastes em seu perispírito a fim de materializar a doença no corpo físico; 
  2. faz parte do planejamento encarnatório dele em que os mentores espirituais responsáveis por este processo entendem que conferir-lhe fatores de proteção adicionais pode ser mais proveitoso ao seu aprendizado do que o deixar colhendo as conseqüências cruas de seus atos.  

Para bem entender o Espiritismo basta que se tenha em mente que o aprendizado a fim de permitir a evolução do Espírito é o primordial. 




sábado, 11 de março de 2017

Ele fazia vicejar as flores




A mediúnica já havia resgatado alguns Espíritos em sofrimento. Na leva de conversas havia ido um cruzado com mãos sangrando, ainda chorando, errante, no campo da batalha errada da errada cruz, que, depois de tantos séculos de sofrimento, queria apenas rever a filha; um homem que, na sua percepção de tempo, acabara de morrer afogado em um acidente de carro; um Espírito que se sentia traído e há muito plasmava uma doença no corpo do inimigo; uma mãe que buscava passar orientações para a filha: "anotem aí"; uma entidade revoltada com tudo o que acontecia, pedindo que calassem todos aqueles fenômenos; uma outra que conduzia ao suicídio uma jovem envolta por um manto de hipnotismo maléfico. Mais ao final, comunicações mais amenas, como a de uma criança que passava leve e alegre para lembrar a pipa que seu pai confeccionara com ela um dia.

Após um silêncio pouco, quase ao término dos trabalhos - perdoem-me se não recordo tal e qual ele disse - um Espírito de voz mansa agradece assim:

 "Senhoras e senhores presentes neste recinto, a natureza me convida para lhes falar da humildade de outros tempos em que nós também nos reuníamos, sob o influxo do Mestre maior, a fim de consolar os irmãos que vagam em dores pelo mundo. Hoje vocês nomeiam de mediunidade o que o Mestre chamava de vida em abundância. 

Lá estávamos nós, ainda a Lhe ver, na sua passagem breve por essas terras, derramando nas almas cansadas de impérios e de lutas, o amor que fazia vicejar os corpos, como flores murchas que reacendessem de vida em presença do sol, que é Jesus, e da água, suas preces.

Venho lhes agradecer por permitirem este trabalho bendito de deixar escorrer a eternidade pelos seus vasos, como aquela fresta no telhado deixa escorrer esta réstia de luz. A imortalidade se faz presente em todos os lugares, desde o chilrear deste passarinho que prossegue a vida nos ares que nos envolvem, até as comunicações que fazem explodir nesta mesa a verdade universal: nossa permanência. Saibam todos os muitos que aqui estão, que ajudamos mais seres do que seus corpos puderam receber. 

Deixo o amor de Jesus tecendo em seus corações um fio que nunca se perderá em lhes aproximando cada vez mais. 

Que o Pai de todos os seres pouse a mão gentil em suas dores, e que Jesus toque seus corações chagados! Vão em paz!" 

sexta-feira, 3 de março de 2017

Doutor Estranho e o Espiritismo



Poderia falar sobre o corpo astral, as múltiplas realidades, particularmente a espelhada, as lutas místicas paralelas ao nosso dia-a-dia, que são tantos temas que o Espiritismo aborda de outro modo e com outros termos, mas o que quero falar mesmo é da trapaça da Grande Anciã

Leia apenas quem já assistiu ao filme, porque aqui falo sobre o nó górdio da questão: 

(pausa)

- Para proteger o mundo é preciso trapacear as leis naturais. 

Kardec nos falava que não havia fenômenos sobrenaturais, que Deus não precisava demover suas leis com milagres para fazer as coisas acontecerem. Tudo era natural, até mesmo o que dizíamos sobrenatural. Ao mesmo tempo, entendia que Deus poderia sobrepor a natureza se quisesse, já que era dela soberano. A posição de Kardec era, assim, mais ou menos cartesiana, tendendo a leibniziana, e quase iluminista. Teria realmente Deus a possibilidade de derrogar suas leis já que tão perfeitas? Se elas não precisassem ser derrogadas de forma nenhuma, então seria como em um relógio em que o criador dá a corda e já não precisa fazer nada. 

Em Doutor Estranho, vimos que a primeira grande metáfora geradora de todo o despertar do herói foi a quebra das mãos (que proporcionava sua arte regeneradora de vidas) e, logo depois, do relógio (símbolo da precisão e da referência absoluta da física clássica). Isso teve de acontecer para dar lugar a mente-espírito e ao indeterminismo, pois revela-se por todos os lados uma realidade cambiante ao infinito. 

Na história da nossa ciência, quando Heisenberg semeou a incerteza no então bem sólido edifício da física, algumas pessoas entenderam que era o golpe final ao Deus cristão. Mas, não! Na verdade, era o anúncio do regresso. Um universo incerto carece de um agente universal, como que um Grande Arquiteto, que o faça coerente. Este pode ser um Grande Espírito Cósmico, talvez Deus. O fato é que a realidade que escapa ao determinismo só tem sentido como realidade palpável, cuja obviedade vemos e sentimos cotidianamente, se um agente externo estiver atuando para que ela seja assim. 

Não adianta os profetas da Nova Era insistirem em falar que a mente pode tudo, se o que nos é exterior se impõe de forma esmagadora. A intimidade da matéria revela sua indeterminação? Como não nos afogamos nela, então? É que esta indeterminação é virada ao avesso diuturnamente por um trabalho secreto de inteligências invisíveis que nos dão segurança. 

A história de Doutor Estranho retoma a lenda dos magos celtas que possuíam um conhecimento prodigioso sobre as forças ocultas da natureza. Fala sobre um conjunto de guerreiros que se debruça na manutenção da ordem planetária em níveis supra-humanos. Fala mais ainda que a virtude do mago não é prestar culto ao determinismo das leis, mas ser flexível para deixar-se levar pela correnteza de certo veio que deve emanar da verdade da vida, que é fluida por definição. 

Perceba que, mesmo diante de tantos possíveis que explodem aos olhos de Stephen Strange, um imperativo ético acaba guiando sua conduta. Nem tudo é possível, pois. Ainda sobre-existe uma transcendência robusta, a qual ele aceita em sabedoria. 

Alguns podem interpretar que a fonte desse imperativo é a própria pessoa (seria uma imanência). Defendo que a própria pessoa só chega a ter esse poder todo se ela houver, enfim, encontrado a fonte de tudo, que é Deus (é uma transcendência na imanência). Não é que no fundo de nós sejamos o Deus, mas sim que as marcas de Deus em nós nos levam a Ele.  

Deus, portanto - e esta já era uma hipótese latente no Espiritismo, elucidada pelo professor José Herculano Pires(1) - é, não apenas o que cria a realidade, mas o que incessantemente dá coerência a ela. Todo grande herói deste mundo há de imitar esse trabalho cósmico em escala menor, entre nós. Protegendo a vida, espalhando o bem (que é a vida em abundância[2]) e lutando contra o mal (que é a morte de tudo - Dormammu). 

Por que Deus precisaria de heróis? Como a coerência da realidade cósmica pode ser profanada por ações más? Por que Deus simplesmente não pulveriza aqueles que querem manchar sua criação? Estes são assuntos intrigantes para outras postagens.