terça-feira, 28 de julho de 2015

Naruto e o Espiritismo



Naruto é um desenho japonês que conta a história de um garoto em cujo corpo está selado o espírito de uma raposa de nove caudas, uma entidade extremamente destruidora.

Pela influência da raposa, ou não, sua personalidade é muito impulsiva e irritadiça. É aluno de uma escola ninja e tem o sonho de ocupar, um dia, o mais alto posto da aldeia, relacionado a essa arte marcial. Para isso, precisa seguir uma ascese espiritual que tem como uma das lições aprender a controlar o "chakra" da raposa dentro de si.

Segundo o desenho, chakra seria a energia espiritual que mantém o corpo vivo e batalhador. Geralmente temos essa energia fluindo em nós de forma inconsciente, mas quando aprendemos a dominá-la podemos realizar grandes feitos.

Aqui começa a profanação, digo, a comparação. Para o espiritismo somos dotados de uma força vital que nos mantém vivos. E essa força pode ser instrumentalizada para muitos prodígios. Ela descende do universo e é utilizada pelo Espírito reencarnante para dirigir a embriogênese e o metabolismo do corpo. O seu desequilíbrio é a causa da maior parte das doenças. Sua harmonia, da saúde. Contudo, podemos nos valer dela para curar outras pessoas, fazer os ditos milagres.

Por exemplo, uma das explicações possíveis para as curas que acontecem nos cultos das igrejas cristãs reformadas é o grande influxo de energia vital que é trocado entre os sãos e os doentes mediatizado pela fé.

Assim como em Naruto, a utilização dessa energia requer um aprendizado árduo, diria mesmo, ninja! A facilidade está diretamente relacionada com (1) a quantidade de energia disponível, o que pode ser em virtude de uma multidão com pensamento devotado a isso; (2) ao esforço próprio de uma vida disciplinada, o que explica, em parte, o milagre dos santos; (3) à influência de uma entidade infinitamente superior que nos utiliza como meio, é o caso da raposa de nove caudas presa em Naruto, é o caso de Jesus que liberta o ego de Paulo de Tarso a tal ponto de um dia - após muito exercício ninja-apostólico - o convertido de Damasco dizer "não sou eu quem vivo, mas o Cristo que vive em mim."

A questão é que Naruto nos dá uma excelente ideia de como deve ser a coisa para aquele que enxerga o mundo como o espiritismo ensina: nós podemos atuar energeticamente sobre os outros, ou Grandes Espíritos através de nós, contanto que nos dediquemos ao exercício do nosso próprio controle.

É assim que um passe meu vale menos que de uma pedra (fui correndo hoje de madrugada pegar o ibuprofeno pra baixar a febre do meu filho porque já chegava aos quarenta e nada de ceder com meu "chakra"), mas o de Chico Xavier, Francisco de Assis, Madre Tereza, etc...

terça-feira, 21 de julho de 2015

Astúcia cristã



Das contra-argumentações mais capciosas que os cristãos costumam dar ao serem questionados sobre os sinais da existência de Deus no cotidiano há esta: "seja o sinal de Deus que você quer no mundo." Fiz uma paródia da fala de Gandhi, mas é essa a essência que nós pregamos. 

Por que capciosa? Porque, se levarmos a lógica ao pé da letra, esse argumento fala mais contra do que a favor da existência de Deus. Se precisamos ser o sinal de Deus, é que Ele não existe, mas é gerado por nós. É como o argumento dos sofistas contra a ânsia do conhecimento da verdade pelos filósofos platônicos:

- É impossível chegar à verdade, pois para isso necessitaríamos de critérios para distinguir o certo do errado. Ora, esses critérios já fazem parte da verdade, portanto, se você os tem, não precisa buscar a verdade, se não os tem, nunca os terá.

De forma análoga:

- Se precisamos ser o sinal de Deus no mundo, é que ou Ele não existe, mas apenas nós, ou Ele existe em nós, isto é, somos nós. 

A resposta de Platão para os sofistas era que de fato nós possuíamos a verdade, mas é que ela estava adormecida na consciência. Um dia a contemplamos, antes de submergirmos no corpo de carne, mas a esquecemos. É a teoria da queda. 

No espiritismo, embora tenhamos vasta afinidade por Platão, não há uma teoria da queda em nossos princípios. Os Espíritos superiores nos revelam que o espírito nasce simples e ignorante e vai percorrendo o caminho de iluminação gradativamente pelas encarnações sucessivas, aprendendo lições a cada passo dessa peregrinação. Contudo, ao nos criar, Deus semeou Seu dom em nós, que nos permitiria reconhecê-Lo e seguir Sua vontade. Esse processo não é de uma rememoração de uma realidade dada, mas a de conscientização de lições que vão se desabrochando em nós na medida que vamos provocando seu/nosso amadurecimento. Vamos da semente ao fruto. 

A metáfora da árvore é muito elucidativa: não basta crescer e espalhar ramos, é necessário proteger os passarinhos, ser casa para os roedores, fazer sombra para os viajantes, alimentar os famintos com frutos bons e suculentos. É nisso que somos a imagem e semelhança de Deus, bem como vamos sendo um sinal Dele na vida. 

A astúcia desse argumento é que ele não pretende parar na constatação lógica de uma realidade, mas induzir a quem o ouve a construir uma realidade quem tem Deus como meta. É quase um paradoxo, que cheira a falácia: quer saber da existência de Deus, construa-a no mundo. Parece aqueles provérbios orientais, e de fato nosso cristianismo é de lá. Não se pretende um convencimento, com essa frase, mas uma conversão. Não tem um fim último no raciocínio, mas na prática. E, de outro modo, tentar encontrar essa resposta faz um bem danado para o mundo.  

sábado, 18 de julho de 2015

Sobre nossa mudança moral




Então o jovem, em desespero, me aborda, porque parecia ter se encantado com essas coisas de evolução espiritual que fico espalhando por aí:

- Estou tentando, mas quanto mais eu tento, mais vejo que é um grande esforço. Será assim mesmo? Mas, se for, serei eu de fato? Não estaria me enganando, lutando contra minha natureza.

Um dia eu lia empolgado o Evangelho Segundo o Espiritismo e vi a seguinte frase:

Mas, já ganhastes muito, vós que me ouvis, pois que já sois infinitamente melhores do que éreis há cem anos. Mudastes tanto, em proveito vosso, que aceitais de boa mente, sobre a liberdade e a fraternidade, uma imensidade de idéias novas, que outrora rejeitaríeis. Ora, daqui a cem anos, sem dúvida aceitareis com a mesma facilidade as que ainda vos não puderam entrar no cérebro. (Espírito Sanson, 1863)

Infinito parece muito, mas quando ele diluiu esse infinito em cem anos, me pareceu quase nada. Fiquei pensando o que ele considerava infinito. Sair do nada para o um é um estrondo de crescimento. Se não há nenhum caso de uma doença rara e grave em certa aldeia e um caso aparece, meu Deus! Foi isso que eu pensei: que, se nesta encarnação, me foram necessário cem anos para conseguir pelo menos não mais odiar minha irmã de sangue, sou infinitamente melhor.

Mais tarde me deparei com este pensador:

O Espiritismo é natural e exige naturalidade dos que pretendem vivê-lo no dia-a-dia, em relação natural e simples com o próximo. Os maneirismo, as modulações artificiais da voz, os excessos de gentileza mundana e tudo quanto representa artifício de refinamento social, deformando a natureza humana a pretexto de aprimorá-la, não encontraram aceitação nos meios verdadeiramente espíritas. (…) As modificações exteriores, precisamente por serem forçadas e portanto mentirosas, não exercem nenhuma influência em nosso interior. O contrário é que vale: quem exercitar-se na prática das boas ações, da verdade e da sinceridade, modificará sem querer e perceber o seu comportamento, sem nenhum dos sintomas desagradáveis de fingimento e hipocrisia. (J. Herculano Pires in o Centro Espírita)

Então: 1. não esperar grandes saltos evolutivos; 2. exercitar-me na prática do bem sem me impor maneirismos (leia-se mudanças exteriores).

Estas duas percepções vêm trabalhando-me nesta última década e meia sem pretensões de que este projeto de aprendiz de mim finde até o final dos próximos milênios. No mais, trabalho, solidariedade e tolerância.