sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Os poetas e a mediunidade



Na Grécia Antiga, particularmente na era Homérica, os poetas eram tidos como intermediários dos deuses. Vá ver como começa Odisséia! É Homero dizendo ao ouvinte, com toda a clareza, que aquela história lhe foi ditada por uma divindade. 

Que isso seja a pretensão de Homero é uma coisa, mas daí a ser uma crença de toda a sociedade é outra. Mas, era de fato. Mesmo Platão, cujos textos são tidos por nós Modernos como sendo o berço da filosofia ocidental (no sentido lógico-dedutivo, escapando das gangas místicas de Pitágoras), havendo quem o diga que todo o resto do que conseguimos pensar são comentários à obra de Platão, pois este senhor tem plena convicção de que os deuses se utilizavam dos poetas. Dá mesmo argumentações (em Ion e em a Apologia de Sócrates) para tanto:

1. Se a obra fosse dele haveria de ter tido um esforço anterior para que elaborasse a obra, um estudo, uma técnica aprendida. Todavia, constantemente se verifica que isto inexiste, e essas poesias surgem como que "do nada", sendo que são "dos deuses". 
2. Se fosse dele saberia a interpretação profunda do que há ali e, no entanto, em boa parte das vezes sua interpretação é rasa sobre o que acabara de escrever. 

Como intermediário de deuses, portanto, eram tido os grandes escritores das tragédias que traduziam em arte, a influir terrivelmente sobre as almas das pessoas, toda a tradição lendária que constituía o sistema de crenças daquele lugar.

É incrível a semelhança que há dessa forma de enxergar os poetas daquela Grécia com a que enxergamos nosso mineiro Chico Xavier. Com seus romances ele (leia-se: os Espíritos) traduziu grande parte  do sistema de crenças fundadas pelos livros da codificação kardequiana em narrativas que ilustram o imaginário espírita brasileiro. Com a ressalva de que são Espíritos que nos ditam, assim os enxergamos, e não mais deuses, isto é, são pessoas que morreram e que voltam com alguma sabedoria para nos contar e não entidades que portam a sabedoria desde sempre. 

Cabe para futuros estudos vermos o quanto a teoria sobre a boa arte em Plantão vai ao encontro do que imaginamos ser uma boa arte no Espiritismo, haja vista, aquela que faz bem à alma, que a incita a imitar os sentimentos nobres, previne a decadência, etc. 

Estes e outros comentários estão embasados na excelente obra de Carole Talon-Hugon: L'antiquité grecque: une histoire personnelle et philosophique des arts. 

Outros estudos que ficam a espera é como eram tido os poetas para a civilização hebraica, que são o povo de O Livro que é um dos tripés do nosso ocidente. Esse povo construiu-se e se manteve firme nas diásporas por causa das histórias que se perpetuavam entre si contadas em páginas sagradas. Por Deus, o que eles consideravam arte? Haveria essa ideia de intermediação entre Deus e o escrevente? Tudo o que já li me leva a crer que sim, mas fico devendo fonte bibliográfica mais robusta para lhes confirmar. 

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

O que temos a comemorar no natal de Jesus



O que nos incita alegria no natal de Jesus?

Estamos diante de uma família pobre, de uma cidade pequena, que teve de enfrentar peregrinação em plena gravidez e que só consegue guarida para dar à luz o menino, no escuro da noite, na imundície de uma estrebaria. Após o seu nascimento, quando a carne da criança ainda se ressente do frio, enfrenta a travessia de um deserto para se esconder de quem lhe queria morto. Enquanto seus pais fogem para lhe manter vivo, um rio de sangue escorre das terras em que acabara de nascer, alimentado pelas veias abertas de mil crianças de infância precoce. As lâminas almejavam que uma delas fosse Jesus. 

Até aqui, nada a comemorar. 

O que festejamos? 

O anúncio de que um ser divino pousaria na carne já tanto sofrida desses achaques autorizados por governantes cruéis. 

A surpresa de ver a esperança de salvação nascendo de onde menos se imaginava que viesse. Uma cidade marginal, uma família desconhecida, de um carpinteiro qualquer. 

A resistência de não fenecer diante da voracidade do mundo dos homens que há muito mastigava os seres humanos com seus dentes ferinos.

A manifestação de anjos entre nós: anunciando a gravidez improvável de Isabel, calando Zacarias, dizendo o nome do menino à Maria, acalmando José, guiando os magos, enganando Herodes,  não cansando de entrar nos sonhos destes personagens para dar nortes e providenciar a sobrevida de Jesus pequenino.  

Festejamos, então, Deus conosco, anunciando a resposta das preces na figura de uma criança que traz libertação, surpreendendo-nos com a forma que responde aos nossos apelos, concedendo resistência para que sua promessa viva não feneça no mal, provocando mensagens que transpassam o abismo que separa os mundos - daqueles que ainda estão na matéria, daqueles que não estão. 

Feliz Natal!

domingo, 13 de dezembro de 2015

Microcefalia segundo o espiritismo (parte 4 - outros diálogos)



1. Um leitor amigo dialoga sobre a teoria da reencarnação como um fenômeno coletivo

LEITOR: Uma coisa interessante que teve nesse teu texto e que considero um aprendizado novo pra mim é o reflexo das ações humanas como sociedade mais do que como pequeno núcleo. Sempre pensava em encarnação como evolução individual e ajudar na evolução dos próximos, mas é interessante pensar que Espíritos também podem reencarnar "em resposta" a um contexto mais global. Não sei se entendi direito essa parte. Tem alguma coisa muito errada com a interpretação?

EU: É isso mesmo! Tá certo! Uma malha muito fina conecta global e individual. Se os governantes entendessem que a geração futura que eles devem proteger são eles mesmos (todos os que eles amam e toda a nação que eles governam) reencarnados, acho que teria um pouco mais de esforço.

LEITOR: Fiquei em dúvida em uma parte do seu texto. Tô relendo aqui e lembrei de perguntar. Você fala que Espíritos carregados de escolhas ruins tem seu perispírito afetado e que isso afeta a formação do corpo físico. Um parágrafo depois, tu fala que grandes almas "escolhem" corpos frágeis. Não é confuso?

EU: São dois caminhos possíveis para que tenhamos em mente que aquele ser pode ser algum endividado ou uma grande alma. Não tem como saber. Quando é uma grande alma, ela escolhe moldar seu corpo com limitações. É uma liberdade. Quando é um ser endividado, ele não tem escolha, ele não tem elementos para fazer uma embriogênese melhor do que aquela. Por que um Dalai Lama escolheria vir em um corpo débil? Para crescer com o exercício que todos aqueles obstáculos tem a lhe proporcionar. Seria uma encarnação de grande meditação rumo a uma iluminação sem precedentes!

LEITOR: Entendi. A gente já tinha conversado sobre isso. Sobre essa opção por corpos mais frágeis.

EU: Às vezes você percebe isso assim: a grande alma é um bebê tranquilo com tudo apesar das malformações. O indivíduo que está preso nas próprias limitações se revolta demais.

LEITOR: É que ficou um pouco confuso no texto. E no fim tu terminou só com o lado de "castigo". Sei lá...

EU: Porque as grandes almas são as que nos acolhem. Acabamos sentindo-nos muito bem ao lado delas. As mensagens de força são importantes para aqueles que receberão as que estão em situação de "castigo". Mas vou tentar melhorar lá. Valeu pelas considerações!

* Em vez de tentar melhorar no texto original, decidi expor esse diálogo elucidativo para que vocês tirem suas próprias conclusões. 


2. Uma leitora amiga me questiona uma hora como médico, outra como espírita e pai

LEITORA compartilha um áudio de pediatras espelhando mensagens sobre a possível ligação entre a doença do Zica e a agressão ao sistema neurológico de crianças na primeira infância. 

Após procurar artigos e conversar com infectologistas amigos, respondo:

- Não se pode afirmar nada ainda sobre isso, pois não há coorte de pacientes acometidos para se estabelecer uma inferência causal forte o suficiente.

A LEITORA insiste e muda a perspectiva da pergunta: 


- Agora faço uma pergunta para o pai Allan: ainda que nāo se possa estabelecer uma inferência causal forte o suficiente, essa hipótese te faz modificar a conduta de cuidados com teu filhinho? Essa possibilidade te amedronta? 

Resposta do Allan pai e espírita:
- Me amedronta. Estou mais perto dele e amando-o mais. Para que nestes momentos em que ele não foi acomeitdo por essa onda fique bem forte nele gravado o quanto nós o amamos. Para que seja importante para ele enfrentar o que pode vir por aí em sua jornada encarnatória! Temos que ter mais do que nunca em mente que o mundo tem rédeas e estão mas mãos de Jesus.

sábado, 5 de dezembro de 2015

Microcefalia segundo o espiritismo (parte 3 - mensagem de consolo)



“O que dizer para uma mãe que descobre que seu filho tem microcefalia e se pergunta o porquê de tudo isso?”


Antes de tudo, importa esclarecer para qual mãe eu diria o que diria. Uma mãe que se pergunta pode procurar as respostas em muitos lugares... Então, de princípio, eu jamais me dirigiria a uma ou várias mães para falar do Espiritismo a menos que elas se mostrassem dispostas a tal; seria uma ofensa, num momento de fragilidade, despejar crenças estranhas a elas. Portanto, apenas diria qualquer coisa diretamente ligada ao Espiritismo caso fosse uma vontade da mãe conhecer mais sobre o assunto, por respeito a ela e sua dor. Com um último adendo: incluo o pai também. Resquícios infelizes ainda nos prendem a uma responsabilidade diminuída do sexo masculino, a qual acho importante refutar e recolocar. O pai responsável ama e sofre como a mãe; junto com ela.

Nesse caso, antes de tudo eu lembraria Deus. Traço comum das religiões, a simples lembrança que temos um Pai amoroso que nunca se descuida de nós tem potencial altamente consolador. A certeza de que alguém olha por nós, velando por todos os nossos passos e cuidando de nossas dores mais ocultas oferece a promessa de uma tranquilidade segura. Não esquecer nem se distanciar de Deus é o primeiro passo.

Contudo, alguém que procura o Espiritismo sabe que isso não basta... Sua alma anseia por mais. Por uma fé com embasamento. Por que eu? Por que meu filho? A Justiça Divina, para ser efetiva, precisa abarcar mais que essa vida. Logo, recorremos a reencarnação. A ciência de que vivemos inúmeras vezes, colhendo e plantando, sucessivamente, abre caminho para novas reflexões. Não sabemos exatamente a razão, mas entendemos os mecanismos.

Mas ainda não é o suficiente saber da sucessão das vidas. Milênios da Lei de Talião impregnados em nossas sociedades dirigem imediatamente o pensamento à culpa do erro castigado. Sinônimo de punição? Não. Não é o que consolará uma mãe, um pai. Será necessário participa-los da grandeza Divina. Deus não é mero punidor, que nos faz “pagar” os erros em moeda de sofrimento. Reencarnação, provas e expiações são apenas os meios de um fim: o aprendizado, o alcance da perfeição, o conhecimento de si mesmo e a ação regida pelas Leis Naturais. Sob esse novo panorama, não sabemos se punição, se consequência, se missão; sabemos apenas que, seja o que tenha sido, o véu nos foi estendido para que nos concentremos no que há a fazer, em vez de estarmos atados improdutivamente ao que foi. É a melhor oportunidade que nos cabe, oferecida segundo a misericórdia do Pai. Novo recomeço. Chance renovada de se fazer melhor que o ontem. Redenção pelo amor. Eis a tarefa.

E... o que fazer, de fato, de posse desse novo olhar? Amar. As dificuldades que se apresentarem, que oferecerem resistência à ideia do amor são exatamente o que deve ser combatido em nós mesmos. Como todo véu, sob a luz adequada é possível ver vultos por trás do ocultamento; cada mancha que se revele contra a luz é sinal de luta passada ainda por vencer. Orgulho, vergonha da sociedade, medo de falhar, dificuldades materiais... Tudo aponta para o que já fomos e o que precisamos vir a ser.

Conscientes da verdade de que o Senhor da Vida olha por nós, que não nos desampara, que oferece a redenção pela justiça através das melhores oportunidades, segundo a nossa semeadura, o caminho está traçado. Não poupará levianamente das dores nem das lutas. Mas provará, diariamente, que o alcance da felicidade só depende de nós. Na perseverança por agir no bem e na sabedoria do olhar consciente que lançamos à nossa própria condição. Munidos da fé raciocinada, da esperança no futuro e tendo a caridade como força motriz, inevitavelmente venceremos, em paz.

Por Erick Machado

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Microcefalia segundo o espiritismo (parte 2 - resposta)

O correligionário Erick Machado comentou sobre o texto que eu havia escrito sobre o tema a fim de deixar os posicionamentos mais sãos. 

Então, vejamos o texto de Erick:

(Meus comentários entre parênteses).

A tese das expiações evolutivas ou das dores do parto


O surto não acomete “populações inteiras”. A prevalência da microcefalia, mesmo em surto 20 vezes maior que o comum, não chega a 1 em 1000 nascimentos no país. Para se ter uma ideia, a Síndrome de Down tem incidência de 1 a cada 800. E não é um surto pontual. Isso para não falar em todas as outras condições que afetam as crianças. A associação desses nascimentos a um suposto tempo que se finda é quimérica, falaciosa. As guerras já foram mais constantes, as corrupções, a violência, a injustiça de leis parciais, tudo já foi pior. Avançamos. Lentamente, mas avançamos. Conforme diz sabiamente “A Gênese”, não se darão abalos físicos como sinal dos tempos, mas unicamente morais. A microcefalia é uma questão de ordem física e, portanto, não pode ser vista, sob a ótica espírita, como nenhum tipo de sinal. É apenas o reflexo da nossa falta de cuidado físico com um vetor de transmissão de outras doenças, vetor que não combatemos adequadamente.


  • (A Vigilância Epidemiológica do Ceará se alarma exatamente porque há um aumento da incidência de microcefalia sem precedentes na coorte histórica dos últimos anos, e, segundo BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO MICROCEFALIA de 30 de novembro de 2015 já existem casos em torno de 14 estados do Brasil, a maioria esmagadora no Nordeste. Acredito que isso justifica a utilização do termo "populações inteiras", ao menos como metonímia). 


  • (Sobre avançarmos lentamente, Kardec também coloca que há abalos súbitos que devastam toda uma forma de pensar, substituindo-a. De qualquer forma, Erick nos lembrou um texto magnífico do codificador presente em seu último livro "A Gênese", cuja profundidade não tenho como discutir aqui, mas que vale a pena ser lido: "São chegados os tempos". De todo modo, gostaria de me afastar da atitude de conceituar o surto da microcefalia em nossos recém-nascidos um sinal, mas uma situação de catástrofe que merece a preparação de nossos corações) 


Sobre o caráter dos Espíritos envolvidos


As condições do corpo nada mais são que as condições melhores para cumprimento de suas necessidades de crescimento na Terra. Como parcialmente levantado no texto, podem ser provas de Espíritos comuns, podem ser expiações de Espíritos maus, podem ser missões de Espíritos elevados, pode ser uma prova para os pais, mais que para o próprio. Notemos que, nessa condição, o Espírito estará privado de muitas escolhas morais que poderiam concorrer para o seu adiantamento, se tivessem maiores possibilidades. São inúmeros os caminhos. Nada se pode dizer quanto ao caráter de um Espírito baseado na dificuldade de sua condição material, de modo que os casos de microcefalia são exatamente iguais a qualquer outro nascimento em qualquer corpo: nada se pode afirmar sobre o Espírito reencarnante.

  • (Aqui Erick quis enfatizar que não devemos nos preocupar com o que a criança pode ter sido em outras vidas - são infinitas as possibilidades explicativas dessa forma de existir. Essa sua precaução nos ajuda muito a não cair no erro de julgar o ser humano que sofre em corpo malformado como sendo merecedor ou não desse mal. Precisamos, independente de passados, lhe oferecer abrigo e fortes braços que o sustentem agora.)  

Ademais, não existe “fragilidade” do perispírito. Existe a fragilidade ou força do Espírito, sobre a qual, insisto, o corpo nada diz. Se o corpo nada diz, dissertar sobre o caráter dos Espíritos e a microcefalia é dissertação vazia de significado.

  • (Talvez, de fato, não valha a pena insistir na especulação do passado analisando o corpo destas crianças microcefálicas. Mas, creio existir uma arqueologia da imortalidade esculpida em nosso corpo. Não entendo porque isso seria vazio de significado. Nos oferece mil nortes para encararmos a solidariedade das vidas sucessivas). 


Sobre a "culpa" da natureza


Não está conforme a visão espírita pensar que as catástrofes naturais possam refletir o estado de espírito dos homens e mulheres. Não existe base alguma na Doutrina Espírita para falar em “bolsões de miasmas”. O que repercute no mundo físico é a nossa ação física e as leis naturais. Nenhuma delas diz que podemos, por efeito de nossos pensamentos, atrair vírus e mosquitos para infectar populações. A nossa imprevidência no campo físico deu origem a essa possibilidade, e Espíritos reencarnantes que julgaram ou foram julgados como adequados para ocupar esses corpos se aproveitaram da oportunidade ensejada. Nada mais.


  • ("Bolsões de miasmas" soou estranho, não é? Deixo essa expressão em suspenso porque participa de um contexto de explicação de uma medicina antiga que a medicina moderna entende ter derrotado, mas que não estou tão certo de ter conseguido. Quando Erick diz que "o que repercute no mundo físico é a nossa ação física e as leis naturais" me parece desconsiderar completamente a ação, por exemplo, da prece que pode chegar até mesmo a curar doenças, acalmar fúrias à distância, enxugar lágrimas escondidas. A prece é uma ação simples cujo poder me faz crer que o mundo físico não é tão imune assim à ação de nossos pensamentos. Não vejo porque a influência de nossos pensamentos sobre a materialidade do mundo não possa ser também uma lei natural.)


A missão do Brasil


A corrente de pensamento de um Brasil missionário carece de fundamentações mínimas. Suas descrições entram em franco desacordo com o que se conhece acerca de Jesus pela ótica espírita, mostrando um ser eventualmente dolorido e amargurado, distante das descrições dos Espíritos Puros. Mostram um governador do planeta que desconhece o território pelo qual é responsável. O Brasil não é o melhor nem pior país. Não é o mais adiantado nem o mais atrasado. Não é o mais moralizado, nem o mais deturpado. Tem avanços e atrasos como qualquer outro. Nada há de especial no Brasil que possa distingui-lo como merecedor de qualquer missão mais especial que os demais. Há aqui corrupção moral o suficiente para ocupar nossas crianças, embora os países e os mundos sejam solidários na reencarnação dos Espíritos. Não há nada aqui que possa ser de mais valia a esses espíritos que não haja em outras terras, até mais abundantemente.

  • (Então, eis um contra-ponto de um estudioso da Doutrina Espírita sobre a questão do Brasil missionário. De todo modo, se o Brasil em si não guarda qualquer missão, nós o fazemos, cada um tendo que contribuir para o melhoramento do mundo e a materialização do amor ao próximo que Jesus nos aconselhou a fim de por término a esses ciclos de sofrimentos em que nos vemos enredados por tanto tempo).  

CONCLUSÕES QUE TIRO PARA MIM

  1. Devemos nos importar menos com as causas íntimas das aflições do que nos fortalecer para saná-las;
  2. Insistir menos nas especulações do nosso passado e investir mais nas ações de hoje;
  3. Considerar a prece como uma forte aliada para ajudar-nos na materialidade de nossos problemas;
  4. Não esquecer que, não importa quem sejamos, viemos sempre à terra com uma missão para o bem.

***

Retorno de Erick Machado

No mesmo sentido de síntese, aproximação e complementação de ideias, gostaria de deixar apenas pequenos pontos que, me parecem, vem ao encontro do que o amigo ponderou em todas as questões.

Dores do parto
- Como metonímia, acredito ser aceitável a expressão "populações inteiras". Minha questão era que existem condições comparáveis à microcefalia em bem maior quantidade, diariamente. Isso minimiza episódio do surto como oportunidade reencarnatória extraordinária. De resto, concordo com os apontamentos.

Caráter dos Espíritos envolvidos
- Aqui acredito que aqui nossa diferença seja mais de foco que de conteúdo. Concordo com você que, individualmente, a condição corporal seja norte para entender a solidariedade das vidas sucessivas. Perfeito. O que não acredito ser possível é a generalização de que uma condição corporal, como a microcefalia, possa determinar, de forma geral, o caráter dos Espíritos reencarnantes. Acho que há complementação de pensamentos: ambos acreditamos na mesma relação entre corpo e Espírito; mas eu me referi ao fato de que, dadas as múltiplas condições possíveis do Espírito, não é possível determinar, pelo corpo, qual delas está em questão, e você se referindo ao fato de que, ainda que não possamos apontar que condição é essa, não é sem razão que aquele Espírito vem naquele corpo.

Culpa da Natureza
- Entendo que apesar de uma divergência sutil, novamente temos mais uma questão de foco. O amigo tem razão quando lembra a prece como forma de interferência do espírito na matéria, via perispírito. Ainda assim, entendo que a interferência tem foco moral, antes de tudo. As lágrimas enxugadas e mesmo as doenças têm essência moral por trás de si. Contudo, embora entenda que, no caso da microcefalia, o pensamento não tenha interferido numa suposta "atração" do surto em si, acredito ter me equivocado ao dar a entender que apenas o físico interfere no físico, já que concordo que o pensamento pode interferir notoriamente na materialidade.

Missão do Brasil
- Concordo plenamente. Mesmo advogando contra a tese do Brasil missionário, não podemos perder de vista que a cada um de nós foram confiadas missões de acordo com nosso conhecimento e capacidade.

Microcefalia segundo o espiritismo



O momento para o Brasil é de pesar. Um surto de malformações fetais onde se predomina a microcefalia desespera a população e, para piorar a história, o Nordeste é vítima da maior parte dos casos, superpondo esse sofrimento ao da seca. As notícias sobre os agravos aumentam e vazam com a leviandade dos boatos. 

Venho aqui para tentar pensar qual o motivo dessa tragédia entre nós. Vou elencar algumas correntes de pensamento espírita que provavelmente fundamentarão explicações daqui em diante nos relatos mediúnicos, esperando que algum me surpreenda e fortaleça-nos ainda mais.


A tese das expiações evolutivas ou das dores do parto 


Um surto que acomete populações inteiras pode ter relação com uma leva de Espíritos reencarnantes, cujo tempo para a progressão moral se finda no avançar da hora da maturação do planeta. A humanidade, nestes últimos séculos, se ressente das dores de um parto que custa a acabar, cujos momentos de seu curso se refletem na eclosão de violências, no escancaramento de vícios e corrupções, e, agora, na materialização de meios propícios para a vivência de dores de resgate e aprendizado.

Parteja-se aqui um mundo melhor, entregue em breve às luzes de um descanso de regeneração para o corpo social sofrido. 


Sobre o caráter dos Espíritos envolvidos


Quando carregados de escolhas ruins, estas fragilizam seu perispírito, órgão espiritual que plasma o corpo físico, fazendo com que as malformações emerjam. As limitações extremas do corpo conduzem o Espírito a um aprendizado de seus movimentos interiores, de suas emoções, e mesmo os pais e familiares passam a ler as lições trazidas pelas próprias vulnerabilidades. 

Acontece de grandes almas escolherem reencarnar em um corpo débil. Almejam mais iluminação ao sofrerem com as ilusões da dor. Pensam também em se engajarem em contexto de aprendizado para os pais, sendo instrumentos para tanto. 

Ocorre de igual modo que pais abnegados tenham escolhido receber Espíritos em situação de resgate expiatório, e, assim, acolhem aquele sofrimento com devotamento ímpar.


Sobre a "culpa" da natureza 


O Espiritismo tenta mostrar que a natureza não é nossa inimiga. Uma superficial visão ecológica nos faria entender que os ciclos de vida e morte são inevitáveis, que as doenças são caminhos possíveis. A imortalidade da alma nos deixa estagiários destes processos. 

É verdade, porém, que viemos, com nossa tecnologia, alargando vários limites da natureza. Algumas dessas nossas tentativas descambam em não menos naturais desequilíbrios que nos convidam a empreender melhores respostas. 

Não se defende o crescimento zero, mas o crescimento bem guiado pela inteligência e pela ética a fim de tornar o desenvolvimento o mais democrático possível. Somos destinados a fazer imperar o cosmos sobre o caos, mas nunca em benefício de uma oligarquia olímpica. As tentativas que se direcionam para o privilégio são corrupções da nossa missão e sempre tendem a desandar. 

De outro modo, assim como em pequena escala o Espírito é responsável pelo origami do corpo, em larga escala, nossas ações como humanidade se refletem em tudo que nos é considerado meio de existência. Está perfeitamente conforme à cosmovisão espírita pensar que as catástrofes naturais possam refletir o estado de espírito dos homens e mulheres, formando bolsões de miasmas que se precipitam sobre nós o que, aos tempos do Egito antigo, foram considerados como pragas, e que, todavia, tinha menos a ver com a ação direta de Deus do que com a repercussão dos nossos atos sobre o mundo. 


A missão do Brasil


Certa corrente do pensamento espírita imagina ser o Brasil um grande acolhedor das práticas do Evangelho. E, como ele tivesse sido destinado por Jesus para acolher os aflitos do mundo, é provável que alguém nos fale que os Espíritos envolvidos em crimes de outras nações estejam sendo destinados para compor nossas novas crianças cujos corpos débeis servem de poderoso cadinho para as transformações viscerais do espírito imortal. 

O que todas essas teses apontam é que não devemos vestir a túnica dos coitados do mundo, que o desespero deve ser convertido em trabalho, que o amor pelo próximo e o acolhimento dos debilitados deve ser, mais do que nunca, a tônica de nossos corações. 


Leia também:

* O comentário que faço à contribuição de leitores desse assunto: link
** Uma mensagem de consolação escrita por um leitor endereçada à família vivendo com  a situação da microcefalia: link
*** Outros diálogos que andei tendo com leitores deste blog: link


segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Jessica Jones, Killgrave e o Espiritismo




Jessica Jones é um dos heróis da Marvel partícipes de um mundo que tenta se reconstruir da grande invasão alienígena que deu origem aos Vingadores. Embora a estrutura de herói contra vilão se mantenha, a densidade psicológica dos personagens vai além do que costumamos nos deparar, e os conflitos existentes dentro do herói dão ao personagem uma riqueza cujo caos é mais fácil de encontrar na vida do que aqueles modelos de mocinho à antiga. 

Vim aqui falar do primeiro inimigo veiculado para série criada pela Netflix-Marvel: Killgrave. Por uma experimentação feita em seu próprio corpo, esse vilão passa a ter a habilidade de controlar as pessoas com um simples comando de voz. O interessante é que todos os que passam pela experiência de ter sido controlado por ele o fazem a partir de uma vontade que as compele, mas em conflito com outra vontade - irrisória - de não querer obedecer. 

Em certo momento, o grupo de pessoas que foi instado a fazer o mal sob o domínio dessa força incontrolável acaba deixando escapar que, talvez, no fundo haja aquela vontade em si, motivo pelo qual houve a possibilidade de ela se instalar em seus atos. 

A associação que gostaria de trazer para essas intrigas psíquicas é a da obsessão (influência nociva de um espíritos obre outro). Aqui ilustrando bem o que seria a subjugação. Kardec a define assim em O Livro dos Médiuns: "A subjugação é uma constrição que paralisa a vontade daquele que a sofre e o faz agir a seu mau grado. Numa palavra: o paciente fica sob um verdadeiro jugo."

Na subjugação a vontade do indivíduo é como que paralisada. Portanto, quando uma obsessão chega nesse ponto, sempre a cura deve vir com a intercessão de um agente externo: o passe (quem é a imposição de energias que tentam provocar o desenlace do jugo do obsessor) e a doutrinação (que é a tentativa de fazer com que o obsessor deixe de protagonizar esse jugo). A água fluidificada e os remédios da psiquiatria agem todos como o passe. A terapia aqui, que seria "a doutrinação" do paciente, age no intuito de fortalecer sua vontade contra a do obsessor, e, nesse caso, é de pouca valia. 

Vê-se todos esses elementos em Jessica Jones. Ela é o agente externo terapêutico necessário. Sua força atua sobre os subjugados a fim de afastá-los da consciência dominada por Killgrave. A sua fala em busca de trazer à lucidez seus amigos é quase vã. 

O Espiritismo nos faz perceber que nada acontece por acaso. Toda ligação, por mais tenaz e atroz que seja, possui uma razão de ser na história dos envolvidos. Toda relação é a tentativa de desatar nós anteriores. Elas findam por encontrar termo quando o reequilíbrio dos sentimentos se restabelece. Por vezes, não é possível que isso aconteça na mesma vida, mas depois da morte o caminho educativo e restaurador prossegue com ainda mais agudez, já que é quando as consciências estão desnudas do peso da matéria, a culpa se torna mais viva, e as leis do Criador, adormecidas em nós, acordam, acalmando os que fizeram boas escolhas, esmagando em remorso os que insistiram no mal, para depois fazê-los renascer em caminho de reparação. 

Sempre nos deparamos, nessas história dos super-heróis que querem fazer justiça com as próprias mãos, com a ausência de fé em uma justiça superior e na descrença de que haja um controle bom do cosmos. A pergunta que não se cala é: se eu tenho o poder de parar este mal, por que não fazê-lo? Até que ponto Deus, com essas habilidades que tenho, não me fez o instrumento de Sua própria Vontade para por um fim nisso? Deixo um pouco essas questões para serem trabalhadas em breve. 
  

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Injúrias e Violências



Palestra concedida à Sociedade Espírita Irmãos do Caminho que coincidiu com a escandalização mundial dos atentados sobre a França, nos fazendo lembrar que ainda hoje o mundo está em contínua guerra. 

Queria analisar a questão da violência do homem. Problematizei mostrando que, neste mundo, a forma como somos recebidos é eivada de violência. É violenta a natureza que nos circunda, e a dor parece uma constante. Fiz semelhante à Léon Denis quando principia a filosofar sobre o assunto em sua obra magna:


"O animal está sujeito à luta ardente pela vida. Entre as ervas do prado, as folhas e a ramaria dos bosques, nos ares, no seio das águas, por toda parte desenrolam-se dramas ignorados. Em nossas cidades prossegue sem cessar a hecatombe de pobres animais inofensivos, sacrificados às nossas necessidades ou entregues nos laboratórios ao suplício da vivisseção. Quanto à humanidade, sua história não é mais que um longo martirológio. Através dos tempos, por cima dos séculos, rola a triste melopéia dos sofrimentos humanos; o lamento dos desgraçados sobe com uma intensidade dilacerante, que tem a regularidade de uma vaga." (Léon Denis em O problema do Ser, do Destino e da Dor)

Parece dar razão à mitologia hebraica da queda do Paraíso. Se bem que não lembramos de que paraíso caímos, já que a infância abastada parece mais um esquecimento de que muitos sofrem, e adultícia completamente feliz é o ignorar que os outros penam. Ilustrei que foi nesse terreno de um planeta doloroso que Jesus veio nascer sob as mesmas condições e morrer em piores.

Evoquei, então, algumas escolas que quiseram explicar a violência do homem: 1. certa corrente da psicanálise que diz ser a violência não só um elemento inato, mas uma constante, que quando não pende para o homicídio o faz para o suicídio, nas várias formas, as mais chocantes ou as mais sutis. 2. certo discurso das ciências humanas, Foucault na vanguarda, quando fala sobre o encarceramento que a idade moderna (a que se diz "da razão") provoca sobre o que ela considera os anormais

Sugeri que não é uma exclusividade dos modernos, mas desde muito tempo na Terra, mostram algumas pesquisas paleontológicas, viemos devorando uns aos outros, não aprendendo a conviver com o diferente. Aponto, então, como tese principal que o problema nem é o homem ser destinado à violência nem a razão ser propícia à exclusão, mas que nossa liberdade nos conduziu mal a enxergar no outro algo que é radicalmente diferente de nós. 

Lembrei, então, dos budistas, cuja forma de ver o mundo animal, como um possível de reencarnação, os faz ver tudo com compaixão. Eles fazem caminhos para que as formigas passem e tratam o cachorro como um irmão! Não é mérito deles exclusivamente. Antes mesmo de o Ocidente conhecê-los, Francisco de Assis conversava com os pássaros, a Lua, o Sol, seus irmãos. Os grandes místicos sempre viram em tudo uma grande unidade, e o eu radicalmente diferente do outro como uma ilusão. 

Minha tese principal, enfim, é que não enxergarmo-nos como semelhantes, filhos de um mesmo Pai, é o que nos conduz para o desespero de defender o eu, o meu, os meus. E a violência começa desde o momento em que me nego em enxergar na fala do outro um possível de verdade. Ter certeza demais do meu ponto de vista é o que ajuda a colocar um ponto final em várias vidas de outros. E mesmo que a razão nos ajude a compreender a verdade do que falo, é o amor, como insistia Jesus de Nazaré, que permitirá a prática dessa paz.


A palestra está disponível temporariamente neste link:

Eis os tópicos norteadores da palestra:

Depressão segundo o espiritismo



Palestra proferida ao Lar Espírita Chico Xavier de Paracuru que carinhosamente me recebeu para me ajudar a pensar sobre esse tema tão presente em nossos dias. 

Introduzi situando-nos em uma era em que a medicina vem entrando em nossas vidas acautelando-nos sobre as doenças invisíveis. Até, então, a maior parte das moléstias que ceifavam nossos entes saltavam aos olhos, quando não matavam rapidamente. Com o advento das cidades bem urbanizadas e dos antibióticos, passamos a presenciar, por conseqüência da longevidade, as doenças que matam aos poucos, e cujos remédios servem, no pior dos cenários, para prolongar o sofrimento cotidiano. O médico se deparou mesmo com a trágica questão de "quando parar de investir em alguma vida". A tecnologia médica colocou sob nossos olhos o "indivíduo sustentado por aparelhos", o questionamento sobre se aquela vida não estaria em excesso. 

Uma das doenças invisíveis que mais vem consumindo a alegria das gentes é a depressão. Associado a esse quadro em que estamos prestando mais atenção ao que nos desgasta lentamente mais do que o que nos mata de súbito, há uma mudança radical no que entendíamos ser o "sentido da vida". Os últimos três séculos testemunharam um esvaziamento das grandes narrativas (religiões, filosofias, sabedorias dos povos) sem precedentes na história da humanidade. O sentimento de comunidade se esfacela. Entregues ao mundo globalizado, pelo menos duas grandes mudanças nos fazem ver a última geração como já caduca: 1. a verdade de qualquer coisa se desintegra no fluxo da internet; 2. a casa das pessoas se torna o mundo, e, se por um lado o corpo adquire amplitude tecnológica suficiente para explorá-lo, o espírito não acompanha esse processo. São esses fatores que, grosso modo, sugeri darem razão para aqueles que dizem ser a depressão nossa "doença do século". Seus sintomas são quase que uma revolta contra tudo isso: querer ficar mais em casa, se perturbar com o nada que nos circunda, com a ausência de raízes, e, por vezes, sentir tudo isso sem saber porque se sente, pois, onde a verdade?

Entre as tecnologias médicas, semelhante aos antibióticos que quiseram por fim às infecções, drogas antidepressivas mais sofisticadas surgiram prometendo devolver a alegria: um messias farmacológico. E, muito embora, tenha havido resultados formidáveis, havendo mesmo aqueles que defenderam e defendem a universalização do antidepressivo, há uma parcela considerável da população que sofre com depressão que se frustra com seus resultados. São esses indivíduos para quem a mensagem das religiões, filosofias, sabedorias de todos os tempos, do espiritismo, enfim, ainda é válida. 

O espiritismo vem revelar que as nossas doenças não são desta vida, nem são do acaso. São construções milenares. A experiência do Espírito na carne é uma terapia per si, onde as emoções que dinamizamos no contato com o outro podem ser trabalhadas intensamente. O remédio é uma ajuda, não a cura. E a cura pode não vir nesta vida. A salvação não é uma dádiva, mas um caminho. E o imediatismo apenas complica nossas perspectivas. O futuro, sendo certo, não deve ser rechaçado, e a esperança, juntamente ao trabalho no bem, devem ser nossos companheiros inseparáveis. 

Para aqueles que não apresentam qualquer quadro depressivo, todavia, partícipes de outros processos expiatórios, devem ter uma atitude de acolhimento paciente e amoroso para com os que sofrem na depressão, não exigindo que tenham o brilho dos olhos na mesma velocidade em que estes piscam, mas tendo abertura para caminhar lado a lado nesse processo de harmonização da própria vontade com a Vontade do Criador, que nos quer felizes, todos felizes, juntos. 





sábado, 17 de outubro de 2015

O amor nos é natural?


Welson Barbado, psicólogo e psicanalista, nos diz que a psicanálise considera o ódio e não o amor o sentimento primordial no homem. O que o espiritismo diz sobre este assunto?

A argumentação de Barbado é que o amor não nos é natural. O ódio não se instala no ser, mas se manifesta quando não está reprimido. O amor seria uma criação de fora que em nós é introjetado. Somos convencidos a amar. Isso contraria o pensamento religioso predominante. 

O Espiritismo não considera o amor estrito senso como nos sendo natural, mas tão pouco o ódio. Não natural no sentido de ser um dom, algo já dado em nós. O que seria primordial em nós seria o egoísmo. Nascemos simples e ignorantes. As primeiras fases de nossa existência é em busca da sedimentação de nosso eu, portanto, vivemos em um egocentrismo que nos é muito útil nesses tempos primeiros, mas que se torna um fardo quando já estamos aptos a nos transcender em uma relação em que o outro deve ser também dignificado. 

Nessa relação que pressiona a nos transcender, o amor é o grande aprendizado. De fato, partimos do egoísmo para o amor. Saber dessa cosmologia ajuda a nos abdicar da concepção de pecado e culpa presente no discurso religioso da queda. Não saímos de qualquer paraíso. Não voltaremos para paraíso qualquer. Por isso que, a rigor, na filosofia espírita, é falho o conceito de reforma íntima. Não se reforma o que não está deformado. Estamos em formação constante, é completamente diferente. 

domingo, 4 de outubro de 2015

Espiritismo segundo Allan Kardec



Fui convidado para falar sobre o que seria o Espiritismo segundo o próprio Allan Kardec, isto é, aquele que é considerado o fundador ou codificador do Espiritismo. 

Geralmente quando nos dão esse tema, querem que mostremos o quanto estamos distante do que Kardec praticava como Espiritismo. Mas, é uma maldade comparar aqueles tempos de plantação de vigas mestras com esses tempos em que tudo está andando, bem ou mal. 

Constantemente, vemos o que os mais criteriosos entendem ser a deturpação da vontade de Kardec, mas é preciso olhar com olhos menos rigorosos, eu entendo, para que não findemos por afundar todos juntos em um grande cisma que, a bem da verdade, vive acontecendo no movimento espírita. Todos, citando o codificador, puxam a corda para o seu lado. Estes acham que deveria ser mais científico, aqueles querem fazer evoluir a proposta e harmonizar-se com as temáticas sociológicas mais atuais, aqueles outros querem que a religião impere. 

Resgatar o Espiritismo de Kardec nos faz ver que ele mesmo passou por fases de enxergar a doutrina com um óculos de cada vez. No início era o homem do critério científico. Depois foi adocicando a fala e aproximando-nos da religião cristã. Ainda assim, dizia que era necessário se abster de dogmas. Os ensinamentos morais eram tudo. Mas, eis que, lá pelas tantas, Kardec já vai confessando que deve haver algum ato de fé espírita e, com pesar, percebe que a doutrina não poderia, naquele momento, fazer irmanarem-se todas as religiões sob a égide da imortalidade da alma. Haviam dogmas duros demais para ceder a tal ponto. 

O que tentei resgatar, por fim, era o quanto o lado religioso do Espiritismo de agora não estava longe do horizonte de Kardec. Em 1865, explicando sobre o que fazia com o dinheiro que conseguia arrecadar com a divulgação da doutrina, prova de forma cabal o quanto não havia dinheiro suficiente, e que ele tinha, sempre, de prover do próprio bolso, por exemplo, emprestando a mobília de sua casa para preencher os espaços da Sociedade Espírita Parisiense que fundara, centro aglutinador de toda a produção do saber espírita da época. Por fim, responde a pergunta: "O que o senhor faria com 1 milhão, se realmente o tivesse?". Eis a resposta:


"Hoje, que o horizonte se ampliou, sobretudo que o futuro se desdobrou, fazem-se sentir necessidades de ordem completamente diversa. Um capital como o que supondes receberia um emprego mais útil. Sem entrar em detalhes, que seriam prematuros, direi simplesmente que uma parte serviria para converter minha propriedade numa casa especial de retiro espírita, cujos habitantes recolheriam os benefícios de nossa doutrina moral; a outra constituiria uma renda inalienável, destinada: 1o – a manter o estabelecimento; 2o – a assegurar uma existência a quem me suceder e aos que o ajudarem em sua missão; 3o – a prover às necessidades correntes do Espiritismo, sem recorrer aos produtos eventuais, como sou obrigado a fazer, já que a maior parte dos recursos assenta-se em meu trabalho, que terá um termo." [Revista Espírita, junho de 1865, grifo meu] (Clique aqui para ler o texto na íntegra) 

Eis ali uma passagem perdida nas mais de 4.800 páginas que Kardec escreveu só de revistas para divulgação da doutrina. Uma passagem que fala sobre o quanto tinha vontade de transformar sua casa em um abrigo acolhedor para o consolo de muitos que procurassem o lugar. Bem, acredito que foi esse o caminho que o Brasil escolheu como modelo. É isso que nossos centros espíritas tentam seguir, o maior ou o menor sucesso não desmerece a tentativa. 


O áudio da palestra encontra-se temporariamente disponível para download neste link:


quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Diálogo de penumbra



- Amor, eu sinto que os Espíritos conduzem nossa vida. Já deram várias provas de que sou apenas um partícipe de projetos que nos transcendem. Por exemplo, quando eu escrevia aqueles livrinhos sobre histórias do evangelho para crianças e, ao chegar no grupo de teatro, abrimos o evangelho ao acaso e caiu em "deixai vir a mim as criancinhas". Ou ainda quando eu pensava em exercer minha homeopatia junto à população carente do Bom Jardim e, ao chegar no ambulatório da especialização, tive a grata surpresa de este ser o mesmo pensamento da coordenadora do curso, inserir-se no mesmo bairro, no mesmo projeto. Mas, sinto tanta falta de meu pai. Queria que ele se comunicasse comigo de uma forma mais tangível. 

- Mas, ele está em todos esses projetos, Amor. 

- Queria que ele viesse ter comigo, face a face. 

- Ele está ocupado demais. 

- Demais ao ponto de não poder visitar de forma inquestionável o próprio filho? Tive sonhos com ele por estes tempos, mas foram muito enigmáticos, quase não o reconhecia neles. 

- Você não é médium. Não como você pensa. 

- Não importa. Nada impede que ele se manifeste singularmente comigo. 

- Contente-se com o que você sente. 

- Eu sinto... saudade.

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Suicídio em outra visão espírita



Digo suicídio em outra visão espírita, porque acho que impera em nosso meio um discurso muito pouco consolador sobre esse tema. 

Dei uma palestra cujo motivo da fala foi uma pesquisa feita no público geral dos Estados Unidos, veiculada pelo psiquiatra Stephen M. Stahl em seu livro sobre "Psicofarmacologia: Depressão e Transtornos bipolares". Ela mostrava que a grande maioria da população achava que a doença mental era devida à fraqueza emocional, culpa da vítima ou conseqüência de um comportamento pecaminoso. Isto é, a grande maioria absoluta, culpabilizava a pessoa que estava sob o domínio de alguma doença mental, como se ela fosse completamente senhora de seus sentimentos a fim de poder saná-los a qualquer momento com alguma força de vontade ou um retorno para o que consideram caminho virtuoso. 

No meio espírita essa opinião é representada, por exemplo, pela crença de que, se a pessoa está doente, é conseqüência direta de suas ações nesta ou em outra vida. 

Tentei explicar, então, que a coisa não era tão simples. Se a questão fosse de mera força de vontade ou de um comportamento santo, a nobre Madre Teresa de Calcutá, no livro póstumo que revela sua escuridão de alma, "Madre Teresa, venha, seja minha luz", não teria sentido isto:

"Estou simplesmente cheia. Não sabia que o amor podia fazer alguém sofrer tanto. [...] Meu coração está tão vazio. Tenho medo de que o retiro seja um prolongado sofrimento, mas é melhor não pensarmos nisso. Quero fazer um retiro fervoroso."

E outras revelações bombásticas que mostravam uma santa realmente da escuridão, como se ela tivesse se misturado com as dores do mundo.

Poderia ter falado ainda da dor que Jesus sentiu antes de ser crucificado, que o evangelista diz ter ele porejado sangue de seu corpo, tamanha era sua aflição (Lc 22:44). Jesus, aquele que, para os cristãos, é considerado o mais puro homem, ou melhor, o deus-homem. 

Nossa sociedade precisa, ainda hoje, mudar seu olhar para com os portadores de sofrimentos mentais,  deixar de vê-los como fracassados ou birrentos, mas como pessoas cujos motivos mais íntimos de dor estão enterrados em séculos de existência e que, portanto, a solução não deve vir do dia para noite, de imediato. 

A iluminação interior súbita pode ser uma crença budista ou católica, mas não é a espírita. Acreditamos que o processo de cura de um indivíduo, isso sim, não salta na natureza, mas é um construto tão milenar quanto a gênese da dor. Não cabe a nós julgar ninguém ou, como se fôssemos milagreiros, exigir que a pessoa levante e ande, mas sim apoiar, acolher, e facilitar a caminhada daqueles que doem ao nosso lado. 


O áudio da palestra encontra-se temporariamente disponível aqui:

domingo, 13 de setembro de 2015

É preciso perdoar Deus


Clarice Lispector, em 1970, publicava um conto, no Jornal do Brasil, intitulado Perdoando Deus. Nele descreve o sentimento de um êxtase estranho em que se vê tomada por um amor por tudo o que existe - Deus sendo tudo o que existe - como se fosse a mãe do vasto mundo. Amar à Deus de forma solene é o que a religião nos ensina. Mas, como sendo dele a mãe?! Isso é profanação. De súbito, topa com um rato morto a lhe quedar para o outro extremo do divino, desce aos infernos de si. É dessa viagem psico-astrológica que tira a seguinte dedução:

"Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda."

Depois disso ela vai percebendo que é impossível amar o mundo sem aceitá-lo por completo, no que há de esplêndido e de grotesco. Talvez o asco contra o podre do mundo, e de Deus por conseguinte, é o desprezo por esse outro lado de si. 

Entretanto, a foto que postei no início dessa reflexão não parece se encaixar nesse movimento de alma. Dirão os teólogos mais radicais que parto do lugar errado: o que é preciso perdoar é o homem que provoca toda essa miséria. Todavia, o lugar filosófico é o que me importa: quem criou o homem e sua pulsão de morte?

Daí que, ao contrário de todos os movimentos religiosos que partem sempre da visão de Deus olhando para o mundo, eu me coloco na visão dos transeuntes olhando para o universo e assim perdoar Deus. Sei que a profanação dessa frase é sem medida. Contudo, o movimento de perdão é justamente o movimento cognitivo-emocional de se abrir para o outro em toda a sua alteridade, o que significa em toda a sua estranheza. 

- Por que o Senhor silenciaste? - pergunta o ortodoxo papa emérito Bento XVI quando visitou o campo de concentração do holocausto judeu em Auschwitz. 

Infelizmente, não venho neste post trazer uma resposta plausível. Não quero falar das dívidas que arrastamos da encarnações pretéritas, sob pena de menosprezar a dor. Quero, de fato, deixar o coração aberto, e não mergulhar em alguma "matemática errada". Coração aberto, coração sangrando. 

Na temática do perdão à Deus, meu filósofo materialista Sponville disse que a única desculpa é Ele não existir. 

Não quero desculpas. Desculpar é por demais exato. Perdão é a única palavra que encontro para o movimento da alma que envolve carinhosamente o agressor e deixa-o existir dentro de nós, talvez mesmo conduzindo-nos a pensar que nós tenhamos sido o agressor. Ela, enfim, e então, nos confunde.  Querer que Deus seja a imagem e semelhança de tudo o que eu acho que Ele deveria ser, eis a grande prepotência humana, a verdadeira profanação. É o que Clarice enxerga ao final:
"Porque enquanto eu amar a um Deus só porque não me quero, serei um dado marcado, e o jogo de minha vida maior não se fará. Enquanto eu inventar Deus, Ele não existe."

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Sobre a importância da igreja como fundamento



Feito palavra ao vento, apenas para amenizar conversas de corredor, falo sobre meus problemas respiratórios de repetição à uma colega de plantão: são coisas que trago de outras vidas. Ela responde de imediato. 

- Isso não existe, Allan!

Quando a incitei a falar os motivos que a levavam a afirmar tão categoricamente sobre a inexistência das reencarnações de todos, pensando que ela ia começar os mesmos argumentos de sempre - porque não nos lembramos, porque a população cresce, etc. - ela me veio com essa:

- Como é lá no Espiritismo? Você freqüenta? Qual o fundamento?

Falei do meu afastamento destes últimos tempos, desde que aumentamos, eu e minha esposa, nossas atividades médicas e de pais de um menino novo. No que ela replica:

- Você nem freqüenta direito!

Foi assim que me dei conta que, de certo modo, para ela, é fundamental não apenas conhecer a doutrina, mas participar da igreja para falar com propriedade. Igreja não no sentido institucional, estrutural, mas no sentido de eclésia, assembléia, conjunto de pessoas que fazem a coisa ser humana e, de tão irmãos, divina. 

De fato, essa colega é uma moça devota. Antes de dormir, uma prece e um terço. Durante o plantão, a calma e a serenidade de quem tem o apoio de toda uma irmandade em si. 

Levo isso para casa. O reaquecimento da saudade que tenho dos meus, daqueles que são meus fundamentos. Difícil viver sem uma igreja de amigos que se religam por assuntos comuns que nos ascendem a muito mais do que essa esfera de afazeres cotidianos. Nesse sentido, de fato, fora da igreja não há salvação, mas é que o coração fica menor longe deles.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Sobre os traumas nas mentes infantis



Para onde quer que olhemos, estas teorias psicológicas dos sofrimentos humanos vivem a nos falar, no final das contas, de uma psicologia infantil tão frágil que qualquer abalo pode ocasionar o maior dos traumas no futuro, a mudança da rota, a diferença capital. Não é bem assim. 

De fato, cada ação importa para uma criança. E não tenho dúvida que quanto mais proteção e amor ela tiver, mais isto irá influir beneficamente em seu psiquismo. Mas, as lágrimas grossas das pessoas escorrem sentimentos que foram arrastados de vivências muito mais antigas do que a própria vida. Não somos tão frágeis assim. A pele de nosso Espírito possui camadas que o mais trabalhador arqueólogo está longe de revelar, quiçá interpretar. 

Não é uma vida anterior, nem duas. É todo um continuum de existência cuja origem se perde na escuridão da história de tudo, não só da humanidade. 

Leio e releio com gosto um médico polonês, o Sr. Janusz Korczak, que escreveu um dos livros mais sensíveis que já li sobre a criança: Como amar uma criança. Quase ao final, depois de ter nos revelado o imenso esforço humano de tentar desvendar os pequenos, na medida que os cobria do frio e os alimentava na privação, partindo de uma mão que já havia labutado muito a favor da sobrevivência deles em uma Polônia judaica perseguida no mundo entreguerras, nos diz isto:


Raras são as crianças que não são mais velhas que a sua idade real: trazem consigo as taras de muitas gerações. Nas circunvoluções do seu cérebro sangra a dor acumulada durante muitos séculos de sofrimento [...]. Não é a criança que chora, são o cansaço e a dor centenários que se lamentam: não foi por ter sido posto no canto, mas porque foi sempre oprimido, banido, desprezado, amaldiçoado. Estou fazendo poesia? Não, é apenas uma maneira de fazer uma pergunta para a qual não encontro resposta.

Eis a clarividência! "Nas circunvoluções do seu cérebro sangra a dor acumulada durante muitos séculos de sofrimento." E, muitas vezes, nos inquietamos porque não os conseguimos consolar de todo ou mudar seu caráter de forma inabalável em alguns parcos anos de convivência intermitente. É, então, que um árabe, Khalil Gibran, nos fala:

Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força
Para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria.

Pais e mães que amam mais que tudo a vossos filhos, sejamos bons arcos, é o bastante. Os ventos de Deus cuidarão do resto.