segunda-feira, 29 de abril de 2013

A Obscenidade da Reencarnação




Os espíritas, nós acreditamos em um princípio que tudo o que ocorre no universo tem uma razão justa e boa por trás. 

Perdemos completamente a credibilidade na filosofia pós-guerra. Entenderam as mentes feridas que tudo o que ocorreu ali foi inexplicável. Nada pode conciliar as atrocidades, nada pode fechar as chagas. Nada, enfim, pode ressuscitar a ideia desse Deus Cristão que tinha tudo em suas mãos, pois, sendo todo bom, deixou que aquilo acontecesse, portanto, não pode ser todo bom, isto é, não pode ser mais o Deus Cristão. Pode ser outro Deus, não mais onipotente (uma divindade qualquer) ou, se onipotente, deve ser mau (o Maligno), ou indiferente (os deuses de Epicuro), ou, hipótese econômica, não deve existir Deus, não mais (foi morto com a bomba atômica) ou nunca houve (delírio do homem amedrontado). 

As guerras mundiais são situações macro, mas, em nosso mundo particular, de quando em quando somos atacados por carnificinas. Um pai enterrar um filho: anti-natural, caótico, obsceno querer cuspir uma razão para isso. 

Não é! Tudo tem uma explicação. Querer que as nossas vitórias do bem sejam racionais e que o mal nos escape completamente é dar força demais a ele. Não acreditar que possamos ter lucidez na vida é negar toda a história humana de esforço para ultrapassar a ignorância. E quantas coisas já conseguimos!

Dizer para uma mãe que sofre a perda de um filho que ele teve de morrer no momento exato, nem mais, nem menos, eis a obscenidade! Fere o pudor, é nauseabundo, expõe o que não pode ser olhado pelas civilizadas gentes.  

Claro que ninguém há de consolar qualquer enlutado, nos dias de hoje, na sociedade em que vivemos, falando da necessidade daquela morte, de todas as mortes. Consolar a vítima de um estupro com a providência do mal. Tentar impedir o aborto do filho dessa violência com a necessidade da continuidade da vida. Qualquer indivíduo são e misericordioso sente um aperto no peito e uma costura na boca diante dessas cenas. Apenas um racionalista frio, que tem todos os filhos vivos e o seu sexo inviolado, apenas ele pode tentar dizer algo a respeito. Tentar...

Perdemos, eu e minha mulher, a nossa primeira gravidez. Por Deus, como ela foi desejada! A médica disse que tentássemos pensar que na primeira vez o corpo de minha esposa ainda estava em processo de se acostumar com o meu, afinal, metade do nosso filho descendia de mim. Se Deus existe e a natureza é perfeita, pois criatura dele, então tudo deveria funcionar sem expulsão, sem violência, sem aborto. Sem liberdade?

Não. Porque temos liberdade e porque temos muitas vidas é que temos certas escolhas ruins a nos manchar. Porque somos imortais e porque somos educandos é que temos algumas vidas dolorosas para nos lavar a alma. Algumas nódoas não largam fácil. Quem cometeu o primeiro assassinato do irmão em uma atitude livre e desimpedida não pertence a nossa geração. Hoje somos filhos e pais de tudo o que viemos fazendo no correr dos milênios de humanidade. O que cai sobre nossa cabeça nos pertenceu. O que sobra para nos reconstruir pertence agora. Dizer isso, digo apenas para mim. Alivia minha dor, acalma o espírito. 

Tento, contudo, espalhar essa verdade para o maior número de pessoas que possam ouvir, quando a dor já não é desespero, nem revolta. Quando o grito consumiu todo o ar e esbugalhou a garganta, restando o silêncio. Mas, digo assim, como se fosse uma lei e não como se fosse uma culpa, pessoal, intransferível. Mais do que isso. Tento deixar clara, acima de tudo, a lei do amor perpétuo. Pois é por causa dele que choramos tanto de alegria e de tristeza.

As dívidas são sanadas com o vento e com o tempo. As águas passam, balsamizam a dor, cicatrizam os cortes. O amor permanece. 

Então, é assim a verdade com que explico as atrocidades: 

 - Foi falta de amor para o mal que ocorreu. É excesso de amor o que corrói o seu peito. É amor de Deus o que corre em todas as veias e nos deixa imperecíveis. Asserena! Todos os que se amam voltarão a se encontrar, em outra cena, fora dessa, ob-scena... 

terça-feira, 23 de abril de 2013

Contra Nietzsche





O texto pode ser longo, porque aqui vou estirar meu repúdio. 

Ontem, de madrugada, estava exultante ao ouvir uma palestra sobre Nietzsche da filósofa  sua fã Viviane Mosé no You Tube. Uma fala que meus colegas haviam dito que todos deveriam assistir independente da posição filosófica. E entre as coisas do que ela disse que me encantaram foi o seguinte, bem no estilo da genealogia do seu ídolo (aos 37min e 09s):

Se você quer respirar ar puro, precisa parar de frequentar as igrejas [citação de Nietzsche]”, ao que ela comenta que “a construção dos valores niilistas é, antes de tudo, produção do judaico-cristianismo. A ideia de culpa é fundamentalmente judaica. Obviamente passou para o cristianismo. Essa combinação judaico-cristianismo produziu uma coisa impressionante que é ‘dos fracos e oprimidos é o reino dos céus, dos aleijados, dos pobres de espírito é o reino dos céus’. Se é mais fácil um camelo passar por um buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus, nós devemos ser pobres, fracos, tristes e aleijados. (...) Se eu sei fazer uma palestra, eu não posso dizer para vocês... [ela começa a falar clichês de falsa modéstia], isso é lindo, não é? Agora se eu disser, eu faço isso, adoro fazer isso, faço da melhor forma que eu posso e sinto que faço bem, sinto que vocês reagem, isso é prepotente, é arrogante, é feio. Se o valor-alvo que nos move é a fraqueza - eu posso até ser forte, mas Deus não vai gostar de mim - isso é extremamente nefasto. A nossa coisa é ‘bom ser fraco’: - Ah! Eu tô tão arrasada!, dizer isso parece que Deus tá ouvindo e Ele vai lá de cima te dar uma solução. Então, nós temos o hábito da reclamação e da autocomiseração, porque parece que alguém vai tá ouvindo.” 

Saí, então, feliz daquele encontro. Entendendo o quanto eu deveria me amar como sou em meus dons. Sem querer escondê-los por parecer soberba, mas os querendo exibir, como se mostra um corpo musculoso. 

Falava ao amanhecer, então, junto a minha esposa, do resgate da felicidade da arte na cultura grega antiga e da cena maravilhosa de uma senhora idosa - eis o que narra o mito - que mostra a bunda para Deméter (a deusa que dá origem às estações), no intuito de tirá-la do inconsolável estado de espírito em que caíra pelo rapto da sua filha por Hades. Deméter faz sorri as flores junto consigo, por breve instante. 

Foi quando passei, no trânsito, ao lado de uma senhora estendida no chão, talvez bêbada ao extremo e talvez, por isso mesmo, com grave risco de morte. Marília me chamou a atenção, ficando com peso na consciência por termos passado direto. Eu havia murmurado apenas alguma coisa sobre o estado de embriaguez deplorável e nada sobre o imperativo da ajuda. Dois médicos em um carro. Duas negligências: a minha tanto pior quanto mais calada. O silêncio nos apoderou até eu chegar no centro de saúde destino dela. As casas passaram, os outros carros correram, as muitas pessoas ficaram para trás, mas aquela mulher não saiu do espírito. 

- Maldita! Tirou todo o brilho dos meus olhos para um mundo que florescia junto ao sorriso dos deuses. Anátema! Ocupou todo o espaço do meu peito onde só deveria haver amor por quem ao meu lado estava e pelos meus familiares que logo me esperavam em casa ao voltar. Idiota! Uma chuva aconchegante para nela se agasalhar e preferiu se queimar com aguardente vomitando em minha consciência até há pouco límpida. Eu quero viver a vida! E não sofrê-la...

- Quem perder a vida por amor a mim, ganha-la-á.
- Quem é você?
- Sou a bêbada lá atrás!

As estações de Deméter foram acontecendo no meu peito. Esse sol foi me queimando as folhas e não deu muito para tornar gelada a alma. Novas flores despontavam enquanto eu seguia o caminho de volta para encontrar a enferma. Pensava em todos os atrasos que ela me daria, que me tiraria do fluxo normal, me arrancaria do cotidiano. Fui ficando feliz. Alegrando-me em pensar que poderia carregá-la nos braços, desacordada, e entregá-la ao hospital para lhe devolver a vida. Fui ficando ainda mais feliz ao imaginar que quando ela acordasse, sem saber a identidade do benfeitor, bendiziria aos céus e poderia querer se regenerar. O contrário, e o mais provável, deveria acontecer, isto é, ela se maldizer porque preferia ter morrido. Mas, pelo menos, meu coração bateria mais calmo por ter diminuído a desgraça do mundo.

Ela já não estava mais lá. Nenhum sinal. Vi uma ambulância se escondendo ao longe. Vi uma ânsia grudada em mim de contra-argumentar Viviane Mosé:

- Não devemos ser pobres, fracos, tristes e aleijados para o Reino dos Céus. Devemos ser ricos, fortes, felizes e cheios de braços para conseguir entrar na festa (Mt 22:11-13). São outras riquezas, fortalezas, felicidades. São outros dons. Amar a vida, sim! E como há pobres na vida, amar os pobres, não a pobreza, os aleijados, não a doença. Amar o próximo, não a proximidade, pois mesmo distantes, não deixam de ser irmãos. Sorver o gosto amargo da negligência, não para se perder na escuridão da culpa, mas para sentir a exuberância da luz quando a ela se entregar no arrependimento e na reparação. É uma alegria mais de ação que de esperança. Pois é querer, inadiavelmente, fazer do hoje um lugar melhor para mim e para você. 

Pobre, fraco, triste e amputado fui quando não ajudei quem precisava. A festa está no oposto. Como querer dançar nela sem ouvidos para ouvir o seu ritmo? A música deste mundo aqui, cheio de injustiças, ainda toca os tons da caridade material. Uma festa excludente? Não! É preciso chamar a todos. 

No Evangelho há mensagens para todos os estados da alma. Por que privilegiar apenas os que estão de bem consigo? Estar longe dos sãos! Eis o que nubla as falas do mestre, e o que as torna sol.  

sábado, 20 de abril de 2013

Deus? Que Deus?!



Mais uma do Porta dos Fundos. 

Agora sobre Deus. Ótima oportunidade para discutir sobre Ele. Mas, com a consciência humilde que a discussão do divino tem um cercado. Somos limitados no tempo e no espaço. O tempo nos limita não por sermos mortais (falo segundo o Espiritismo, claro!), mas por nossa consciência estar submetida ao esquecimento e a falta de clarividência.

É exatamente essa preliminar, que não é nada mais do que uma constatação óbvia da nossa pequenez, da nossa terrena humanidade, que funda os parâmetros da compreensão de Deus contra os devaneios assassinos de qualquer tribo, casta, seita, etc. 

O homem é relativizado pelo conceito de Deus. Nada mais justo de acontecer quando se colocam vizinhos no pensamento o relativo e o absoluto. Um se vale do outro para se engrandecer ou se apequenar. Mas, se começássemos pensando Deus segundo as nossas limitações, chegaríamos em algumas pontuações pertinentes:

  1. Que Ele é impensável no todo, portanto, participa do mistério que nos escapa (como pode o oceano em uma concha?);
  2. Que não faz o menor sentido uma Ciência que busca a Verdade se ela não existe, e que, se ela existe, deve ter um fundamento que a nutra;
  3. Que faz menos sentido ainda o concílio entre as mais diferentes tribos da humanidade se não há Moral que seja universal, mas que, se há, deve haver algo que a endosse;
  4. Que se as obras de arte são questão de gosto e, portanto, aparentemente indiscutíveis, é espantoso que uma obra forjada em certo tempo e espaço consiga se perenizar levando verdades e morais compartilháveis entre povos distintos.  

Se Deus fosse uma verdade a priori, todos estes pontos estariam resolvidos. Deus é impensável, mas sua existência seria um imperativo, se imporia por ela mesma. Não há o que pensar. O sentimento de óbvio tomaria a todos. A Verdade existe, pois Nele se funda. A Moral, idem. O gosto pela Beleza (ou pelo risível) é compartilhável para além de tempo, espaço, morais e verdades, pelo mesmo motivo. O Belo da arte seria a manifestação na matéria da grandeza divina (o risível, a discrepância da matéria no que pretende ser espírito - Bergson). Mas, o simples fato de nem todos entenderem assim, já nos traz a dúvida do universal. Como pode haver discordâncias entres esses temas se todos somos irmãos, filhos do mesmo Pai?

Foram a partir destas questões que se promoveu uma revolução copernicana e se começou a pensar o universal na perspectiva do humano. O que pode ser assumido por todos como verdade, moral e beleza não se impõe por um Deus da tribo da Polinésia cuja palavra um dia deverá açambarcar o mundo, mas pelo que vemos na humanidade, com nossos olhos de carne, e o que experimentamos, com nosso corpo de ossos e sangue. 

É por isso que nos é tão natural o estranhamento da encenação acima. O nosso referencial de paraíso não está exatamente fundado mais em uma Pessoa Divina que tem o poder de me salvar, mas em seres humanos que pareceram ter praticado um bem universal (Gandhi, Madre Tereza) ou terem devassado uma verdade universal (Einstein), ou ainda, terem criado um belo universal (León Tolstói poderia perfeitamente estar queimando no infinito! E Chaplin rindo ao seu lado). 

A contribuição espírita para esse assunto é a de nos ter esclarecido outros elementos do humano que podem participar dessa busca: os sentidos mediúnicos. Assim como os sentidos de carne, eles são limitados, mas não menos preciosos. Sobre eles, falarei um pouco mais em outros posts.  

A revolução é não mais estarmos a espera de uma exterioridade que nos salve, ou melhor do que isso, nos una enquanto a adoramos, mas de buscar essa unidade no que podemos encontrar de exterioridade em nós. Em outras palavras, não mais esperar que o Pai nos una, mas buscar o que há do Pai em nós para nos unir, a humanidade inteira. Ainda mais claro: tentar enxergar no outro o meu irmão não por causa que eu acredito no mesmo Deus que você, mas porque eu vejo em você o meu Deus. Por que eu não canso de tentar melhorar essa frase?! Mais uma tentativa, mas com uma frase que não é minha: “É assim que aquela mãe verdadeiramente cristã prepara a filha para a prática das virtudes que o Cristo ensinou. É espírita ela? Que importa!”*


* Excerto da mensagem “Infortúnios Ocultos” de O Evangelho Segundo o Espiritismo. Cap. 13, item 4. Essa mensagem sempre me encantou. 

domingo, 14 de abril de 2013

O outro lado do convite ou O máximo do ato desinteressado



Na postagem passada, terminei falando sobre o convite feito por Jesus para que amássemos o nosso próximo como se ama a Deus. E brinquei com esse chamado, pois não precisaria ter sido dito. 

Contudo, e quem estuda a Bíblia deve ter me contrargumentado na mesma hora, o amor ao próximo de Jesus era menos leve do que aparenta pela primeira vista, porque o próximo, em verdade, não está tão ao nosso lado assim. É a parte do convite que ninguém lê, porque dói. 


O ápice do amor cristão é o ágape. A forma mais prática, e praticamente inconcebível, de se amar de forma ágape é o amar o inimigo. Porque amar quem o seu corpo deseja (eros) ou amar a quem lhe faz feliz espontaneamente (filia) é quase como se amar. Para amar o inimigo tem que se esvaziar (do ódio), tem que se limpar (de tanto rancor), tem que se livrar (do desprezo), e se abrir ao outro, definitivamente outro, que, aparentemente, não tem nada a ver comigo. Mas, aquele que consegue, ou pelo menos tenta, se torna algo mais do que ele mesmo. Algo mais? Muitos mais! É uma violência de alteridade. Só não é, porque é amor, porque é convite, porque se aceitou. 

É possível? Em uma só vida, acredito que não. Por isso Kardec relativiza para que se torne mais concreta a ação nesse intervalo que temos para seguir esse conselho. É suportar, ao menos. É trocar o mal com o bem. O escárnio com a prece de coração. Contudo, em várias vidas, o amor se torna não só possível, mas evidente. 

Nos relatos dos Espíritos, enche-se a Terra de histórias de inimigos que reencarnaram como próximos, no sentido estrito. Compartilhando o mesmo útero, no caso de irmãos, ou o mesmo corpo, no caso de mãe e filho. Dividindo o sangue e a compatibilidade, a casa, a mesa e o pão. E, por uma divina lei de esquecimento, o ódio, o rancor e o desprezo são relativizados pelo estranhamento da ausência de motivos suficientes para isso, pela presença de razões viscerais para ser o contrário.

Nessa minha curta existência, encontrei casos de filhos que odiavam seus pais na adolescência, borbulhando reminiscências dos desafetos passados, mas que dariam sua própria vida para salvá-los. E de pais, cujo carinho por este ou aquele filho era visivelmente menor do que por aquele outro, mas que não se sacrificava menos para manter a vida dos dois. 

Então, um bom exemplo de amor ágape, ou talvez, um bom exemplo de escola para o ágape se chama círculo familiar. Nele, as pessoas tendem a se ajudar e falam até mesmo de amor, mesmo não sentindo a mesma alegria que um amigo desperta. Há uma obrigação que corre nas veias gritando para amar. Às vezes fugimos dessas determinações e percorremos tudo ao redor para um dia voltar  - sempre há volta, nessa vida ou em outra - mais dispostos. Outras vezes enfrentamos o desafio do convite pulsante até o dia em que, sem querer, nos vemos abraçando e chorando juntos. Não é mais a mistura de sangue que importa, a partir de então, mas a de lágrima e a dos suores. É a do espírito. 

Eis que o amor ao inimigo se mostra na sua impossibilidade última. Buscávamos, seguindo essa máxima, amar ao que não se ama. E o máximo que conseguimos foi tornar o que não se ama amável. Tornamo-lo um irmão. Pouco importava a vitória da lógica e dos conceitos para Jesus, bastava que aprendêssemos a amar. 

sábado, 13 de abril de 2013

Lei? Que lei?!




Eu gosto de comédia. Não há quem negue ao me conhecer. Ela tem um poder de modificar significados, revisitar lugares comuns. 

A ironia é um tipo de comédia (ab)usada por Voltaire para criticar uma igreja que não mais satisfazia. Segundo Sponville, ela “põe à distância, afasta, repele, rebaixa. Ela visa menos rir do que fazer rir. Menos divertir do que desenganar. Como Sócrates, com relação a todos os saberes, e ao seu próprio.” Ironia, vem do grego, eroneia que é interrogar. 

Esse vídeo do Porta dos Fundos brinca com a primeira apresentação do Decálogo. Não tenhamos a ingenuidade de nos sentir feridos, aqueles que têm o decálogo como primeira Lei Divina, porque afinal não aconteceu assim. As mentes eram outras. E a virtude dessa cena é nos fazer revisitar aquele momento crucial para a história da nossa civilização judaico-cristã com os olhos dos pós-modernos.  

Mas tudo começa com os argumentos dos modernos, e bem no estilo voltairiano, encontramos, por exemplo, Kant que buscava fundar uma lei moral sobre o princípio maior da ação desinteressada. A virtude deve ser uma que, mesmo contrariando meus interesses, a ela eu ceda porque é o bem da humanidade. Os contra-argumentadores de Moisés insistem que os mandamentos são muito cômodos para ele, isso basta para desconfiar. Há Rousseau, no seu discurso contra o inspirado, que rejeita uma verdade revelada (“Porque Deus falou!”) por uma razão fundamentada.

O argumento sobre o ponto de inflexão da Lei é um dos que mais faz pensar. E quando não havia Lei? E quando meu Espírito atravessou exatamente o deserto da mudança? Sob que lei deverei ser julgado? Uma condenação eterna para um ato que não estava submetido a essa nova consciência é de uma injustiça diabólica. Uma flexibilidade diante do impasse é de uma esperteza humana. Onde está a marca do divino na resolução desse problema? Filigrana? Seria para quem está salvo, mas para o condenado, qualquer brecha lhe é companheira. 

A ironia é assim: desestabiliza até o esgotamento. Mas aí pára. Três décadas são necessárias para se construir uma verdade, três segundos para destruí-la. A verdade que Moisés trazia pretendia ter sido forjada no tempo do infinito e pela eternidade durar, conforme a marca Daquele que assinou. Quatro minutos (filhos de quatro séculos de crítica) foram necessários para nos confundir, para nos fazer rir (50.000 gostaram), para enfurecer os que prestam culto ao Torá (5.000 não) há três milênios. 

Mas, e depois? Eis a marca do pós-moderno. Nossa crítica evoluiu de tal forma que saiu do nosso controle. Destruiu nossas espiritualidades mais caras. Não sobrou pedra sobre pedra para que fosse gravada nelas qualquer lei, ainda que com “l” minúsculo. 

Mas, Porta dos Fundos nos dá uma dica do que sobra como valor sagrado: “Quer dizer que você ama mais a Deus do que você ama sua mulher?”. A mente pára, o coração fibrila, a fala treme. Um novo sagrado se anuncia. Não há mais como conceber um amor por algo que não tenha carne. Todavia, não basta a carne para o amor. Se Deus pedisse para matar o seu filho hoje, o que você faria? Mataria Deus! E se nova Lei surgisse dizendo que o seu filho ou a sua mulher são tão amáveis quanto Deus? Que esse amor não deve ser imiscível? Uma Lei que unisse Corpo (o que é falível) e Espírito (o que não é).

Não, já não precisa mais condenação para me convencer. Só me basta convidar. "Vinde a mim..."

domingo, 7 de abril de 2013

Antes o amor que a serenidade

Esta semana, meu Espírito, você passou por uma turbulência com sua amada. Algumas imperfeições dela lhe perturbaram o coração e você ruminou em silêncio até onde pôde. Mas, não! Não se atenha calado quando a discórdia lhe assalta o peito. Mas, nunca, todavia, fale rápido demais quando a sua palavra ainda estiver pontiaguda a ponto de ferir a quem você ama. O meio entre o silêncio e a fala é o caminho que você deveria achar. Contudo, boa coisa já faz quando a ama imensamente. É por causa deste apaixonado amor que a sua serenidade é incompleta, mas que seu sorriso é mais sincero, mais alto. Não se apresse em querer a perfeição para logo, corra antes para amar ainda mais. E não se afaste de sofrer por esse amor, porque essa foi a maior lição que o seu Mestre legou. Fez bem em ter falado com calma e razão na medida em que não se eximia em agir em busca de solucionar as perdas. Dorme tranquilo ao lado dela e do filho que ela guarda, o pior já passou... sempre passará.