Estive palestrando ontem sobre eutanásia, enfoque espírita. Nesta época em que a intimidade é rasgada ao público, em meio à grande ágora sem nenhum pudor, decidi expor a intimidade de minhas duas perdas onde a eutanásia poderia ter sido pensada: vovó e mamãe.
Descrevi cada vivência com as cores fortes do que vivemos, em família. E aí mora meu medo. Terei colorido demais a dor? Agora, olhando para trás, sem coragem de voltar a ver o que falei, mas que ficou gravado, penso que expus o sentimento de perda com muito mais vigor do que o de consolação.
O Espiritismo é o Consolador prometido. Nosso objetivo como orador não é entregar às pessoas ainda mais desespero. Devem elas quase palpar o futuro e quase ter certeza do motivo de suas aflições atuais. Assim, o sentido da vida se ilumina sem se apagar jamais. Cada palestra, cada livro, cada texto realimenta essa chama sagrada. Eis nossa missão.
Mas, dei de falar do que vivi. E a verdade é que aquelas perdas ainda estão cicatrizando em mim. Eu tenho a realidade da partida delas gravada a ferro e fogo nas memórias. Contra o luto, uma teoria da eternidade. Ainda não me entreguei suficientemente ao espiritismo prático para receber do além notícias. Aqui e acolá, o sentido mais aguçado se arrepia com um possível beijo, um abraço. Vem a saudade doce e a vontade de revê-las. Serão elas do meu lado? Sigo vivendo com alegria, sem choro, nem me ater ao passado. As funções sociais vem sendo bem cumpridas. E por esses meses, retorno ao diálogo com meus mentores como há tempos não o fazia.
No final, o que eu queria deixar é que antecipar a partida de uma pessoa tira dela a oportunidade de fechar assuntos inacabados. Esses assuntos sobrevivem com ela na nova vida que lhe acolhe, cujas preocupações deveriam ser outras que não as daqui. Se Jesus bem aconselhou que deixássemos "os mortos enterrar os seus mortos", do lado de lá bem que Ele poderia falar aos mortos, em relação à carne, "deixai os vivos partejar os seus vivos". Essas advertências não são de fechar as portas da mediunidade como nos dizem aqueles que nos repreendem. São apenas lições de sabedoria para aqueles que vivos passam a vida a enterrar seus mortos, e mortos passam a erraticidade querendo dar vida aos seus vivos. Se cada um estiver vivendo o que tem de viver na dimensão que lhe é própria, dialogar entre si é um prazer natural. Isso vale para cada um também em qualquer lugar existencial que esteja. Não há diálogo frutífero entre duas pessoas que estão despossuídas do seu próprio lugar no mundo. Estarão elas com a mente sempre deslocada e ausente, por assim dizer, sem vida. Sem a vida que lhe é própria viver naquele instante. De outro modo, que engrandecedor é o diálogo entre duas pessoas que estão inteiras!
Resolver nossas pendências para vivermos inteiros, morrermos inteiros, ultrapassarmos inteiros o grande portal da morte. Para que as preocupações do inacabado não se transformem em obsessões que nos impeçam de viver o presente, mordiscando o passado. Não é tarefa fácil, mas Deus planeja o tempo de aprendizado de cada um. O tempo de fazer o que temos de fazer, construir, destruir, renovar. Os daqueles meus dois amores aconteceu. O meu, bem, estou por aqui. Em breve, inteiros, nos reencontraremos.