Lemos hoje sobre a presença de Santo Agostinho como Espírito ajudando no nascimento do Espiritismo entre nós, humanidade. Em o Evangelho Segundo o Espiritismo, é o Espírito Erasto que evoca essa lembrança. Veio-me a dúvida sobre a teoria da graça ou da iluminação divina que Santo Agostinho construiu quando encarnado nos idos de quatrocentos depois de Cristo. Seria ela incompatível com o que pregamos? Concluímos que não.
A teoria da iluminação divina é bem simples de entender quando assumimos uma coisa: a corrupção que trazemos em nós como noção antropológica primeira. A observação da natureza humana que nos circunda torna isso bem evidente. Não somos santos. E os santos se destacam tanto mais quanto mais pecadores ao redor, quanto mais eles tem de se esforçar para se superpor às paixões que puxam o homem à selvageria.
Se o fim da salvação é a felicidade ao lado de Deus, algo tão supremo, como nossos atos, todos mesquinhos, por mais grandiosos que sejam, na nanica escala em que ocupamos no universo, como podem valer a salvação que Deus promete? Não valem nada - em comparação. Não quer dizer que não tenhamos que nos esforçar, mas aí está o nó da questão. Nó insolúvel para a modernidade: se Deus tem o poder de conceder a salvação, e apenas Ele, de que adianta o esforço?
Não é uma questão de o que adianta, não é uma questão de entender o propósito de Deus, tentação humana por excelência que nos faz se afastar Dele, já que extrapola o nosso limite essa pretensão, mas suportar conviver com o mistério. Confiar, ter fé, suportar o mistério, eis o que santifica o homem ao lado de amar. Se a equação da salvação fosse matemática, de que adiantaria a fé. Não passaria a vida de uma contabilidade de obras.
Nós espíritas caímos nesse erro quando não entendemos bem a psicologia da alma. Isso faz de Santo Agostinho um senhor muito atual. Queremos exigir de Deus que nos dê o céu porque merecemos. Quando Kardec conclui que fora da caridade não há salvação, essa caridade abarca tanta coisa, que mal cabe na nossa cabeça. Envolve os mais diversos tipos de ajuda material, as mais diversas dedicações para o desenvolvimento moral, mas, coisa esquecida!, a submissão do espírito à vontade de Deus, a tal ponto, virtude suprema!, de temer não ser um dos escolhidos. É aprender a conviver com o mistério.
O que é a teoria da iluminação, então? Não é rejeitar o livre-arbítrio, mas reconhecer que se ele é suficiente para nos fazer cair, nunca o será para nos salvar. Sempre haverá o hálito do Criador, insuflando boas resoluções a nos guiar para o bem. Saber surfar nessa onda é o que Ele espera de nós.
Meu amigo ainda comentou algo: que a reencarnação, coisa desconhecida ou rejeitada nos moldes em que ela era apresentada pelas heresias e pelos bárbaros da época de Agostinho, é a única forma de conciliar a bondade de Deus em querer salvar todos os seus filhos com o seu poder de verdadeiramente salvar no final dos tempos. Deus insufla o bem no coração humano, que hoje é pecador e amanhã será um santo, mais dia, menos dia, neste ou em outro milênio. Com a reencarnação reconciliamos os atributos de Deus, apartados, por exemplo, quando Diderot O acusava de negligente ou incoerente já que podia fazer o bem, queria fazer o bem e não o fazia. A teoria da transmigração evolutiva das almas não mais coloca a questão como um mero ato de Deus, mas devolve aos homens o sentido do esforço histórico. É preciso conquistar patamares de felicidade com ouvidos dóceis para os conselhos de Deus, através de seus mensageiros.