segunda-feira, 30 de junho de 2014

Médico Generalista me pede esclarecimento sobre Obsessão Espiritual



MÉDICO: Olá, Allan. Ontem atendi uma paciente que me deixou encucado.

Idosa, com depressão de longa data, vem à emergência com agitação aguda mal caracterizada por seus familiares. Como ela já estava em acompanhamento psiquiátrico apenas solicitei alguns exames e prescrevi um tranquilizante. Mas, o que me deixou encucado foi o motivo da agitação que a idosa disse, de forma bem clara, detalhada e consciente, entre  uma "crise de agitação" e outra:


Que estava sendo perseguida e possuída por dois espíritos malignos; um era de um velho sujo e o outro era de um louco, que não saía de perto dela.


Sabe me dizer algo sobre a relação entre doenças psiquiátricas e o espiritismo?


ALLAN: Partindo da cosmologia a que me filio, os espíritos dos seres humanos sobrevivem à morte e apresentam uma vida paralela a nossa que mantem contato constante através da comunicação e influência via pensamento, que não está limitada ao corpo físico, mas se irradia pelo espaço.


O indivíduo não muda da água para o vinho. Continua com os mesmos projetos e anseios de antes. Se ele apresentava projetos ligados a assuntos espirituais, mais fácil será de ele se engajar nalgum projeto que envolva a ajuda para as pessoas encarnadas encontrarem o caminho do espírito, da sabedoria, da iluminação - a vitória sobre as angústias da vida. Se foi muito apegado aos afazeres materiais e à mera sobrevivência, terá dificuldade em se engajar em algo que não seja material e, diante da liberdade e invisibilidade relativas, poderá se dedicar a projetos odiosos que podem prejudicar muito os encarnados.


A vingança é um deles.


E a maioria do que chamamos de obsessão* nasce de relacionamentos quebrados que o espírito desencarnado entende merecer vingança.


MÉDICO: Como cuidar disso?


ALLAN: Tem que cuidar dos dois lados. Nos centros mediúnicos espíritas, os espíritos perseguidores devem ser esclarecidos. Nas sessões de terapia, a pessoa perseguida deve ter suas fragilidades psíquicas trabalhadas a fim de que tenha mais segurança em se conduzir sem eles. Por vezes há uma simbiose doentia entre ambas as partes formada por complexos de culpa e inferioridade.


É como se ela não quisesse ficar boa!


Os antidepressivos têm a função de ajudar a pessoa a se abrir para novas perspectivas que a terapia há de conduzir. Os antipsicóticos, de diminuir no cérebro a conexão entre perseguido e perseguidor permitindo àquele mais tempo de sobriedade para elaborar as questões que fortaleçam seu espírito e o permita se libertar dessa simbiose.


Chamo particular atenção à relação simbiótica. Ela é um dos motivos principais pelo qual a pessoa se torna refratária ao tratamento. E Freud não deixa de ter razão ao tentar resolver esses motivos procurando laços afetivos doentios nas relações familiares. Frequentemente a história envolveu mais de um indivíduo presentemente encarnados (temporariamente) naquela família. Daí a importância de muitas vezes resolver conflitos familiares em terapia sistêmica familiar.


MÉDICO: Assumindo que espíritos existam e obsediem (é esse o verbo?) um paciente, como irei diferenciar um simples delírio de influências espirituais não benignas? Gostei bastante da resposta, embora a veja com ressalvas devido ao meu ateísmo.


ALLAN: Veja bem, existe todo um caminho de terapêutica da paciente que independe do tratamento do espírito obsessor. Esse caminho terapêutico é cada vez mais abordado e melhorado pelos psicoterapeutas e psiquiatras. A princípio, deve-se investir nesse caminho para todo mundo, obsediados e portadores de delírios não-obsessivos. O mecanismo da obsessão é, no fundo e grosso modo, o mesmo para qualquer sofrimento psíquico: a culpa, o remorso, a mágoa, a deseperança, a negatividade. Todos esses sentimentos são os que o filósofo Espinoza chamava de paixões tristes, ligados a uma forma não-sábia de ver a vida.

O objetivo da terapêutica é criar estruturas interpretativas na mente do indivíduo que o permita sair das paixões tristes para as alegres. Quando não tem obsessor desencarnado no meio, há os "obsessores encarnados" e, sempre, a própria pessoa como obsessora de si mesma. Ninguém consegue influenciar ninguém se não houver uma imagem muito forte do influenciador em si. Explico melhor: se uma pessoa tem sérios conflitos com sua imagem corporal, esse conflito está dentro dela, cultivado por uma história familiar intensa e complexa, relacionado com um passado reencarnatório denso e emaranhado. Nessa cadeia psíquica, a pessoa quase não passa de um barril de pólvora que o obsessor só precisa acender uma faísca perto.


O problema é quando os processos se tornam tão intensos que tudo se confunde. É o que chamamos de obsessão de fascinação e a de subjugação. É como se o influenciador tivesse uma força de influência para além de qualquer possibilidade de defesa do indivíduo. Aí é quando a terapêutica mediúnica, buscando esclarecer o obsessor e convencê-lo de se afastar da paciente tem função primordial. Sem nunca deixar de lado a terapêutica sobre a própria paciente.


De forma objetiva a resposta é: não precisa se preocupar em diferenciar até que você perceba que o caso é refratário à terapêutica habitual. Na verdade, essa é a situação em que a maior parte dos psiquiatras começam a duvidar da sua teoria maternal e vão a procura de outras abordagens, entre elas, a espírita.


MÉDICO: Bem interessante realmente. Suas respostas são tão boas que geram centenas de dúvidas. Acredito que é uma forma de abordagem bem completa e complexa, embora também bastante cômoda, já que, num primeiro momento, ela se isenta da responsabilidade sobre o paciente e não interfere em conceitos e tratamento já estabelecidos. Mas, assumo minha ignorância. Não sei o bastante sobre a psiquiatria nem sobre espíritos, muito menos suas relações passadas ou vindouras com os viventes.


ALLAN: Muito bom a parte do "bastante cômoda". Você tem razão! Mas, isso tem muito de mim que tive de tentar, nestes anos imersos na faculdade, de conciliar o Espiritismo e a Medicina materialista na minha cabeça, para não explodir meu coração. Talvez se eu fosse um militante mais radical e tivesse uma prática psiquiátrica que desse suporte aos meus estudos, eu seria mais contundente e defenderia uma prática espírita mais presente em todos os âmbitos da saúde mental.


MÉDICO: Nao acredito em espíritos. mas reconheço q a psiquiatria nao explica tudo. Na verdade, nem a metade. Ou pior. Explica o dobro… [ironia sobre o fato de às vezes a psiquiatria inventar teorias demais sem resultados concretos]
Boa noite, Allan. Muito obrigado. Fico feliz mesmo por tuas respostas. Abraço.

ALLAN: Abração!


* Obsessão, em espiritismo, é a relação patológica entre um Espírito ainda animando um corpo material, que denominamos de encarnado, e um Espírito desencarnado. Ela é patológica porque, no comum dos casos, o desencarnado insiste em influenciar negativamente o encarnado através da sugestão persistente de pensamentos e atos prejudiciais à vida moral. Dizemos obsessão simples quando o encarnado ainda mantém seu juízo crítico e entende estar realizando atitudes e tendo pensamentos que não são de sua índole; obsessão de fascinação, quando este juízo crítico se esvai; e subjugação ou possessão quando o domínio sobre o próprio corpo está comprometido.

sábado, 21 de junho de 2014

Não faça com que o outro cometa adultério, se ele ainda te ama

"Eu, porém, vos digo que qualquer que repudiar sua mulher, a não ser por causa de infidelidade, faz que ela cometa adultério, e qualquer que casar com a repudiada comete adultério." (MT 5:32)

As ideias que mais nos encantaram, nesse versículo que remete às tradições de matrimônio entre os judeus, foram (1) a que Jesus diz que o homem deve abandonar seu clã para se unir a esposa e (2) a que ele diz para não dar carta desquite a fim de não fazer com que a esposa cometa adultério. Foram dicas da Irmã Aila. Em uma sociedade patriarcal, é a mulher que tem de abandonar o clã. Mas, Jesus revoluciona a tradição. Enfim, são os dois! E essa história de abandonar o clã, entendemos que poderíamos ir mais fundo na mensagem espiritual: abandonar o clã, os preconceitos, os pré-juízos, tudo aquilo que faz com que não consigamos nos enxergar junto ao nosso parceiro ou parceira como sendo um só (não tão um para não ser só) no matrimônio. Largar toda a gana de nosso querido eu que faz com que não consigamos enxergar as necessidades da existência do outro ao nosso redor. A segunda se remete à expressão "faz com que cometa adultério". Jesus não chama atenção para a Lei em si, mas para a reflexão sobre o sentimento que se pode causar no outro, sobre a ferida que se pode causar no outro. O outro é a Lei! Se a mulher não era infiel, é que ainda mantinha o compromisso matrimonial, o amor, a ligação. Divorciar-se seria cuspir sobre esse sentimento. Jesus chama a atenção para não pisar sobre o sentimento do outro. É um outro nível de reflexão. Menos letra, mais espírito. Ou melhor, mais espírito para a mesma letra.