sábado, 21 de setembro de 2013

A vida é a única coisa que vale




Recentemente, desencarnou um ente muito querido da família de minha esposa. O corpo ainda está quente de tanto que os que a amavam se debruçam sobre ele, de tanto que as lágrimas, quentes, molham seu rosto. Em um desespero, uma filha disse:

- Essa vida não vale nada! Pra que tanta luta? Essa vida não vale nada...

Fiquei calado. Não é momento para sermão. O padre se encarregou disso na missa de corpo presente. Mas, por aqui, solto o verbo.

A vida é a única coisa que vale. Não só a vida quando ela se manifesta como vida, particularmente a vida dos nossos mais amados, mas a Vida inteira, até mesmo daqueles que não tem vida, mas são alguma coisa no universo, nem que seja um chão para se desfilar. 

O corpo é muito valioso. Abriga o Espírito na sua jornada planetária e, ao ser desvencilhado, é recomposto ao resto da terra que borbulha de pequenas vidas subterrâneas, anônimas. 

O que seria de nós se não fosse o Sr. Sol, a Sra. Água? Deveríamos prestar reverência a estas duas entidades todos os dias. As Srtas. Estrelas e os vagabundos cometas. O Sr. Verde e o Sr. Azul. As multicores de tudo. O Sr. Negro Sideral que esconde outras galáxias. O Sr. Negro Abismal que encobre outras tantas, ignoradas todas, vidas. 

Eu sei que a dor é grande. Carreguei meu pai nos braços no momento em que seu coração anunciava o silêncio. Chorei o que pude chorar. O que os olhos haviam estocado por anos. Ainda choro alguns restos daquelas lágrimas que - penso - se renovarão quando voltar a vê-lo vivo. Algumas noites já o encontro. Então, me curvo aos Srs. Sonhos e a Sra. Lua que os trazem no colo. Não me canso de olhar as crianças que desabrocham na vizinhança e ouvir um sussurro me perguntando: será ele, de novo? 

A gente, que acredita na imortalidade da alma, chora porque até Jesus chorou na morte de Lázaro. Mas, o que não podemos deixar de fazer é esperar a vida que surge logo depois, ressurrecta, e um pouco mais a frente, recomposta, e mais lá adiante, reencarnante. 

Esses ciclos que nos circundam de vida e morte nos fazem querer dizer que tudo é morte e, portanto, que de nada vale a vida. Mas, se enxergarmos o ciclo na sua outra face:

- Tudo é vida e, portanto, de nada vale a morte!

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Todos somos filhos e filhas de Deus, entendeu?




Aqui finalizo a crítica sobre a teoria do demônio, mostrando o posicionamento espírita. De tão simples parece ser ridículo. Mas, as melhores respostas são as que precisam de menos artifícios para explicar um fenômeno. Aliás, a melhor das respostas é a que faz mais homens de bem. 

Deus é uno, criou o universo e tudo o que o move, todos que nele habitam. Da sua perfeição infinita, nada de imperfeito pode sair. Da sua bondade, nada de mau. Não existe um ente devotado a perverter os homens. A liberdade é a única que provoca desvios do caminho. Cada Espírito, atingido o grau de poder escolher, é responsável pelo seu próprio desvio. 

Somos influenciados por tudo na vida. Mínimas coisas, não necessariamente pessoas, nos estimulam aos mais diversos atos. Então, devemos parar de culpar A ou B pelo o que acontece conosco. Estamos com as rédeas nas mãos. Quanto mais senhores de nós mesmos, mais donos da nossa condução. Quando provamos o contrário, isto é, que a nossa direção é perigosa, ora Espíritos bons nos tomam as rédeas, ora nos deixam cair. 

Essa história de seres devotados ao mal é uma ilusão... deles! Um dia acordarão das trevas em que chafurdam e seguirão o caminho de todos os sábios: o do encontro com Deus. Mas, a vida cósmica é realmente um grande ecossistema. Uns sobre os outros agem e reagem. Pronto, é isso! Ação vai, ação vem. De tal forma que esse sistema vai entrando em equilíbrios múltiplos e progressivos rumo ao Pai. Quando isso vai se dar, Jesus o sabe! Os elementos que não acompanham a carruagem, são descalonados para outros sistemas em estágios inferiores de equilíbrio. A discrepância entre o que se estava acostumado de bom e a brutalidade, haja vista, rigidez e pouca criatividade da nova condição, é uma dura prova, dói, incomoda. Mas, passa. Tudo passa e prossegue rumo ao Autor de todas as coisas. 

Há quem diga que só podemos ser considerados filhos de Deus quando aceitarmos as Suas condições de existência, o que vale dizer, curvarmo-nos diante das Suas leis, melhor dizendo, dançarmos segundo a Sua condução. Até lá somos meras criaturas. Isso é uma visão mesquinha que só tem sentido olhando do lado de quem se humilha, de quem não entende o lado do Amor. A parábola do filho pródigo é pródiga na descrição do Amor do Pai. Desde quando ele considerou aquele que pediu a própria herança e a esbanjou como filho? Desde sempre! Desde o início! Desde mesmo ele nem ter nascido! Quem já teve um filho sabe o que digo. Eu ainda nem o tenho em meus braços e sinto essa verdade.

Pois bem, preenchendo as reticências que deixei na postagem anterior temos que para os filósofos gregos, particularmente os socráticos, vencer o mal é uma questão de superar uma ilusão através do conhecimento das coisas. Para a ortodoxia cristã, é um escolher a Cristo e rejeitar o resto - essa escolha é colocada a prova a cada segundo, pelo tal Demônio, Satanás, etc. Para o espírita, não deixa de ser a busca do conhecimento, mas sempre em meio ao trabalho, nem deixa de ser a busca do Cristo, mas sem esquecer que os maiores desafios que nos afastam do Mestre não estão fora. Definitivamente, não estão. 

domingo, 15 de setembro de 2013

No início era Deus... e Ele só




Estive ausente da reflexão demonológica por uns tempos, porque outras questões me tomavam o espírito. Relembro que introduzi o assunto esclarecendo, em rápidas linhas, a concepção espírita de céu e inferno. Depois, desvendei de onde parece a teologia cristã herdar a figura de Satanás. Agora, localizo onde está o Condenado na concepção cristã oficial. 

Não está no início de tudo. Pois o início se deu com Deus. Daí, a concepção antropológica de Rousseau, no início de Emílio, ser de uma cristandade sem limites: “Tudo está bem quando sai das mãos do autor das coisas, tudo degenera entre as mãos do homem”. Se ele tivesse dito o motivo da degeneração, fecharia a visão cristã: a liberdade e a influência maligna de quem desafia a ordem de Deus. Lembrem que eu disse que diabolos era tudo aquilo que provocava o afastamento do que é divino. Mas, na teologia cristã, há uma personificação desta força centrífuga: o Satanás, o Demônio, o Sete Peles, o Anjo Decaído...

Ele era um anjo, portanto, como bem percebe Rousseau, um ser bom saído das mãos do Autor das coisas. A liberdade de sentir orgulho o fez despencar da sua altura, manchar a sua alvura. Essa metáfora, digo, este pecado da queda do que, puro, ainda assim quis subir até Deus é conhecida pelos hebreus:

“Como caíste desde o céu, ó estrela da manhã, filha da alva! Como foste cortado por terra, tu que debilitavas as nações! E tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono, e no monte da congregação me assentarei, aos lados do norte. Subirei sobre as alturas das nuvens, e serei semelhante ao Altíssimo. E contudo levado serás ao inferno, ao mais profundo do abismo.” (Isaías 14:12-15)

Dizem outras línguas que a criação de Jesus, também no início dos tempos, como mediador salvífico da humanidade, provocou a inveja neste ser de que vos falo. Como que em um movimento dialético, a criação do mediador da salvação gerou o mediador da perdição. No meio dessa mesa de ping-pong, o homem. O movimento de sua alma corre segundo o fluxo da própria vontade contra ou a favor dos ventos que sopram para os lugares antípodas da salvação. 

Perceba as semelhanças e diferenças com a mitologia grega. Dioniso era um deus lindo, mas devotado ao prazer, a concupsicência. Não foi sua culpa ser assim. Desde sua fecundação, ato de traição, até a sua gestação, perto do sexo plural de seu pai, tudo o impelia ao que ele era. Não houve queda de Dioniso e, mesmo os homens, não cometiam realmente pecado ao estar nas dionisíacas. Eram mais ou menos brinquedos desse deus. Aliás, Dioniso não era devotado a perverter o homem. Ele vivia sua vida libidinosa porque essa era a sua forma de viver. Quem o seguisse que agüentasse os gozos e os desmandos desse deus. Já Lúcifer não foi criado mau, mas caiu! Tudo por causa de uma vontade mau direcionada, uma liberdade pessimamente utilizada. Essa questão da salvação ligada à liberdade traz consigo a genealogia da culpa e do mérito. 

Na cosmologia judaica-cristã, parece haver um certo antropocentrismo. Deus cria o homem... o perde. Gera o meio da salvação... a perdição vem no encalço. Tudo ao redor do homem. Que o destino último seja a reconciliação com o Criador, portanto, um teocentrismo, não impede percebermos que essa história faz gravitar uma constelação de missões sobre-humanas (a de Jesus, a de Satanás) ao redor do mísero ser humano.  Seríamos mesmo tão mais importantes que o resto da criação para merecermos tanta atenção? Ou seríamos apenas mais uma vida de uma Grande Vida?

Algumas dúvidas preenchem o escuro deste espaço, entre as mais adoradas estrelas: (1) Se Deus é acima de todas as coisas e, no início, era apenas Ele, o mal deve ser algo extremamente relativo e, naturalmente, temporário, não? (2) Por que a necessidade de uma intermediação, pro bem ou pro mal? Rousseau, no mesmo Emílio, criticava: “Quantos intermediários entre mim e Deus?!” (3) Tudo partindo de Deus, o Bem supremo, como é possível o mal em qualquer escala na humanidade? Se o mal inexiste, tão pouco existe a missão satânica, e quem a pretende cumprir é um grande iludido. (4) Por que Deus permitiria essa ilusão?

Vencer a ilusão: tema grego. Vencer o arrastamento ao mal: tema cristão. Vencer...: tema espírita. Preencher estas últimas reticências é a que me dedicarei na próxima postagem sobre este assunto.  

domingo, 1 de setembro de 2013

Ressurreição e Reencarnação




Decidi me aproximar deste tema me valendo do significado significativo e significante que a palavra ressurreição tem para o catolicismo (e provavelmente para o movimento de igrejas reformadas, mas tenho mais propriedade naquele). E achei por bem localizá-la na história bíblica de Jesus, mostrando o quanto ela se reveste de um significado todo especial para a doutrina da salvação. 

De forma simplificada, assumindo o risco de ser superficial, mas se afastando da prolixidade, Jesus é, como por assim dizer, um broto de Deus-Pai. Se Este cria tudo no momento em que fala, Jesus é o Verbo e, como o Pai, estava desde o início da criação. Antes, portanto, de Adão. Mas, Adão deu início à raça humana, que se perverteu por desobediência às leis divinas e teceu um novelo de pecados que se acumulavam geração após geração sobre os ombros de seus filhos. Era uma linhagem de maculados essa de Adão e Eva, os expulsos do paraíso.

Jesus nasce espiritualmente fora dessa linhagem, com sua brancura original, mas conectado tradicionalmente (pelo menos segundo a genealogia de Mateus) à família de onde deveria provir o Messias prometido pelos profetas de Israel, que iria libertar o povo do jugo dos dominadores, enfim e para sempre. Espiritualmente continua um estranho, pois imaculada é a concepção de Maria, já que virginal, e fecundada diretamente pelo próprio Deus. Demonstra-se esse fato - o de Jesus ser o unigênito de Deus (só Adão o havia sido antes, mas depois todos os homens descendiam de homens) - os milagres que este moço empreendia, entendidos como quebras da realidade que apenas poderiam ser promovidas pelo Senhor dos senhores. Conclusão óbvia: Jesus era Deus ou partícipe de uma Trindade Unitária em que as diferentes faces de Deus se confundiam. Jesus era o Deus-Filho, com todos os poderes de Deus-Pai, inclusive o de resgatar a humanidade de seus pecados, no caso, com o Seu próprio sacrifício e, pelo Seu sangue derramado, redimir os culpados e gerar uma nova descendência que, por Ele, em Lhe aceitando, tudo estaria renovado. 

A renovação de tudo, isto é, a revivificação dos homens que morrem pela corrupção que lhes é herdada desde Adão pecador é provada pela ressurreição que apenas Jesus viveu. Há quem fale em pessoas importantes na bíblia que não morreram, mas subiram aos céus, ou mesmo Lázaro que foi ressuscitado, mas degringolou na morte normal de qualquer humano. Todavia, ninguém houve que morreu, ressurgiu da morte e se perpetuou vivo - na história hebraica.   

Bem, essa não é a visão espírita. É difícil de encaixar no Espiritismo um Jesus de concepção virginal. Muito embora, Kardec conceba a possibilidade de que Deus possa derrogar suas leis ao seu sabor, torna-se mais clara a ideia de um Deus de Leis perfeitas, portanto, imutáveis. Jesus, portanto, entra na carne pelas vias da encarnação biológica da união dos sexos como todo humano. É possível que ele esteja contido em uma cultura e na linhagem para onde apontavam as profecias, mas o verdadeiro messianato está nas atualizações que ele faz das tradições, possivelmente não para as quebrar de todo, mas para as fazer mais resplandecentes. Os milagres, nada de miraculosos, mas tudo ao seu tempo. Como uma flor que, no tempo certo, desabrocha, ou uma nuvem que, no momento necessário, deixa cair suas águas, as pessoas doentes são conduzidas por Cristo à cura em um caminho que já estava aberto, isto é, já era da Vontade do Pai que daquele jeito fosse, faltava só a sua sábia e amorosa condução. Ao final, nada de ressurreição em carne e Espírito, mas em Espírito e Verdade. E nada de extraordinário, as pessoas "ressurgem" todos os dias, o que é constatado pelas experiências espíritas. 

As rupturas que essas sinalizações espíritas têm com a história do Jesus dos Evangelhos é de uma profundeza abissal, na sua forma e nas suas consequências. Mostra-nos, basicamente, como o espírita deve seguir seu caminho:

  1. Não acreditar que sua história é uma de pecados inamovíveis que o antecede e que não lhes pertence. Jesus não se eximiu de encarnar na humana condição para mostrar como, mesmo sujeito às nossas injunções, poderíamos nos libertar de nossas dores. E, sim!, nossas dores nos pertencem porque fomos nós que as cultivamos em outras eras. Pertence-nos ainda mais sua solução;
  2. Não esperar milagres no sentido de um momento mágico que converta martírio em glória. Tudo se transforma pelo trabalho. E todo trabalho no bem traz boas obras. O momento do término do sofrimento é o momento certo, nem mais, nem menos. Trabalhar, orar e esperar. Bom é guiar-se por Jesus, seus exemplos, suas palavras e suas inspirações, ou as de seus mensageiros, porque, chegado o momento da libertação, frequentemente precisamos de condução no caminho para a luz, já que sua prolongada ausência nos desacostuma os olhos. 
  3. Não acreditar em salvação proveniente de uma pessoa outra que não nós mesmos. Ninguém nos salva de nada. Salvamo-nos a nós mesmos, instruídos e acolhidos aqui e acolá por mestres espirituais. Nem tão pouco acreditar que a tal salvação seja da noite para o dia. As múltiplas reencarnações estão aí para mostrar o quanto o caminho é longo, e necessário é nascermos de novo, e de novo, e de novo, e de novo... até a aquisição autêntica do último aprendizado.

Há quem se esmere em interpretar a bíblia de tal forma que o Jesus dos Evangelhos fique claramente espírita. Não tenho estudo para esse mergulho. Deixo aos hermeneutas espíritas de plantão o aprofundamento no tema. Fico, inicialmente, satisfeito em deformar a interpretação católica, reformando Jesus Cristo e devolvendo um Mestre que, para mim, é mais aceitável. Orgulho de alguém que não quer aceitar a verdade da Escritura? Não, isso é fisiológico. Todos nós mastigamos a realidade com os nossos próprios sucos digestivos e só assimilamos aquilo que podemos, segundo o organismo cognitivo que temos no momento.