Decidi me aproximar deste tema me valendo do significado significativo e significante que a palavra ressurreição tem para o catolicismo (e provavelmente para o movimento de igrejas reformadas, mas tenho mais propriedade naquele). E achei por bem localizá-la na história bíblica de Jesus, mostrando o quanto ela se reveste de um significado todo especial para a doutrina da salvação.
De forma simplificada, assumindo o risco de ser superficial, mas se afastando da prolixidade, Jesus é, como por assim dizer, um broto de Deus-Pai. Se Este cria tudo no momento em que fala, Jesus é o Verbo e, como o Pai, estava desde o início da criação. Antes, portanto, de Adão. Mas, Adão deu início à raça humana, que se perverteu por desobediência às leis divinas e teceu um novelo de pecados que se acumulavam geração após geração sobre os ombros de seus filhos. Era uma linhagem de maculados essa de Adão e Eva, os expulsos do paraíso.
Jesus nasce espiritualmente fora dessa linhagem, com sua brancura original, mas conectado tradicionalmente (pelo menos segundo a genealogia de Mateus) à família de onde deveria provir o Messias prometido pelos profetas de Israel, que iria libertar o povo do jugo dos dominadores, enfim e para sempre. Espiritualmente continua um estranho, pois imaculada é a concepção de Maria, já que virginal, e fecundada diretamente pelo próprio Deus. Demonstra-se esse fato - o de Jesus ser o unigênito de Deus (só Adão o havia sido antes, mas depois todos os homens descendiam de homens) - os milagres que este moço empreendia, entendidos como quebras da realidade que apenas poderiam ser promovidas pelo Senhor dos senhores. Conclusão óbvia: Jesus era Deus ou partícipe de uma Trindade Unitária em que as diferentes faces de Deus se confundiam. Jesus era o Deus-Filho, com todos os poderes de Deus-Pai, inclusive o de resgatar a humanidade de seus pecados, no caso, com o Seu próprio sacrifício e, pelo Seu sangue derramado, redimir os culpados e gerar uma nova descendência que, por Ele, em Lhe aceitando, tudo estaria renovado.
A renovação de tudo, isto é, a revivificação dos homens que morrem pela corrupção que lhes é herdada desde Adão pecador é provada pela ressurreição que apenas Jesus viveu. Há quem fale em pessoas importantes na bíblia que não morreram, mas subiram aos céus, ou mesmo Lázaro que foi ressuscitado, mas degringolou na morte normal de qualquer humano. Todavia, ninguém houve que morreu, ressurgiu da morte e se perpetuou vivo - na história hebraica.
Bem, essa não é a visão espírita. É difícil de encaixar no Espiritismo um Jesus de concepção virginal. Muito embora, Kardec conceba a possibilidade de que Deus possa derrogar suas leis ao seu sabor, torna-se mais clara a ideia de um Deus de Leis perfeitas, portanto, imutáveis. Jesus, portanto, entra na carne pelas vias da encarnação biológica da união dos sexos como todo humano. É possível que ele esteja contido em uma cultura e na linhagem para onde apontavam as profecias, mas o verdadeiro messianato está nas atualizações que ele faz das tradições, possivelmente não para as quebrar de todo, mas para as fazer mais resplandecentes. Os milagres, nada de miraculosos, mas tudo ao seu tempo. Como uma flor que, no tempo certo, desabrocha, ou uma nuvem que, no momento necessário, deixa cair suas águas, as pessoas doentes são conduzidas por Cristo à cura em um caminho que já estava aberto, isto é, já era da Vontade do Pai que daquele jeito fosse, faltava só a sua sábia e amorosa condução. Ao final, nada de ressurreição em carne e Espírito, mas em Espírito e Verdade. E nada de extraordinário, as pessoas "ressurgem" todos os dias, o que é constatado pelas experiências espíritas.
As rupturas que essas sinalizações espíritas têm com a história do Jesus dos Evangelhos é de uma profundeza abissal, na sua forma e nas suas consequências. Mostra-nos, basicamente, como o espírita deve seguir seu caminho:
- Não acreditar que sua história é uma de pecados inamovíveis que o antecede e que não lhes pertence. Jesus não se eximiu de encarnar na humana condição para mostrar como, mesmo sujeito às nossas injunções, poderíamos nos libertar de nossas dores. E, sim!, nossas dores nos pertencem porque fomos nós que as cultivamos em outras eras. Pertence-nos ainda mais sua solução;
- Não esperar milagres no sentido de um momento mágico que converta martírio em glória. Tudo se transforma pelo trabalho. E todo trabalho no bem traz boas obras. O momento do término do sofrimento é o momento certo, nem mais, nem menos. Trabalhar, orar e esperar. Bom é guiar-se por Jesus, seus exemplos, suas palavras e suas inspirações, ou as de seus mensageiros, porque, chegado o momento da libertação, frequentemente precisamos de condução no caminho para a luz, já que sua prolongada ausência nos desacostuma os olhos.
- Não acreditar em salvação proveniente de uma pessoa outra que não nós mesmos. Ninguém nos salva de nada. Salvamo-nos a nós mesmos, instruídos e acolhidos aqui e acolá por mestres espirituais. Nem tão pouco acreditar que a tal salvação seja da noite para o dia. As múltiplas reencarnações estão aí para mostrar o quanto o caminho é longo, e necessário é nascermos de novo, e de novo, e de novo, e de novo... até a aquisição autêntica do último aprendizado.
Há quem se esmere em interpretar a bíblia de tal forma que o Jesus dos Evangelhos fique claramente espírita. Não tenho estudo para esse mergulho. Deixo aos hermeneutas espíritas de plantão o aprofundamento no tema. Fico, inicialmente, satisfeito em deformar a interpretação católica, reformando Jesus Cristo e devolvendo um Mestre que, para mim, é mais aceitável. Orgulho de alguém que não quer aceitar a verdade da Escritura? Não, isso é fisiológico. Todos nós mastigamos a realidade com os nossos próprios sucos digestivos e só assimilamos aquilo que podemos, segundo o organismo cognitivo que temos no momento.