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sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Demolidor e Espiritismo



Demolidor é a face heróica de um advogado nova-iorquino que, querendo fazer cumprir a lei obsessivamente, assume o papel da polícia para além da lei. O advogado, obediente à Deus sobretudo em sua profissão, assume o papel de perseguidor do crime sob a fantasia de um demônio. A história faz questão de por em evidência todo o paradoxo que é assumir estas duas funções: a de Deus e a do Diabo na mesma carne.

Da idade moderna para cá, o papel que Deus exercia de fora, sendo vigilante de nossos atos, fosse para nos premiar ou para nos castigar, foi deixando de ser transcendente, passando a ser democrático e, perto dos dias de hoje, com a tendência de ser íntimo.

Cada uma dessas “formas de Deus” se manifesta perfeitamente em uma política. Quando entendíamos Deus como absolutamente transcendente, nos dominava um rei eleito pela própria natureza que comungava com a divina. Ao termos pendido para a democracia, derrubado a bastilha, destronado o rei, Deus se encarna no povo. Dá-se início a um processo de secularização sem precedentes na história da humanidade. Ao contrário do que muitos advogam, secularizar não é matar Deus, mas interiorizá-lo de tal forma que Ele não precise existir fora de nós, a nos dar ordens como se fosse uma terceira voz. Na democracia que temos, a vigilância se dá por cada vizinho, respaldado pelas instituições que fazem cumprir as leis. Esse processo, pela lógica do movimento, tende a um Deus que habita perfeitamente o interior da cada um, sem necessidade de instituições ou vizinhança para nos disciplinar.

Neste ponto, não se precisaria de constituições, pois a lei estaria impressa no nosso próprio código genético, exteriorizada sem falhas, já que o espírito teria se harmonizado, enfim, com a Lei que rege tudo.

Demolidor é um híbrido dessas fases. Ele tanto necessita de um Deus absolutamente exterior a si que mantém contato permanente com o seu padre confessor, responsável por guiar aquele coração católico nos impasses de sua luta contra o crime. Como advogado, ele é o elemento do povo consciente da lei, o representante da instituição que trabalha para que ela seja seguida. Como Demolidor, ele também é um vigilante das regras, mas fazendo-as cumpridas para além das instituições. Ele se faz uma nova instituição de justiça, uma que parte do próprio indivíduo, elevado a categoria de herói.

Para o Espiritismo, Deus não é um ser distante da criação. Não a criou e se afastou, mas pulsa em seu íntimo, fazendo-a vicejar. Contudo, para os seres humanos, deixou uma ilusão de separação que lhes permitisse um desenvolvimento consciente.

A Lei que emana de Si, quer Ele que ela brote espontaneamente do coração de cada um. Para isso, o que menos importa é o castigo do inferno e as recompensas do céu, mas a construção do seu Reino de Justiça, Amor e Caridade, como ensinado por Jesus, dentro da consciência individual.

A sociedade perfeita – ouso elaborar o conceito dela agora – seria aquela em que cada indivíduo pudesse agir escutando a voz da própria consciência, então, burilada por “n” milhões de anos, esculpida que foi pela dor e pela alegria de cada vida por onde passou. Essa voz amansada pelo esforço próprio de crescer, enfim, coincidiria com a de Deus, aquela mesma que ressoa no âmago de tudo. Na maioria das vezes ignorada porque a ansiedade da vida nos provoca distrações demais para não conseguirmos ouvir nem mesmo a nossa própria voz.

***

P.S.: Ah! esqueci de dizer que esse advogado faz tudo isso sem enxergar um palmo à sua frente, ouvindo apenas os sons de toda essa agitação que é o mundo. Minha metáfora, portanto, com a audição não desliza nesse último parágrafo por acaso. Nem tão pouco a cegueira das coisas do mundo está por acaso estampada em um herói católico que vive a vida em busca de escutar o chamado divino de justiça.

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