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sexta-feira, 29 de setembro de 2017
A insuportável transparência dos outros
Estive pensando sobre a opacidade das pessoas depois de ter vivido uma experiência grupal hoje em que uns choraram aos outros suas dores íntimas. Foi um momento catártico que teve sua razão de existir. Mas, seria universalizável? Seria desejável absoluta e infinitamente?
Acredito que não. A bíblia nos adverte que a visão de Deus cega o homem, talvez mais do que isso, fulmina-o. A mitologia grega não dizia diferente a respeito de um deus menor que Javé como era o caso de Zeus. Menor porque Zeus não representava a onisciência e a onipotência na mesma unidade.
Pensar em Deus se manifestando completamente a nós é pensar em a Onisciência e a Onipotência se revelando de súbito, sem máscaras, sem intermediários. Ver a Onisciência sem máscaras seria o meu saber inteligir a Onisciência. Ver a Onipotência sem máscaras seria a minha vontade se confrontar com a Onipotência. A loucura e a humilhação seriam as conseqüências imediatas no primeiro átimo de contato com qualquer átomo desta experiência.
Não creio que fosse diferente entre os seres humanos. Se tivéssemos a oportunidade de contemplar por um instante cada indivíduo em toda a sua nudez, cada curva e cada cicatriz deveria se me apresentar com a sua história no mesmo tempo. Tudo seria revelado: o que ele foi, o que vem sendo, suas descontinuidades, projetos soltos, tudo isso em sua simples presença.
Nem nós mesmos suportaríamos esta visão no espelho. Deformidade, aberração, protuberâncias e cavidades. Tudo o que deixa o outro substancialmente diferente de mim exposto em um estalo. O mais natural seria ficar cego à tudo. O outro, assim como Deus, carrega um assombroso infinito incógnito. Deus, no perfeito. O outro, na diferença radical.
Quando escutei, então, no círculo de desabafo que experienciei hoje, que o mundo poderia ser bem melhor se nos revelássemos mais no que temos de bom, me perguntei por que não no que temos de ruim. No mesmo caminho, por que não nos despirmos por completo? E veio, por fim, esta reflexão dantesca que ora se apresenta nesta página.
Leibniz tinha razão em sua monadologia. A única forma que temos de chegar ao outro é através de um outro que consiga atravessar a todos, sem se ferir. Apenas o Absoluto e o Fundamento de tudo tem o poder de fazer com que nos comuniquemos em paz. Ele nos protege uns das imagens nuas vizinhas.
O tempo, nossa condição, faz cair as roupas aos poucos, graças à Deus! Dá tempo de segurar a peça que se desmonta a fim de não ferir o próximo. Revelar nem sempre é a boa opção. Esconder é tão sábio quanto. O antídoto de tudo isso se chama tempo oportuno até o dia em que tivermos sentidos robustos o suficiente para mirar a realidade inteira face-a-face.
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