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sábado, 20 de maio de 2017

Sobre neuroses: de onde vêm e como sair delas



Victor Frankl, psiquiatra criador da logoterapia e análise existencial, nos esclarece o seguinte ponto sobre a causa das psicoses: 

Assim como a maré vazante não é causada pelo recife que surge, a psicose também não é causada por um trauma psíquico, um complexo ou um conflito. 1 

E isso é válido desde a infância. É o que o psiquiatra vai denunciar no que concerne a racionalizações secundárias, isto é, uma racionalização forçada. O profissional imputa a causa à um evento que, na verdade, foi apenas um desencadeante, por vezes, nem suficiente nem necessário. 

Por exemplo, quem CAUSOU a psicose de alguém? O noivo que destruiu o relacionamento de anos? Se ele não tivesse destruído a psicose não teria surgido? O desinteresse dos pais pela criança? Se eles fossem interessados como deveria ser, o adolescente não teria desenvolvido a psicose? Em muitos casos a resposta para a associação causal é "não existe essa associação na magnitude de uma causa". Fala-se, então, de fatores de risco ou desencadeantes em uma personalidade pré-mórbida. E quem originou esse terreno mórbido?  

Atônitos os terapeutas buscam respostas. Resvalam frequentemente na imputação causal indevida. Onde estaria a causa primária do sofrimento psíquico nestes casos incertos? Todos querem encontrar o evento zero na história de vida, mas a verdade é que muitas vezes encontra-se perdido na própria constituição da pessoa. Tomando a imagem do barro de que foi feito o homem, alguma parte dele estava podre. Tomando a imagem da maré vazante acima citada, o problema está na fonte do rio, não no recife do meio do caminho. 

A ciência entende que pode ser assim: uma causa constitucional. Uma mutação, um gene defeituoso gerando uma vulnerabilidade: o barro podre. Os eventos traumáticos são estopins. A logoterapia revela uma instância superior às neuroses psicogêncicas, que são as noogênicas, relacionadas ao sentido da vida, a forma como o espírito se enxerga no contexto da existência. Neste caso, todos somos mais ou menos vulneráveis a esse desequilíbrio insuperável: o que sou (segundo o que concebo aqui e agora) e o que deveria ser (segundo certo sentido cósmico que vislumbro no horizonte). Quem consegue enfrentar essa angústia e sair ileso é um iluminado, por favor divulgue as dicas!

Tanto o Espiritismo quanto a concepção bíblica entendem que a causa verdadeiramente primária de nossas doenças da alma estão anteriores a qualquer ato desta vida.  A culpa não é do barro, que é perfeito, nem da forma humana, que é perfeita também, mas são produtos da ação humana no manuseio do próprio barro na busca de se auto-modelar. Quanto mais o homem se molda, tomando por modelo os vasos quebrados (vícios de toda ordem) que encontra ao seu redor, mais se deforma. Para a Bíblia, a origem do mal está na desobediência original, o que vale dizer, na vontade do homem de ter moldado sua vontade segundo os silvos da cobra e não segundo o canto do Criador. Para o Espiritismo, de fato a responsabilidade está em nossos atos que conduzem a formação de nosso corpo por vidas sucessivas, e, no fundo, tudo guarda um parentesco com a desobediência à vontade do Pai, pois quis que fôssemos luz, e várias vezes escolhemos trevas que passaram a nublar vastas extensões do caminho adiante.  

A perspectiva espíritico-bíblica é menos pesada que a genética. Até que consigamos desenvolver uma tecnologia que modifique os genes causadores do mal, devemos nos valer das medicações, das quais vez ou outra escapam os casos graves gerando histórias de sofrimento inenarráveis, contando com o desespero da inutilidade da própria vontade sobre os determinismos orgânicos. Para a Bíblia cristã, a cura está em Jesus, o modelo redimido da humanidade, em cujo seio, entregando-se a ele, pode acontecer a salvação do homem. Para o Espiritismo, a cura está no próprio homem, todavia seguindo religiosamente as orientações do Cristo, modelo perfeito de homem. Mirando-se nEle poderemos enfim nos auto-moldar rumo à saúde espiritual. 

É necessário, todavia, e nisso concordam logoterapia, Bíblia e espiritismo, que o homem se entenda portador da capacidade de se auto-transcender, rejeitando a mentira da fatalidade, alcançando o distanciamento necessário dos seus círculos de neurose em que se vê agrilhoado, a fim de ascender para atos mais livre e sãos que o permitam se reengajar no sentido da vida.  




1. FRANKL, Viktor Emil. Teoria e terapia das neroses: iniciação à logoterapia e à análise existencial. É Realizações. 2016.

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