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domingo, 6 de novembro de 2016

No princípio era o Eros



Certa feita um amigo pediu que eu lhe indicasse um livro que falasse sobre o Amor. Lembrei-me do "Pesquisa sobre o Amor" de José Herculano Pires, que deixou para escrever algo exclusivamente sobre isso ao final da vida, para lhe conferir autoridade. Contudo, penso que não precisamos ir até o final da vida para pensar sobre. Vou começar a fazê-lo a partir de agora. 

Parto do debate grego sobre o assunto e divido didaticamente essa primeira tentativa explicativa em três partes: eros, filia e ágape. Neste, falarei sobre eros

Muito embora Platão tenha feito residir eros no desejo, que é o amor do que falta, vou falar também sobre o gozo, que é o amor do que flui. Daí terei de falar de sexo, e o conteúdo pode ser que fique impróprio para alguns. Se há três coisas que não se consegue olhar diretamente sem se ofuscar é o sol, a morte e o sexo. 

Falo do eros primeiro porque de fato ele é primordial, ao menos em nossa existência. Que tenhamos sido criados pelo ágape de Deus, não exclui que tenhamos nos desenvolvido e nos multiplicado via eros

Vamos começar pelo seu aspecto negativo: o da falta. Sentimos falta da pessoa que desejamos. O sexo nos coloca em um gozo tamanho que a ausência dele traz lembranças e vontades de retorno. É a lógica do prazer. Ela pendula do gozo à falta. A perpetuidade não é da sua natureza. Nenhum gozo é eterno, torna-se tédio. Depois do orgasmo, seja único ou múltiplo, o corpo pede repouso para em breve sentir falta. Esvaziar-se do prazer é a condição para sentir prazer de novo, uma outra vez. 

Eros também está atrelado às formas, ao belo que se esculpe na matéria. Podemos desejar o feio? Sim, quando o Espírito consegue esculpir (por um esforço da razão, por uma sublimação do coração ou por um milagre de confluências) o desejável na forma que parece desprezível. Outro diria que é uma questão de gosto e subjetividade. Deixemos essa polêmica de lado, por hora. 

Na nossa adolescência, sensíveis demais para enxergar qualquer essência, apaixonamo-nos pelas formas dos outros a acariciar nossos sentidos. Considerando forma como oposto à essência, não excluo aqui o cheiro e o jeito de o corpo estar no espaço e nele se mover: o rebolado da mulata, a ginga do malandro, a pose do sedutor, a coluna ereta do fisiculturista.

Muito embora o eros seja movente, o que o deixa um insatisfeito incorrigível, não podemos ignorar a grandeza do gozo. O bom sexo tem a condição de querer presença. Não conheço aquele que consiga um bom sexo pensando no que poderia ter sido ou no que poderá acontecer: frustração de um lado, ansiedade de outro. Eros requer entrega, baixar a guarda, respirar o instante e o parceiro. Desnudo o eu para se misturar no outro. Meu fluido no seu, e o inverso. Fluímo-nos uns nos outros, como que derretidos. 

Falei ao início que eros é primordial, sim, e nos devolve à nossa realidade primeira: de não sermos mais indivíduos, mas tudo. Defesas expostas, naquele recanto, sob quaisquer lençóis ou sem eles, eis a verdade selvagem do que somos. 

Há mesmo uma violência nessa fruição. Pode descambar em agressão. A civilidade pede que não o seja, mas desde que inventamos a intimidade, o controle do que ocorre entre quatro paredes só vira caso de polícia mediante a denúncia, e ainda assim se houver alguém que se reconheça vítima. De todo modo, há uma violência no ato sexual, como o há no encontro do rio com o mar, na perfuração da terra pelo broto, no flagelo que o mar faz nas pedras, no sulco que o corpo d'água escava na terra ao se deitar nela, e a terra embebida de rio, as placas tectônicas gerando maremoto em um beijo. O intercurso sexual sangra, provoca fissuras, e a dor por ele provocada, só não se fala dela, porque o prazer a encobre. 

O desafio que o casamento e a fidelidade impõem ao eros é como manter o desejo aceso, já que sua natureza é ígnea, portanto, instável? Como não perder o prazer e ainda amar duradouramente? É o que filia ajudará a responder. 

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