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quarta-feira, 8 de abril de 2015

O conceito de inércia de três mundos diferentes



O que temos por inércia hoje como axioma da física clássica é um que tiramos do pensamento de Descartes, haja vista, que um corpo deverá modificar seu movimento se e somente um agente externo agindo sobre ele for motivo suficiente para isso. Se estiver em movimento e nada atuar sobre ele, continuará assim. Se parado, idem. 

Quando estamos no ensino fundamental e nos deparamos com isso achamos óbvio e nem entendemos o contexto em que isso foi criado nem, muito menos, as conseqüências político-religiosas de tal fato. 

Olha a tradução disso para a vida cotidiana: O que acontecer na sua vida continuará acontecendo a não ser que algo ou alguém de fora modifique esse estado. Mas, esse alguém de fora pode ser você! Porque você é um espírito, coisa pensante, que atua sobre a própria vida, coisa extensa. Isso dá uma importância fundamental para a força de sua vontade mudar o que parecia fatídico, sua depressão, por exemplo.  

Olha a tradução disso para a vida política: O que está acontecendo no contexto sócio-político ao seu redor continuará do jeito que está a não ser que algo ou alguém de fora modifique esse estado de coisas. Mas, de novo, esse alguém de fora pode ser você! Basta que você eleve sua capacidade de análise para além desse estado de coisas e, como se olhasse de outro ponto de vista, entendesse o que se passa e a necessidade de mudança. E, continuando nesse movimento de estranho no ninho, angariasse forças externas ao sistema em que está enredado para modificá-lo. Do contrário, você, confundido com tudo o que está aqui e agora, não passaria de mais uma das coisas que estão aqui e agora. Isso deu força para o mais diversos movimentos de libertação nacional das amarras monárquicas. 

Esse conceito de inércia, todavia, nem sempre foi assim. A mentalidade do mundo grego clássico, elucidado pelo raciocínio aristotélico, dizia que um corpo tenderia a seguir sua rota independente das outras forças que atuassem sobre ele, porque estava sob a atração de outra força insuperável, a do Grande Motor. Tradução para o cotidiano: tanto mais feliz você será quanto menos resistir a atração natural que o conduz para o seu lugar no cosmos, isto é, busque ser aquilo que você foi destinado para ser sob pena de ter trágicos sofrimentos. Tradução para a política: o melhor governo é o que tem uma forma de ser mais parecida possível com a natureza bruta. Olhem como ela governa seu grande ecossistema! Perfeito. Imite-a.  

Na Idade Medieval, a ideia do Grande Motor foi substituída por Deus, Ele é a grande força que nos atrai, o que nos gera carência e falta, o que nos move para Ele e nos faz felizes quando estamos no caminho certo. Uma diferença capital: a liberdade do ser humano. A atração para Deus não é insuperável. O homem pode vir a rejeitá-la e, assim sendo, conduzir a própria vida para o inferno, que é a distância infinita de Deus. 

Ainda hoje, essas três visões de inércia dialogam no nosso cotidiano sem percebermos. O Espiritismo é uma síntese entre a inércia de Aristóteles e a dos Cristãos. A liberdade do homem para atuar sobre o próprio movimento não vai até as últimas conseqüências de impedir definitivamente a união com Deus. Se houver insistência, um dia ele pára, inibidos todos os órgãos que o faziam resistir contra a atração divina, para que esta exerça sua força sobre um espírito mais dócil. Mas, há (certa) liberdade! Ao homem são dadas muitas oportunidades para que ele siga o caminho certo. E, no contexto político, a democracia tem suas chances de escolha das próprias trajetórias, embora conduzida por luzes que a direciona para a sociedade perfeita. 

Bem, os críticos do determinismo podem odiar essa visão de mundo, mas é assim que o Espiritismo vê as coisas. O melhor governo seria um governado pelos mais sábios e bons, aristocratas intelecto-morais que conseguem divisar as grandes leis universais, conduzindo seu povo para bem segui-las. A diferença da aristocracia intelecto-moral para uma oligarquia capitalista são os métodos de ascensão ao poder: os primeiros sobem pela magnitude do caráter e tem o apoio amoroso das massas, os segundos sobem pela grandeza das riquezas e negociam o próprio apoio.

Eu acho muito legal acreditar em uma inércia que me dá o direito de modificar os movimentos da vida, embora destine o que há de melhor para mim ao final, não permitindo que eu me perca para sempre. Os sartreanos replicariam: "Você acha legal ser criança!".  

- Acho!


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