No início era Deus e Ele dançava pelo espaço. Deu um espirro e tudo se encheu de estrelas. Pela sua saliva, todas as coisa estavam conectadas. Feito criança, começou a esfriar alguma bolotas incandescentes e brincar de argila. Surgiram os planetas. Achou que de pedra seria bom fazer os berços para Seus filhos. Deus, à essa época, era pedreiro. De pedra, então, fez os berços, colocou espíritos. E viu que era ótimo! Lá começariam a aprender a organizar os corpos.
Deu um estalo nos dedos. Um estrondo! E tudo começou a se movimentar. Criou o tempo. Com o tempo, as pedras virariam plantas e aprenderiam a querer luz, depois animais e aprenderiam a querer o movimento, depois homens e aprenderiam a dizer não, depois super-homens e aprenderiam a ser firmes, depois humildes homens e aprenderiam a ser felizes, depois muitas coisas e, enfim, anjos e aprenderiam a amar à Deus acima de todas as coisas, mas depois, deuses e aprenderiam a amar ao próximo como a si. Da pedra ao deus o espírito cresceria, aprendendo uma grande lição por vez a cada mudança que acompanhasse a matéria que o revestia. Deus viu que isso estava maravilhoso! Riu-se gostoso na eternidade e o universo ficou pleno de graça.
***
Em um planetinha perdido, parecido com uma singela Capela, havia uma humanidade. Já tinha passado pelos estágios mais diversos. Estavam super-homens. A maioria queria ser humilde, mas outros resistiam em querer ser super. Deus afaga os soberbos, dá um cheiro nesses pequeninos, suga-os dali e sopra-os para outro planeta, cheio de água, mas conhecido pela sua Terra.
Nessa época já não era obra do Grande Pai o cuidado com os planetinhas, porque já tinha Filhos com F maiúsculo a quem ele entregava os redondos entes. A Terra era obra do Hxdgfgne, espírito enorme, cheio de amor, devotado, olhos azuis por onde jorraram as águas dali, caráter rochoso de onde surgiu as terras daquele lugar. Fizera tudo como Seu Pai fizera. No princípio era o caos e o fogo. Com as argilas derretidas foi moldando os seres, passando por montanhas e cascalhos, algas e baobás, vaga-lumes e mastodontes, até chegar na sua última obra-prima, um templo sagrado chamado corpo humano. Nele passou a habitar espíritos que já o podiam animar, tendo passado pelas lições que outras ordens de existência havia lhes conferido. Foi nesse corpo que também veio habitar os super-homens de Capela.
O pedido de Hxdgfgne era que eles o ajudassem a fazer a Terra crescer. Entenderam que isso significava a explorar, escravizar os antigos habitantes, impor impérios e fazer rituais de sacrifícios externos. Reclamavam de tudo. Do trabalho suado, do parto doído. Culpavam a própria ciência, aquela que os fazia distinguir o bem do mal, como tendo sido a responsável pela expulsão do antigo paraíso. Poucas vezes paravam para olhar a beleza da Terra que passaram a habitar, e a preciosidade do corpo que os revestia. Viviam olhando para o céu, morrendo de saudades do outro lugar.
Como Hxdgfgne já era deus, o tempo para si passava segundo o movimento da respiração do Grande Pai. Assistiu tudo, com carinho, tentando sempre dar oportunidades para as redenções. Sem escolher ninguém, ia colocando e tirando obstáculos, com todo o cuidado para não ferir liberdades. Até o dia que, no comecinho de uma expiração que durou mil anos, o Grande Pai disse:
- Vai!
E Hxdgfgne voa na corrente de ar do paterno Vai! Entra no ventre de uma humilde mulher, esposa de um humilde homem, profundos amantes que eram um do outro, pobres de tudo o que era humano, ricos de tudo o que é mundano, cobertos pela noite das criações, rodeados pelo bafo de todos os seres, fora do alcance dos homens e super-homens, deitados no leito das emoções.
- Estou grávida!
- Deus, que felicidade!
- Se for menina?
- Vai ser menino!
- Por que essa certeza?
- Um anjo me falou.
- Você e seus anjos... - dá-lhe um beijo doce na fronte.
- Chamaremos de Jesus.
- Oi, Jesus! - toca na barriga dela. - É incrível, pequenininho, como já te amo tanto. Sinto que veio para mudar muita coisa. Não se preocupe, papai vai te protejer até que você cresça.
Um chute, ela sente. Uma brisa enrosca o casal.
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