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quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Uma questão de método e de saber onde se quer chegar




Todos os princípios espíritas partem da revelação dos Espíritos quando questionados por Kardec. O professor lionês, para assumir as respostas como sendo pontos de doutrina, criou o seguinte método: o controle universal dos Espíritos. Entendia que se uma mesma resposta, ou semelhante, estava chegando para responder às suas perguntas de diferentes partes do globo, através de médiuns que não tinham a mínima possibilidade de trocar ideias, ela deveria se aproximar da realidade. Mas, ele também não deixava a análise racional de lado. Era criterioso, e se algum ponto questionasse os conhecimentos da ciência de então, mantinha-o em reserva para análises futuras. Dizia ser melhor rejeitar mil verdades que assumir uma mentira.

A reencarnação foi um dos poucos princípios doutrinários que passou pelo seu crivo sem provas materiais cabais, porque a insistência dos Espíritos em confessar sua natureza reencarnante era grande. Todavia, Kardec fazia o exercício de, colocando de lado a massa das comunicações afirmativas, arrazoar o quanto este princípio tinha consistência lógica para explicar os fenômenos da vida. É o que encontramos no capítulo 5, parte 2, “Considerações sobre a pluralidade das existências”:

“Examinemos de outro ponto de vista a matéria e, abstraindo de qualquer intervenção dos Espíritos, deixemo-los de lado, por enquanto. Suponhamos que esta teoria nada tenha que ver com eles; suponhamos mesmo que jamais se haja cogitado de Espíritos. Coloquemo-nos, momentaneamente, num terreno neutro, admitindo o mesmo grau de probabilidade para ambas as hipóteses, isto é, a da pluralidade e a da unicidade das existências corpóreas, e vejamos para que lado a razão e o nosso próprio interesse nos farão pender.”

Coisa semelhante se deu junto aos princípios da pluralidade dos mundos habitados e dos espíritos na natureza. A ciência de então não havia detectado vida além da Terra, mas os Espíritos não só afirmavam como mostravam o quanto essa vida espalhada correspondia a grandeza de Deus.

Ah! Outro ponto importante e sem o qual não conseguimos entender a Doutrina Espírita: Deus existe e é todo bom, todo justo e todo sapiente. Parte-se dessa definição. Ela está inscrita na tradição cristã, a qual Kardec estava filiado. No Ocidente, essa visão de Deus era quase senso comum. Descartes não a negava. Spinoza e Leibniz tentavam, cada um a sua maneira, justificar a magnanimidade de Deus. Voltaire, apesar de toda sua crítica corrosiva contra Igreja, endossava a necessidade de uma nova religião que se coadunasse com essa visão divina. Rousseau explicitava-a na “profissão de fé do Vigário Saboiano”. Mesmo Kant, que demonstrou ser impossível ter acesso ao conceito de Deus pelas vias da razão, admitia que esta ideia era necessária para guiar o progresso da ciência. Sem falar dos homens simples que a tinham tatuado no espírito.

Portanto, quando vemos Kardec colocando como pedra de toque a grandeza de Deus para balizar as verdades que vinham dos Espíritos, não é de se admirar. A ojeriza por esse critério de verdade que se tem hoje em dia nos meios filosófico-científicos é notável. Passamos por um processo de secularização incomensurável. É que não houve doutrina suficientemente potente que tenha acalentado o coração das pessoas enquanto as múltiplas destruições do homem moderno foram se desenrolando. O absurdo da existência, trazido pela crueldade dos homens e a ferocidade dos abalos naturais, falou mais alto que todos os argumentos construídos. Feridas profundas ainda por cicatrizar e permitir que enxerguemos de novo as luzes do otimismo da vida.

Allan Kardec enxergou propósitos grandiosos para a Doutrina dos Espíritos. Profetizou que ela se espalharia rápido e transformaria o mundo em pouco tempo. Mas, as coisas de Deus se processam em percursos cósmicos. A lentidão da História inquieta as almas desesperadas. O Espiritismo veio aportar no Brasil junto a negros, índios e brancos. E vai aos poucos ganhando corpo para exercer a missão que seu codificador um dia sonhara. Unir os povos, quiçá os mundos, em um só ideal de amor...





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