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domingo, 20 de outubro de 2013

O tempo da salvação




Há espíritas amigos meus que, apaixonados pela doutrina, alegam que uma vez espírita, sempre espírita. O espírita de verdade permanecerá assim. Problematizam socraticamente o conceito de verdade. Aquele que conhece o Bem não mais se deixa levar pelo Mal. É uma questão de ignorância e conhecimento, verdadeiro conhecimento. 

Muito embora eu me sinta “para sempre espírita”, tenho de admitir que está tatuado em mim ter nascido neste berço, ter mamado nestas palavras, ter dormido ao som de nosso evangelho, ter trabalhado intensamente na adolescência para as atividades algo recreativas - muito engrandecedoras - do meio espírita que frequentei, frequento, frequentarei. As mais caras amizades, as mais doces experiências, os consolos que mais lavaram a alma estão aqui, ali, acolá, e, por todos os lados, dentro de mim, Espiritismo. 

Não posso julgar quem veio até nós e partiu para outro lugar. Foi o que um dia ouvi de um senhor, à época espírita, que teve sua mulher às portas da morte e não se agradou em nada com a visita de seus correligionários que tentaram lhe consolar falando sobre as belezas do pós-morte. Todavia, ele a queria viva. 

- Mas, tudo é vida! - respondem os espíritas alegres e inscientes das dores que amarravam o peito daquele senhor.
- Viva aqui. Não dentro de mim. Fora, mesmo. Nem lembrança nem vulto. Mas, corpo e presença, para que a possa ter comigo!


Os evangélicos foram mais felizes na abordagem. Aproximaram-se em suas visitas usuais aos pacientes graves de hospital e retomaram o que acreditam ser o exemplo de Jesus que trazia sempre uma salvação para todas as horas. Ela se curou. O senhor se tornou evangélico. 

Como competir com a ressurreição? É simplesmente tudo o que queremos: o nosso ente amado para sempre aqui, não dentro de nós, mas, fora, para que possa ser conosco. Jesus não trazia promessas. Essa função menor era missão dos profetas. O Rabi trazia certezas, portava o “enfim”. 

Mas, poucos são os escolhidos de receber a graça súbita de milagres que restabelecem por completo as forças vitais. Raros os que a alcançam sem uma via crucis. Não conheço um. A grande maioria dos sofridos são seres cronicamente doentes, acorrentados a dores, desesperados não mais por cura, mas por um alívio qualquer. 

Acredito muito no “tempo que é chegado”. Cada coisa tem sua semeadura, ruptura, exposição solar, crescimento, seu desabrochar, frutificar, envelhecer, descascar, enrugar-se, curvar-se ao chão, semear-se para, no terceiro dia, ressurgir, pairar nos ares da vida, cair dos céus no útero da terra-moça, e renascer. Creio que as curas vem em seu tempo. E se um deus decide colocar a mão sobre um doente, o tempo que leva para sua sagrada pele roçar a do moribundo é o da preparação. Nesse intervalo acontece tanta coisa: negação, revolta, barganha, angústia, tristeza, repúdio, esperança, desespero, genuflexão, exaustão, entrega, aceitação. Não vejo porque a desejada cura deva ser a do corpo perecível que hoje é e amanhã (sempre há um amanhã) não será. 

Quando um deus nos toca é feito um raio. Há quem saia vivo, e manchas lindas sinalizam sua passagem pela pele. Há quem não suporta e morre. A essa morte chamo libertação. 

Talvez a lição que os espíritas deveriam ter praticado com aquele senhor é a de não ter uma resposta pronta, mas a de captar a resposta histórica contida em cada dor. Não para que pudéssemos continuar com um adepto, mas para que não tivéssemos perdido a consolação mais certa. Graças a Deus que os evangélicos chegaram a tempo!

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