No Espiritismo, a liberdade humana é relativa. O absoluto é Deus. Nada diferente de qualquer outra doutrina cristã. Sendo o homem criação de Deus, há um propósito para cada criatura. Qual o propósito do homem? Pra que ele serve? É o que determinam as leis divinas, como um manual de instruções.
Quais leis nos governam? Moisés apresentou algumas no decálogo de pedra. Jesus exemplificou tantas na sua passagem pela Terra. Os apóstolos tentaram escrever alguma coisa nos Evangelhos. Kardec colocou dez em O Livro dos Espíritos. Cito apenas estes porque coincidem na mesma interpretação do que é o homem, somos filhos de Deus submetidos às suas leis, e na mesma forma de encontrar as leis, haja vista, pela Revelação.
Deus, pretende a Bíblia, revela à Moisés. Jesus, aos apóstolos. Os Espíritos, à Kardec.
Os filósofos do modernismo abominavam essa questão da sabedoria revelada. Com razão! Qualquer pensamento que fugisse da linha era cortado pelo argumento de autoridade, isto é, pelo que estava escrito na Revelação. Rousseau nos ilustra esse conflito em Emílio com o diálogo do Raciocinador contra o Inspirado:
O INSPIRADO: O entendimento que vos concedeu! Homem mesquinho e vão! Como se fôsseis o primeiro ímpio que se perde na razão corrompida pelo pecado! O RACIOCINADOR: Homem de Deus, também não sois vós o primeiro velhaco que apresenta a arrogância como prova de sua missão! O INSPIRADO: O quê? Os filósofos também injuriam? O RACIOCINADOR: Às vezes, quando os santos lhes dão o exemplo. O INSPIRADO: Oh! tenho o direito de falar assim; falo da parte de Deus. O RACIOCINADOR: Por que não me mostrais o título, antes de usardes do privilégio.
Kardec não deixa de abordar esse assunto. Primeiro, na forma como escreveu O Livro dos Espíritos: perguntas, respostas e comentários. Alguém, algum dia, teve a ideia de travar um diálogo racional com as Revelações? Não só questionar, mas debater, esquadrinhar. Se teve, manteve em segredo - ciência oculta. O professor Rivail democratizou a pesquisa. Depois, em O Evangelho Segundo o Espiritismo, propondo um método que livrasse, ao máximo, as revelações de um viés de seleção de castas de Espíritos, na busca de um discurso que fosse comum a várias comunicações de diferentes sessões mediúnicas, de diferentes países, ao que ele chamou de Controle Universal dos Espíritos. Alguém, algum dia, teve a ideia de engendrar um método de pesquisa para entrevistar Espíritos, se preocupando com vieses de seleção? Se teve, Kardec foi o primeiro. Por fim, em A Gênese, quando ele tece longos comentários sobre as particularidades da revelação espírita, argumentando que revelações de Espíritos, na verdade, temos a todo instante na história da humanidade. Não é preciso ter um médium para um Espírito revelar algo. Há gênios do lado de lá e do lado de cá, desencarnados e encarnados. Ambos revelam algo aos comuns dos mortais. A nova atitude que o homem espírita deveria tomar, bem no espírito da revolução Iluminista, era submeter as revelações à crítica da razão, pois há gênios bons, bem como os há bobos.
Não bastava simplesmente uma entrega de fé e emoção para escolher qual profeta ou qual tribo seguir. Em um mundo que se globalizava e começava a fazer correr a informação na velocidade de um telégrafo, era importante o discernimento racional para separar joio e trigo.
Isso é toda uma revolução na forma de se comunicar com o Além que ninguém percebe. Se perceber, torna-se simpatizante do Espiritismo.
Algumas perguntas são muito pertinentes depois de tudo que falei. Revelo-as para evidenciar que tenho consciência das lacunas que merecem ser enfrentadas em outros momentos: 1. Como pensar qualquer coisa sobre Deus, o absoluto, dentro de uma perspectiva humana, relativa por natureza? Dessa forma, como afirmar qualquer coisa sobre Deus? Não seria ultrapassar uma linha que nos é interdita pela nossa limitação? 2. Idem para as Suas leis. 3. Leis que emanam de um Ser Absoluto para determinar o que devem fazer os homens?! Não seria o Espiritismo mais uma doutrina filha do Antigo Regime, alheia ao ambiente democrático, reacionária, portanto? 4. Para ser revolucionária, a atitude de Kardec perante os Espíritos, seria preciso antes saber se Há Espíritos.
Cada uma dessas questões, qualquer dia desses, tentarei esmiuçar. As duas primeiras com mais dificuldade que a última, já que esta os amigos já podem encontrar resposta logo ao abrir O Livro dos Médiuns. Vale dizer que com o “não” a essa pergunta, todo o resto do Espiritismo é vão, e assim, digo sem medo, pode esquecer tudo o que falamos. Mas se o “sim” teimar em aparecer, os comentários prosseguem por aqui, com muito gosto!
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