quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Eficácia da prece



Referente a palestra dado ao dia 06 de dezembro de 2017 à Sociedade Espírita Irmãos do Caminho

É um tema difícil de ser trabalhado para mim, haja vista os grandes místicos que venho tendo acesso dizerem que é a atitude mais importante que um ser humano pode realizar a cada dia, e menos procurada, e a menos conquistada. Todavia, há algumas questões cotidianas que precisam de um pouco de esclarecimento. 

Quando uma mãe cristã pede a Deus que não deixe a chuva cair sobre a festa de sua filha, tão amorosamente preparada, essa prece é legítima ou seria uma mera expressão de um egoísmo impróprio para ser dirigido a Deus? 

Diante de Deus, me parece claro, para a concepção cristã, que importa menos a falta de horizonte com que essa mãe encara um fenômeno meteorológico de proporções regionais do que a atitude de conversa com o Pai pensando no amor pela filha. 

Os filósofos spinozistas diriam que Deus não privilegia ninguém. O que tem de acontecer acontece pela necessidade do Todo, e não para satisfazer tal ou tal ação. 

A chuva não cair sobre a festa seria apenas um fato, não uma concessão para uma prece eficaz. 

Se pensássemos assim para as doenças - que elas são necessidade - como explicar as curas milagrosas que Jesus operou nos indivíduos quando passou pela história humana? 

Muito embora nós espíritas tenhamos elaborado uma resposta que casa com a necessidade do momento de libertação daquela alma que recebeu a cura, não deixa de parecer evidente aos olhos do povo que Jesus era um deus (ou o Deus) saneando a matéria dos corpos corrompidos pelo pecado. 

A cura que Jesus provocava era uma já necessária consequência da história daquela alma ou uma graça do Mestre? Para entender os diversos ramos em que se dividiram os discípulos no tempo futuro, é preciso enxergar a profunda discrepância destes dois olhares. 

Se a cura já fizesse parte de um processo necessário, seria um fato,  não uma concessão para uma prece eficaz.

Poderíamos tentar enxergar da seguinte forma, conciliando as visões:

1. De fato temos processos que se desenrolam na natureza material e humana que são apenas consequências de um movimento cujo motivo fundamental, muitas vezes, é invisível para nossa consciência. Exemplo: a chuva, o saneamento de uma doença aguda simples. 

2. Deus, ou seu mais dileto representante, tem o poder de agilizar o processo sem interferir na harmonia do Todo. Exemplo: fazer parar a chuva, provocar uma cura. 

3. Essas atitudes que aparentemente perturbam a ordem cósmica, em verdade, provocam movimentos que reorganizam o Todo em uma conformação mais propícia para a salvação de muitos. Toda intervenção divina, embora dirigida para um filho em particular, parece ter um efeito ecológico. É como quando uma cura provoca a calma de uma família, a volta ou o reforço da fé de outros tantos, a motivação evangélica de mais alguns. 

A prece é eficaz? Sim ou não?!

Para responder de forma peremptória essa pergunta tem que se olhar não para as curas de Jesus, mas para o seu sofrimento final. 

Jesus, que parecia a encarnação da resposta de Deus frente aos clamores de Israel, não consegue livrar a si mesmo do sofrimento. Içado ao madeiro em cruz, começa a cantar baixinho o salmo dos antigos: "Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?" - e desfalece.

Isto era uma prece. Não era um pedido de benesses materiais, não era um agradecimento pela concessão de qualquer benesse, nem mesmo uma adoração. Era a constatação de uma solidão, de um vazio, de uma ausência de Deus ao seu lado. Esta canção que começa nestes termos - Jesus não a cantou por inteiro - ela se aprofunda na descrição das desgraças que o cercam, mas sobe de tom profetizando que o sofrimento do justo se converterá na salvação de muitos. O salmo previa o movimento de salvação das almas mediante a ressurreição do justo ferido.

E apesar disso, Jesus morre, não sem antes perdoar os carrascos. Para, então, ressuscitar ao terceiro dia. 

Que significado tem estas imagens? Que a verdadeira prece não espera a modificação do entorno, mas a ressurreição da própria alma para que o entorno pungente não mais nos alcance. 

Se a chuva cai e a festa ensopa, dancemos na chuva. Se a doença chega aos ossos, e o coração feito cera derrete-se pelas entranhas, exultemos, o Espírito se libertará dançando em chuvas de bênçãos, acolhidos por um Pai no infinito. 

Tentar modificar a natureza ao nosso redor na busca de um paraíso terrestre é uma tarefa bem mais fácil do que provocar a santificação da vida em nós. 

A que resultado gostaríamos que a eficácia da prece fosse dirigida?

Eis o áudio da palestra:


 




 

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