segunda-feira, 6 de abril de 2015

Para meu amigo ateu: A gratidão




Fui interpelado hoje para atender a uma conhecida de uma amiga. Ao final, ela me agradeceu. Eu disse que estava fazendo a obrigação que o livro me preconizava: a garota apresentava uma dor de cabeça com sinais de alarme. Ela disse que entendia, mas que mesmo assim agradecia. Fiquei sem jeito e feliz. 

Gratidão não é um sentimento que precisa de um favor para acontecer, basta uma troca. Nem precisa que seja entre pessoas. Podemos agradecer ao Sol depois de um longo período de chuvas. Às chuvas depois de um longo período de sol. E isso não é adoração à um deus. É adoração. 

Não digo que aquela amiga me adorou. Bem, não nesse sentido religioso. Adorou o que fiz por ela. Minha abertura. E a vontade de extravasar a leveza que sentiu quando me propus a assumir aquele peso de preocupação que carregava gerou gratidão, graça, o contrário de gravidade. 

É uma paixão alegre. Diz mais a respeito de quem agradece do que de quem é alvo dessa gratidão. Mostra um coração aberto para fora que permite ser tocado por o que vem de lá. Amor: uma alegria que tem sua causa em um ato exterior que lhe acompanha.

- Obrigado por você existir!

Que responsabilidade temos pela nossa existência? Nenhuma. E essa frase não deixa de ser uma das mais tocantes que conheço. 

Meu amigo, o ato de agradecer é um triunfo do "sim, para a vida!", no que ela tem de enriquecedora da nossa potência de existir.  Saltar de cima de uma tábua no meio de uma lagoa, os três irmãos juntos sendo cristalizados numa foto que lhes deixa voando para sempre! 

Sei que já compartilhei com você este poema, mas aqui cabe a sua volta gratamente:

Passagem da noite


É noite. Sinto que é noite
não porque a sombra descesse
(bem me importa a face negra)
mas porque dentro de mim,
no fundo de mim, o grito
se calou, fez-se desânimo.
Sinto que nós somos noite,
que palpitamos no escuro
e em noite nos dissolvemos.
Sinto que é noite no vento,
noite nas águas, na pedra.
E que adianta uma lâmpada?
E que adianta uma voz?
É noite no meu amigo.
É noite no submarino.
É noite na roça grande.
É noite, não é morte, é noite
de sono espesso e sem praia.
Não é dor, nem paz, é noite,
é perfeitamente a noite.

Mas salve, olhar de alegria!
E salve, dia que surge!
Os corpos saltam do sono,
o mundo se recompõe.
Que gozo na bicicleta!
Existir: seja como for.
A fraterna entrega do pão.
Amar: mesmo nas canções.
De novo andar: as distâncias,
as cores, posse das ruas.
Tudo que à noite perdemos
se nos confia outra vez.
Obrigado, coisas fiéis!
Saber que ainda há florestas,
sinos, palavras; que a terra
prossegue seu giro, e o tempo
não murchou; não nos diluímos.
Chupar o gosto do dia!
Clara manhã, obrigado,
o essencial é viver!



(Boa noite! Dorme em paz que amanhã... salve!)

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