sexta-feira, 13 de março de 2015

Por uma ciência mais complexa

Aqui temos a imagem de uma jovem E de uma velha. Não é porque se vê a jovem que a velha não existe. Importa agregar olhares mais do que os colocar em conflito.



Postagem passada critiquei o chamado pensamento científico que é espalhado como senso comum pelas pessoas mais notáveis, por exemplo, um aluno meu de medicina com quem tive calorosa e instigante conversa.

Nessa postagem aqui, respondo à provocação de um dos leitores deste blog que entendeu que eu estava querendo destruir o pensamento científico a fim de provar sofismaticamente que a doutrina espírita, não científica, era verdade. Como se, destruir a ciência, que é, por natureza, aniquiladora de superstições, fosse um ardil para que a minha superstição espírita pudesse crescer em paz. O opositor ironiza: "Eu devo entender que se eu não posso provar que existe: então existe."

Não. Não era aí onde eu queria chegar. Mas, que a ciência é insuficiente para captar a realidade em sua totalidade e, por isso, devemos nos munir de muitos métodos para entender o que está ao redor de nós.

Quando a ciência se arvora como a detentora do poder de considerar existente determinada coisa, a tal ponto de dizer provar que esse ou aquele fato não existe, ela entra em um terreno muito movediço e - a história dá exemplos cruéis disso - por vezes se entrega como discurso político para extinguir determinadas culturas e formas de existir de pessoas. Daí a necessidade imperiosa que surgiu nos últimos séculos de relativizar o pensamento científico ou, pelo menos, encontrar o seu lugar de atuação.

É do pensamento científico afirmar categoricamente que Deus inexiste? Não. Sobre Deus, a questão é quase ponto pacífico. A ciência nada pode dizer nem contra nem a favor. A ideia de Deus escapa dos métodos científicos. A ideia dos Espíritos, por outro lado, nós espíritas defendemos que a ciência, ao contrário do que diz o discurso oficial, não só pode provar como provou a existência deles. As experiências de Kardec, León Denis, William Crookes, Gabriel Dellane, Albert de Rochas, Cesare Lombroso, Ernesto Bozzano, Joseph Banks Rhine (fenômenos teta), para citar os mais clássicos, fazem a festa nesse sentido.

Importa saber, lembrando a teoria de Thomas Khun sobre os saltos paradigmáticos, que a ciência não vive apenas de encontrar a verdade, mas de defender um tipo de verdade que obedece a fortes disposições sócio-históricas, até que as mesmas caduquem. Não somos sempre isentos de emoção quando fazemos ciência. Muitas vezes defendemos apaixonadamente a teoria a qual nos filiamos para deixar os fenômenos claros em um tecido explicativo, o que impede, por muito tempo, de ver os furos da teoria. Há também as thematas, que são crenças que servem como panos de fundos para as grandes cabeças pensantes direcionarem as próprias suspeitas. Por exemplo, esclare Edgar Morin: "Max Born diz que Einstein acreditava no poder da razão de captar, por intuição, as leis pelas quais Deus criou o mundo, isto quer dizer que, na mente de Einstein, Deus não é totalmente metafórico." E essa themata tem uma característica "obsessiva, pulsional que estimula a curiosidade e a investigação do pesquisador."

Isso é ruim? Coisas não-científicas estarem no bojo da criação científica? Isso é a realidade! Ainda Morin:

"A ciência é impura. A vontade de encontrar uma demarcação nítida e clara da ciência pura, de fazer uma decantação, digamos, do científico e do não-científico, é uma idéia errônea e diria também uma idéia maníaca. (...) O notável é que a ciência não só contém postulados e themata não-científicos, mas que estes são necessários para a constituição do próprio saber científico, isto é, que é preciso a não-cientificidade para produzir a cientificidade, do mesmo modo que, sem cessar, produzimos vida com a não-vida." (in Ciência com Consciência)

No Espiritismo, por exemplo, Kardec começou sem nem acreditar em Espíritos, como mostram textos de sua juventude e diálogos entre amigos revelados postumamente. Mas, as evidências saltaram aos olhos com as brincadeiras das mesas girantes. Depois, associou o Espiritismo à filosofia moral, conseqüência da sua visão de mundo forjada na escola de Pestalozzi, e ainda ao Cristianismo purificado de dogmas, fruto de uma vontade que buscava acabar com os conflitos protestantes. Direcionou-o para uma vivência íntima das máximas morais, traços de um mundo laico nascente. Kardec ainda utilizava como sinal de que estava indo no caminho certo o fato de povos tradicionais terem crenças muito semelhantes com o que o Espiritismo estava sugerindo em suas revelações. Por causa disso foi chamado de faquirismo ocidental ou denunciado como querendo resgatar superstições. Todavia, ele simplesmente entendia que, se uma verdade estava presente em tantos povos por muitas épocas não haveria de ser uma lenda vazia, mas possuir uma réstia de verdade importante de ser investigada.


Em uma época que o homem tentava ser como "mestre e senhor" do objeto cognoscível, submetendo-o aos instrumentos de observação, Kardec dialoga com o objeto de estudo de igual para igual, pedindo mesmo a opinião dos sujeitos estudados sobre as conclusões por ele alcançadas. Os diálogos com os Espíritos poderiam ser considerados como um precursor das Ciências Humanas e seu método investigativo. Muito intrigante o título da clássica obra do Sr. Dilthey: "Introdução às ciências do espírito". Alguns traduzem: "Introduçãos às ciências humanas". Falo menos do objeto do que do método: as dicas para se investigar o espírito humano.

Percebe? Então, o Espiritismo tira suas conclusões não apenas baseado nas observações empíricas, mas no contexto sócio-histórico da época, na força da filosofia moral cristã, em um certo estudo de culturas comparadas, nos resultados pedagógicos das experiências de Pestalozzi, no debate entre diferentes centros espíritas dinamizado por periódicos de circulação mensal, etc.

Por fim, veja o Amor! Que ciência há de provar a sua existência e seus efeitos? A nossa medicina biologiciza o sentimento até reduzi-lo a pó de hormônios. A concepção de Amor que temos na Doutrina Espírita foi tirada das atitudes e palavras da vida de Jesus, que aliás é a base do nosso sistema de pensamento ocidental, quer queiramos ou não. E que bom é Amar! 

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