segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Orar em línguas e sem elas



Certo dia uma moça da juventude espírita de que eu participava havia falado que conversava com Deus como se ele fosse um amigo, uma pessoa ao lado. Um amigo meu evangélico havia me dito que não sabia como eu conseguia conversar com Deus deitado na cama. Ele se sentia chumbado ao chão toda vez que orava, tamanha era a majestade de que sentia a presença. Eu havia achado simpática a forma de orar daquela moça. Mas, me tocava a prosternação do evangélico. 

Os espíritas tem por hábito fazer preces de improviso, para que o coração se exponha. Todavia, alguns desenvolvem uma técnica da eloqüência que acaba por parecer uma palestra a prece que fazem conduzindo o pensamento do público. E certas eloqüências parecem esconder mais ainda o coração. 

Criado no meio espírita, estranhei demais a forma como certo grupo evangélico orava. Entregavam-se a pensamentos e palavras de louvor, agradecimento e súplica de forma individual, sem conexão aparente com o coletivo, pensamentos dissincrônicos, emoções diversas. Uns mais introspectivos, outros mais comovidos. Alguns ajoelhados, outros quase deitados. Com o tempo fui percebendo a beleza daquele ritual. Nós espíritas pensávamos estar em pensamentos uníssonos porque havia algum condutor a nos guiar nas imagens que suas palavras suscitavam, porque as palavras guiavam - nos importamos demais com elas. Aqueles outros cristãos entendiam que o uníssono era estar completamente entregue a Deus, cada um da sua forma, mas completamente entregue. 

Outra vez me deparei com as pessoas que oravam em línguas. Uma amiga querida já havia sentido esse poder que "te toma o corpo e te arrebata". As línguas humanas são fracas para deixar passar o sentimento, daí se enrolarem tanto ao tentar. Cheguei a criticar esse jeito por ser algo que não se pode fazer compartilhar, mérito que seria de um discurso coerente, em línguas que os interlocutores pudessem decodificar facilmente. "As emoções são compartilhadas". De fato, vi mais pessoas chorando em círculos de oração em línguas do que em nossas cotidianas preces espíritas. 

Diante de tantas formas de orar, fui questionando a minha. Hoje venho buscando falar menos, sentir mais, respirar fundo, baixar a guarda, abrir os poros, deixar passar mais por mim, inocente, tudo o que me circunda, o céu incluso, o sol também, os demais astros, e os menores sons. Contudo, de vez em quando escapa a palavra que mais me acalma e parece ser a única que precisaria ser dita: Pai (nada impede que para você seja Mãe, mas Pai para mim é mais forte). 

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