sábado, 10 de maio de 2014

Noé, o filme, e os eternos conflitos do dilúvio em nós - Parte III



Perdoem-me se não consigo terminar a análise deste filme apenas nas didáticas três partes. Há coisa demais para se dizer, e não quero lhes cansar em uma só postagem. Abordarei hoje sobre estes dois pontos: a obediência como signo de perfeição e os anjos decaídos que não são satânicos.


A obediência como signo de perfeição. Se começarmos percebendo que os animais e as plantas são mais obedientes que os homens, ou pior (melhor?), são completamente obedientes aos desígnios de Deus, o que os torna perfeitos no sentido grego, isto é, completos, acabados, estaremos automaticamente nos remetendo ao mito de Prometeu sobre a criação dos seres. Epimeteu, o titã certinho, fez com que os seres vivos não-humanos tivessem atributos que os deixassem em equilíbrio perfeito com o cosmos. Prometeu, o irmão espertinho de Epimeteu, vendo que o seres humanos foram os pobrezinhos que ficaram sem atributos, a bem dizer, nus, decidiu ir lá em cima do monte dos deuses e roubar o fogo da criação para dar de presente aos coitadinhos pelados. O que aconteceu? Os homens ficaram com poder em excesso, e como não tinham atributos pré-definidos por nenhuma divindade, começaram a ultrapassar todos os limites. Qual o signo de perfeição de um ser? A obediência aos limites do cosmo em que você se enquadra. Troque o cosmo, novamente, pela palavra Deus e você terá a visão hebraica, só que um pouco mais paternal, já que Deus é um paizão que quer, na verdade, ensinar aos filhos a ser assim.


Os anjos decaídos que não são satânicos. Dizem que o Satanás era um dos mais belos anjos que vivia ao lado de Deus, mas quis ser mais que o Criador. Este, então, lhe amputou a beleza e o expulsou para o quinto dos infernos. Aí, aquele fez seu quartel general e passou a ter um só propósito na vida: impedir que os homens alcançassem a graça de viver em harmonia com o Criador. Como fazer isso? Seduzindo-lhes à desobediência.


Todavia, o filme mostra um conjunto de anjos que caíram por outro motivo: quiseram ajudar os homens que estavam se desvrituando. Também desobedeceram a Deus - nada escapa dessa temática - mesmo que por uma causa nobre, aos olhos de nós humanos. O interessante é que essa história, aparentemente inventada pelo filme, não flutua no nada das mitologias. Vemos que ela é um eco das história gregas, talvez de outras mais com as quais não tenho tanta intimidade.


Lembram-se que eu havia falado de uma geracão de homens de ouro, harmonizados no princípio de tudo com a natureza cirunjacente? Pois estes homens, nos narram as lendas, depois de terem morrido da forma mais serena que se possa imaginar, se tornaram Espíritos tutelares dos homens de bronze, tentando os reconduzir para o caminho da sabedoria. Eram os famosos daimons, que deram origem à palavra demônios em latim. Entre os gregos, esse vocábulo não tinha conotação negativa a priori, mas depois nossa cristandade medieval quis entender que sim. Ficou na nossa mente que seres incorpóreos que vagam entre os homens só podem ser almas penadas pedindo reza ou servos de Satanás espalhando o mal.


A princípio, pode-se ter pena dos simpáticos anjos decaídos que ficaram enclausurados em corpos de pedras, eles que eram luzes livres voando em torno da terra, ao lado do Criador. Contudo, perceba que há uma reconciliação ao final. Da linhagem de Set, o que não desobedeceu o pai, sai um predestinado para salvar a humanidade, que se manteve em linha reta até o fim, com quem os anjos se uniram ao enxergar nele a marca original de Deus, sendo ele, através daquela conduta nobre de equilíbrio com a natureza, o caminho da libertação, ou o que trilha o caminho certo.


É como se o Criador ficasse agindo constantemente sobre a criação que se desvirtua, em seu comportamento indócil, sulcando caminhos que a devolva para os rumos certos. É a perfeita imagem de um agricultor que cuida da sua plantação. Lembre-se que estamos falando da visão de mundo, e, portanto, de Deus, de um povo agropastoril. O Pai lhes deu liberdade para escolher entre o certo e o errado. Eles escolhem frequentemente o errado. Deus age constantemente para fazê-los retornar ao certo.


Eis a grande diferença da relação entre as divindades gregas e o Deus hebraico. Aquelas estão pouco se importando se os homens chegam ou não à sabedoria. Se um ou outro alcança, bom para ele, terá a recompensa automática da serenidade, às vezes concedida por Zeus, como no caso de Ulisses e Penélope. O resto merecerá o reino das sombras pelo próprio curso natural de sua burrice. O Deus hebraico gerou seus filhos para que TODOS fossem sábios. Age constantemente entre eles para este fim. Se conseguem, há imensa festa no céu. Se não… parece que vão sofrer muito no inferno. Visão esta que não é compartilhada totalmente pelo Espiritismo.

É triste que se encontre essa desistência de Deus nessa mitologia que tinha tudo para ser uma das mais belas. Esse Deus que provoca dilúvios e se cansa de seus filhos maus que Ele mesmo gerou... tem alguma coisa que não bate aí! É essa incongruência que o Espiritismo vai sanar com a teoria da reencarnação. Mas isso, são águas que ainda estão para rolar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário