domingo, 14 de abril de 2013

O outro lado do convite ou O máximo do ato desinteressado



Na postagem passada, terminei falando sobre o convite feito por Jesus para que amássemos o nosso próximo como se ama a Deus. E brinquei com esse chamado, pois não precisaria ter sido dito. 

Contudo, e quem estuda a Bíblia deve ter me contrargumentado na mesma hora, o amor ao próximo de Jesus era menos leve do que aparenta pela primeira vista, porque o próximo, em verdade, não está tão ao nosso lado assim. É a parte do convite que ninguém lê, porque dói. 


O ápice do amor cristão é o ágape. A forma mais prática, e praticamente inconcebível, de se amar de forma ágape é o amar o inimigo. Porque amar quem o seu corpo deseja (eros) ou amar a quem lhe faz feliz espontaneamente (filia) é quase como se amar. Para amar o inimigo tem que se esvaziar (do ódio), tem que se limpar (de tanto rancor), tem que se livrar (do desprezo), e se abrir ao outro, definitivamente outro, que, aparentemente, não tem nada a ver comigo. Mas, aquele que consegue, ou pelo menos tenta, se torna algo mais do que ele mesmo. Algo mais? Muitos mais! É uma violência de alteridade. Só não é, porque é amor, porque é convite, porque se aceitou. 

É possível? Em uma só vida, acredito que não. Por isso Kardec relativiza para que se torne mais concreta a ação nesse intervalo que temos para seguir esse conselho. É suportar, ao menos. É trocar o mal com o bem. O escárnio com a prece de coração. Contudo, em várias vidas, o amor se torna não só possível, mas evidente. 

Nos relatos dos Espíritos, enche-se a Terra de histórias de inimigos que reencarnaram como próximos, no sentido estrito. Compartilhando o mesmo útero, no caso de irmãos, ou o mesmo corpo, no caso de mãe e filho. Dividindo o sangue e a compatibilidade, a casa, a mesa e o pão. E, por uma divina lei de esquecimento, o ódio, o rancor e o desprezo são relativizados pelo estranhamento da ausência de motivos suficientes para isso, pela presença de razões viscerais para ser o contrário.

Nessa minha curta existência, encontrei casos de filhos que odiavam seus pais na adolescência, borbulhando reminiscências dos desafetos passados, mas que dariam sua própria vida para salvá-los. E de pais, cujo carinho por este ou aquele filho era visivelmente menor do que por aquele outro, mas que não se sacrificava menos para manter a vida dos dois. 

Então, um bom exemplo de amor ágape, ou talvez, um bom exemplo de escola para o ágape se chama círculo familiar. Nele, as pessoas tendem a se ajudar e falam até mesmo de amor, mesmo não sentindo a mesma alegria que um amigo desperta. Há uma obrigação que corre nas veias gritando para amar. Às vezes fugimos dessas determinações e percorremos tudo ao redor para um dia voltar  - sempre há volta, nessa vida ou em outra - mais dispostos. Outras vezes enfrentamos o desafio do convite pulsante até o dia em que, sem querer, nos vemos abraçando e chorando juntos. Não é mais a mistura de sangue que importa, a partir de então, mas a de lágrima e a dos suores. É a do espírito. 

Eis que o amor ao inimigo se mostra na sua impossibilidade última. Buscávamos, seguindo essa máxima, amar ao que não se ama. E o máximo que conseguimos foi tornar o que não se ama amável. Tornamo-lo um irmão. Pouco importava a vitória da lógica e dos conceitos para Jesus, bastava que aprendêssemos a amar. 

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